sexta-feira, 4 de maio de 2012

Das coisas que eu falo e das que você entende


Existe um universo de informações e "verdades" entre o que eu falo e o que você compreende. Quisera eu que tudo que eu dissesse chegasse a você como realmente o foi dito. Mas não é assim. 
As pessoas entendem as coisas como querem e, muitas vezes, como sua próprias mazelas psicológicas a levam a entender. Certa vez, vi uma mulher fazer um discurso panfletário sobre o racismo porque um dia, ela estava em uma festa, e um convidado perguntou a ela onde pegava uma bebida. Ela, mulher, negra, ex-favelada (e muito complexada disso tudo). Ficou irritada, pois entendeu que o homem tinha dezenas de pessoas para solicitar a informação, mas perguntou para ela só para humilhá-la. Hã.. Como assim? Não foram dados mais detalhes, mas creio que se houvesse algum que justificasse sua argumentação ela os teria dado e enfatizado ao extremo. O fato é que ela não percebeu que o preconceito, o complexo de inferioridade, os recalques, as neuroses e até mesmo a agressividade estavam todos com ela.
Esse é um exemplo de com o o sentido se constrói no indivíduo e quanto mais “doente” o indivíduo, mais torto o sentido. É como se fosse uma luz que passa por uma lente que quanto mais deformada, mais altera as imagens. 
Isso não nos isenta de tomar cuidado como o que falamos e com quem falamos, mas nos libera de nos estressarmos com a insanidade do outro. Se distorcem o que você fala, vão distorcer o que qualquer pessoa fala. O problema é com você naquele momento, mas o cara que deturpa o que ouve é um problema para ele, para a vida toda.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Maltrapilhos wear - um jeito mendigo de ser


Entrei em uma loja de roupa outro dia para comprar uma calça nova. (Mulheres, aprendam uma coisa: lojas de roupas são as coisas menos atraentes que um homem pode desejar estar). A vendedora, como praxe, trouxe um monte de calças e 90% delas me fariam parecer um tiozão completemente sem noção, daqueles que o pessoal olha e pensa: caraca, ó o tiozão sem noção! Ridículo..
Na pilha de calças, havia uns modelos que vinham cheias de bolsos, outras cheias de detalhes... mas o que me chamou a atenção foram as calças do Maltrapilho’s Fashion Week. As pessoas compram calças que já vem de fábrica rasgadas, esfoladas, desbotadas, gastas, com imitação de sujeira. E pensar que eu estava ali para comprar uma calça exatamente porque as minhas calças em casa estavam quase naquele estado deplorável. 
A vendedora me passou o preço delas e era tudo na base de 90 a 150 reais... uma calça normal custava uns 60, daquelas sem rasgo, sem sujeira simulada, sem esfolado...
- Eu queria calças normais. Eu disse à vendedora. E fiquei pensando se eu trouxesse uma das minhas calças usadas não dava para trocar por umas novas e ainda saia com um dinheiro de volta.
Fiquei pensando, se trago uma das calças que tenho em casa, nesse estado, troco por umas duas novas... Se chego com elas sujas de tinta ou cagadas ainda levo umas blusas de quebra. Deve valer uma fortuna uma calça rasgada, suja, esfolada e ainda por cima, cagada...
Eu só fico pensando quem foi o mendigo influente que convenceu essa gente que trapo de roupa é fashion. 

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A origem - episódio II - A ganância


"Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da renda; também isto é vaidade." Eclesiaste 5:10

Querer mais e mais é uma manifestação natural de insegurança de quem acha que, no momento seguinte, vai faltar. Mesmo que conscientemente  se saiba que não vai  faltar, a pessoa carrega o fantasma de pensar: mas e  se faltar?
A partir daí, segue um processo de moldagem do indivíduo e suas necessidades ao tamanho do consegue. Se consegue 10 mil, suas necessidades moldam-se nesses 10 mil e trabalha para conseguir mais. Porém, esse "mais" não se caracateriza como excedente, pois quando é adquirido, já encontra as necessidades do tamanho dele. O grande mal disso é a confusão que se faz com a ambição. Muitas vezes, o ganancioso é vistoso com alguém ambicioso e pró-ativo. É um interessante processo de conversão de mazela em qualidade.
De certa forma, o ganancioso tem uma certa razão quando acha que nunca é o suficiente, pois o suficiente dele se molda (para mais) na medida em que ganha mais. A pessoa que sofre esse mal não tem dimensão do dano que causa a si mesma, uma vez que a força a rodar sempre em velocidade mais acelerada para conseguir o que nunca vai satisfazê-la: poder, dinheiro, influência. Por mais que tenha, nunca será o suficiente. O ganacioso é mais ou menos como o cachorro que corre atrás do próprio rabo, só difere disso por seus meios, pois considera que para fazer valer os seus interesses vale tudo, inclusive capturar a cauda dos outros. Não há limites morais para ele.
O fato é que, muitas vezes, sua angústia em ter o que não precisa é tanta que ele não percebe nem o que tem.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Cola, corrupção e outros jeitinhos desonestos de se sentir esperto


