sábado, 24 de julho de 2021

Política dos favores

Li certa vez que, um favor, vindo de algumas pessoas, sai mais caro que um serviço pago e me identifiquei com essa ideia já desde cedo. Eu preciso muito confiar no outro para aceitar um favor. Se não confio, prefiro pagar por um serviço, passar um aperto ou me virar, porque sei que a nota daquele "favor" serviço é uma fatura em aberto e sujeita ao que a pessoa acha quanto vale e como (e quando) vai cobrar.

Pessoalmente, acredito que uma das coisas mais feias nos relacionamentos humanos é o jogar na cara. E tem gente que bate no peito e diz: jogo na cara mesmo. Isso para mim é a perda definitiva de crédito afetivo e o caminho para saber que não posso contar com aquela pessoa. Afinal, nada é feito por camaradagem, afeto, amizade, mas simplesmente como sórdida moeda de troca.

O que nos move a fazer algo pelo outro deve ser antes de tudo o afeto e a certeza de saber quando nos doamos, nada perdemos ajudando o outro a crescer. Se isso é uma moeda de troca, segue a ajuda ao outro, mas o crescimento se ofusca no interesse sórdido. E o pior, cai naquela coisa de o que um fez pelo outro para quantificar em quem deve quem. Quantifica-se o inquantificável. 

Gosto mesmo é de gente gratuita porque sempre fui gratuito e, por mais que tivesse feito algo por alguém, jamais joguei, ou jogarei nada cara porque, no fundo, fiz por mim. Fiz porque queria ajudar porque julgava ser o certo naquele momento. Mas essa não é a máxima comum.

Enfim, aprendi a lidar com essas situações evitando ao máximo pedir ou viver situações em que se cria alguma dependência de quem quantifica afeto/generosidade/altruísmo. Isso, desde jovem. Reconheço que isso nasceu de várias decepções de ouvir pessoas falando: "nossa, mas eu fiz isso por você" e eu ficar pensando: Putz, eu não imaginei que estava pagando por um serviço… Juro que se soubesse que era um serviço preferiria pagar em dinheiro. Porque, afinal de contas, há favores que saem mais caros dos serviços pagos.

Pode ser radical, mas quando uma pessoa faz isso, algo muda em mim com relação ao que sinto e, certamente, quanto até que ponto posso contar com ela, afinal, se um dia eu não tiver mais moeda de troca, até onde irá a "generosidade alheia".


domingo, 11 de julho de 2021

E la nave va… toca o barco

Dizem, antes dos 20, se não somos revolucionários somos insensíveis e depois dos 40, se o somos, somos insensatos. Isso tem um fundo de verdade. Nesse período de 20 aos 40, a vida se encarrega de nos fornecer um choque de realidade e nos mostrar dia a dia que não é bem assim que a banda toca que as coisas não mudam no atacado, segundo a nossa vontade e nosso tempo. Sim. As coisas mudam, mas isso se dá no tempo das coisas e não no seu.

A verdade é que, nesse período, para a marioria das pessoas, chegam as contas, acumulam-se decepções (essas acumulam-se a vida toda), vemos que muitos rótulos de ideologias são bandeiras úteis para quem, no fundo, quer poder, dinheiro, prestígio e …. mudar o mundo? Não. Nem pensar. Ele não vai querer mudar o mundo logo na hora que conseguir se beneficiar das regras. Ninguém quer eu o bolinho acabe logo na sua vez na fila..

Acabamos depois de certa idade nos acomodando  numa tênue e confortável hipocrisia de saber que aquilo não funciona assim, mas muitos seguem sustentando um discurso que os legitima como alguém consciente, comprometido, engajado com algo nobre. Talvez, queiram mudar o mundo ainda, mas se envolve sair do sofá e do teclado do computador, vai se esperar um pouco. Afinal, em certa fase da vida, sabe-se o mundo vai mudar no fluxo dele e não no seu.

Muito poucas são as pessoas rompem essa inércia quase absoluta para mudar qualquer coisa, esses snao espíritos sui generis, pontos fora da curva. Não é a regra. A miséria do mundo a incomoda, mas os sem teto de sua cidade, seguem nessa miséria, mas essa não incomoda. Só a do mundo. Essa não, essa é culpa do estado opressor capitalista conservador.

As injustiças e desigualdades causam horror, mas se não te toca, tudo bem. É só um cartaz numa passeata eventual contra o sistema ou um discurso cheio de clichês. Voltamos todos para casa e postamos imagens no Facebook e Instagram para que vejam como somos politizados e do bem.

A corrupção enoja até que você ou alguém próximo querido (sua mãe, por exemplo) receba um cargo de um político corrupto e se beneficie disso. Afinal, se você não aceitar, outro vai aceitar. E de dentro do sistema você consegue agir melhor contra ele. Mentira… e não são sinceras. Logo, não me interessam.

Assisti a um filme outro dia chamado Um Bom homem (direção de Vicente Amorim e roteiro de John Wrathall) 2008 que conta a história de um professor que se vê no dilema de usufruir benefícios de um sistema com o qual não concorda (o Nazismo da Alemanha nos anos 30). Não vou dar spoiler, mas é fácil imaginar que rumo essa história leva.

O fato é que não se atenta contra o próprio status quo. Isso é humano. Queremos que o mundo mude, mas não queremos que mexam no nosso queijo. São muito poucos aqueles que se encontram dispostos a abrir mão de algo que afete o seu padrão de vida em nome de igualdade, justiça social etc.

Enfim, a maioria das pessoas quer um mundo melhor mesmo, mas não querem agir no varejo para melhorar esse mundo, querem um mundo mais justo, mas não estão dispostas a comprometer o seu padrão social, querem resumir toda a mudança a uma gritaria eventual, muitas vezes, paga em passeata ou ao clique de uma tecla.

Mas enfim, como dizia Terêncio (163 d.c) Homo sum; humani nil a me alienum puto, ou seja,  Sou humano, nada do que é humano me é estranho.

E la nave va… toca o barco


domingo, 4 de julho de 2021

O mundo não muda no atacado

Quando somos jovens queremos mudar o mundo no atacado, de uma vez, em um golpe só. Achamos que basta nos unir que tudo vai mudar porque unidos somos mais fortes. Só esquecemos de perguntar se o outro quer se unir a nós e desconsideramos que pessoas possuem interesses diferentes, realidades diferentes e nem todo mundo está disposto a comprar nossa proposta para um mundo melhor. Pessoalmente, tenho muito medo de propostas que apresentam uma supervalorização do coletivo seguida da anulação do indivíduo.. Isso é problemático demais e arriscado demais.

Pois é.. a maturidade nos ensina que o mundo só muda no varejo. No fundo, sabemos disso intuitivamente, mas mudar o mundo começando a mudar a si mesmo é muito complicado e desgastante. Tudo isso implica em mudar condutas, pensamentos, atitudes cotidianas que mudam  efetivamente nosso mundo e, como nosso mundo faz parte de um universo de mundos. Automaticamente, muda o mundo.

Muita gente se pergunta como lidar com aquele que não quer mudar a si a mesmo e sua resistência mantém esse universo de mundos em desarmonia. Primeiramente, tudo se encontra em movimento e de alguma forma, até quem não quer mudar muda sim. Não no ritmo que desejamos, mas muda. E, em segundo lugar, a velocidade dos movimentos em direção às mudanças ocorre no ritmo do livre arbítrio de cada um e não segundo nosso desejo. Respeitar o tempo do outro é parte da nossa evolução também.

As ideologias que pregam as mobilizações e a supremacia do coletivo acreditam de