Como professor, há muito tempo tenho estratégia de deixar o aluno fazer uma folha de A4 frente e verso com o resumo da matéria para usar na hora da prova. É uma maneira de força o cara a, pelo menos, ver o conteúdo que vai cair e, ao mesmo tempo, não me aborrecer com cola. Bom, você diria, ainda resta a coisa de colar um do outro. Ah sim... Resta, mas vamos a realidade dos fatos.
Elaboro avaliações que, na imensa maioria das vezes, apelam muito mais para sua interpretação do que para o conhecimento em sua forma decorada e anotada numa folha. Se o aluno quiser colar do outro colega ao lado, isso é um fator quase inevitável. Agora, colar é um ato de desonestidade como outro qualquer e que caracteriza um desvio de caráter repreensível.
Às vezes, a gente esquece que a corrupção, a desonestidade, a falta de caráter não se dá nas grandes ações, mas em hábitos do cotidiano que corrompem e maculam desvirtuam a dignidade. Sempre pensei que isso não me afeta. Eu, como docente, estou ali, na frente, cumprindo minha função, ensinar, aplicar, corrigir, cuidar para que ele não transgrida as normas. Entretanto, não sou polícia para empreender um clima de vigilância total e terror sobre ele.
Se ainda assim, algum aluno acha que o melhor caminho é ser desonesto, ele o será e não sou eu quem vai conseguir impedir. Afinal, ali é só um aspecto da vida dele que nada mais é do que o reflexo de todos os outros. Quando sairmos dali, eu serei, por uns instantes, no máximo, um professor bobo, que deu mole e ele o mau caráter de sempre, para sempre.
No mais, a vida se encarrega de cuidar.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

A origem - episódio I - A inveja


Tenho pensado muito sobre a origem das coisas, principalmente dos sentimentos e atitudes. Dos mais nobres aos mais mesquinhos, todos eles surgem de algum lugar, crescem sob algumas condições e se expandem conforme a oportunidade que lhe aparece. 
O primeiro que me despertou a atenção foi a inveja. Não aquela inveja do olho gordo que fazia os antigos usarem figas penduradas no pescoço. Falo da inveja que deseja o mal do outro e que trabalha para isso com palavras, articulações e atos discretos de destruição do outro.  Afinal, o que envenena e contamina é o que sai pela boca, pois brota no coração.
Percebi que esse sentimento se origina na descrença em si mesmo, na baixa autoestima (aliás, percebo que muitos sentimentos destrutivos nascem aqui). Diante da descrença de ser capaz, resta o rancor pela capacidade alheia. Como se fosse uma raiva da vida que concede (??) ao outro a habilidade de conquistar as coisas que o invejoso pensa não conseguir, pensa não ter sido privilegiado com o dom (??) do outro. 
Restam-lhe, então, duas atitudes: a resignação e aceitação de seu destino ou a ação para se vingar (??) daquele que tem tudo enquanto ele, coitado, não tem nada. A partir daí, vale a maledicência, a articulação para prejudicar, a sabotagem cotidiana, mas nunca o confronto. O invejoso não confronta o invejado, pois este é o seu objeto de ódio, mas ao mesmo tempo, seu objeto de desejo. Todo ataque a ser feito deve ser indireto e qualquer ação destrutiva deve ser encabeçada por frases do tipo “não, eu não tenho nada contra o fulano. Até gosto dele.”
Nisso, ele não mente. Ele gosta mesmo. Deseja o muito e, na impossibilidade de ter seu objeto de desejo, trabalha para destruí-lo. Tudo isso para que ninguém o tenha ou o possa desejar também.

terça-feira, 17 de abril de 2012

O problema está com quem bate


Sempre ouvia minha amada e saudosa avó dizer que o mal feito fica pra quem faz e não para quem recebe. Lá na minha tenra idade, achava uma besteira isso. Afinal, a porrada dói em quem apanha e não em quem bate. Entretanto, foram necessários uns vinte a trinta anos para que entendesse que se dói em quem apanha, também cura em quem apanha. Já quem bate prossegue batendo. Acumulando desavenças, desforrando suas frustrações e suas doenças da alma nos outros. Quem bate segue doente, não cura.
O sujeito que ofende com palavras, com atitudes é assim por sua natureza. O ofendido é só mais um na sua lista, uma situação ocasional, esporádica. O ofensor não, ele prossegue sua rota de agressão, pois sua alma doente precisa agredir. A ferida que ele traz aberta não fecha, a doença que ele carrega não cura e ainda o consome sem ele perceber.
Achar que ele não é penalizado com isso é tolice. Ele é, só não o sabe. As pessoas se afastam, as pessoas o suportam, as pessoas só se aproximam por interesse já que se não for para se tirar um proveito, não vale a pena aguentá-lo. Os que ficam no seu entorno aguardam as viradas de mesa para, no devido momento, dar o troco, a porrada de volta. E assim perpetuam-se as eternas mazelas da alma humana.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Paradoxo da prepotência - o contrassenso


Não sei de onde alguns profissionais de saúde tiram tanta arrogância e prepotência. Outro dia eu lia um fórum sobre tratamentos de cálculos biliares (pedra na vesícula) e lá pela tantas, alguém que se identificava como "médico" disse que não havia jeito senão a cirurgia e que a única pessoa capaz de saber o que era bom para a saúde da pessoa era o médico. Ou seja, creia em mim, pois eu sou a verdade e a luz e aquele que crê em mim viverá para sempre...
O fato é que havia dezenas (talvez centenas..) de depoimentos de melhora com tratamentos a base de fitoterápicos (remédios de plantas) que eram completamente desmerecidos pelo argumento cartesiano do referido profissional. Pode haver mil depoimentos a favor, mas, se a ciência (dele) não endossar, os fatos não existem. Era tudo fruto da imaginação daquelas pessoas. Dezenas e centenas de desequilibrados mentais que deliravam com uma cura imaginaria que iludia até outros médicos como ele.
O cara nem tentou uma evasiva do tipo: olha, eu não conheço casos comprovados ou ainda nunca li um estudo sério sobre isso... Não. Foi taxativo. Só existe verdade na ciência (dele) e ele era o representante oficial. 
Aprendi com o tempo que essas posturas é que são pouco confiáveis. Nego antes de qualquer coisa, pois contraria o que prego. Logo, se não é a minha verdade, está errado. Há uma confusão de posições aqui. Isso não é ciência, é dogma e dogma é a base da fé, um contrassenso no mundo científico.


domingo, 8 de abril de 2012

Vaidades das vaidades.. tudo é vaidade


Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol? 
Eclesiastes 1:3

O vaidoso é um idiota (no sentido helênico da palavra aquele que só pensa em si mesmo) por natureza. Não falo da vaidade que quer deixar a si mesmo mais bonito, mais novo, mais forte, mais chique, enfim, mais qualquer coisa que agrade aos olhos. Falo do vaidoso estúpido que faz tudo na espera do agradecimento, do reconhecimento, das placas, dos títulos, das honras... Trabalhei em lugares em que as pessoas faziam lobby para colocarem seus nomes em prédios e salas antes de terem ao menos morrido.  Coisa que aliás, por desfeita, não fizeram até hoje para se fazer jus à homenagem. Conheci, na minha vida, pessoas que adulavam chefes para receberem um título qualquer de qualquer coisa só para ter uma cerimônia de honra e entrega de plaquinhas. Lidei com professores que adotavam uma postura de bajulação com alunos para não ficarem de fora das homenagens das festas de formaturas... Ao fim, plaquinhas, musiquinha “ao mestre com carinho”...
Vi, nesse mundo, almas que se alimentam de elogios, nomes, títulos e pompas que escondem o imenso vazio que trazem. Muitos desses, por essas terras andam, deixam seus nomes em prédios, ruas, estabelecimentos, praças e até cidades e, nesse rastro de suas vaidades, nos fazem até esquecer os canalhas que foram em vida. Afinal, a morte redime a tudo, já diziam os romanos.
Sem estender-me em elucubrações, talvez essa seja a real intenção em vida de sua sede por notoriedade e reconhecimento. Cobrir com placas e louvores tudo que ele não fez, tudo que ele não foi.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

No fundo, no fundo.. e daí?


Sabe o que é legal com o tempo? Pois é, tem coisa legal em envelhecer. Todo mundo pensa que só tem coisa ruim como perder o cabelo, rugas, ficar grisalho (se não perder todos os cabelos, claro), digerir mal alguns alimentos, sentir cansaço mais intensamente e optar por uma cama a uma balada, enfim, parece que é o fim que se aproxima.
Mas não. O mais legal depois dos 40 é a ausência de necessidade de ficar dizendo quem somos e no que cremos o tempo todo. Tenho alguns colegas no facebook que me fazem ver essa linha do tempo com uma nitidez extraordinária. Por serem mais novos, sentem uma necessidade de gritar o tempo todo que são comunistas, de esquerda, evangélicos, católicos, gays, torcedores fanáticos de um time, tementes a Deus, engraçados, descrentes etc. Trata-se de um grito de desespero de que eu sou alguém, creio em algumas coisas e sou diferente de todos os outros.
Outros quem? Milhares de pessoas gritam a mesma coisa em um surdo coro de mesmice. Tentam ser diferentes sendo exatamente iguais a todo mundo. É esse o grande paradoxo da era moderna. Ser diferente, mas tão diferente que acaba sendo igual a todos que querem ser diferentes.
A maturidade traz isso de legal. A ausência absoluta dessa necessidade de gritar quem se é, onde se está, o que o faz diferente de todo mundo. O risco que existe é de que ninguém saiba quem você é, mas, a certa altura da vida, sabe de uma coisa, do fundo do meu coração...
E daí?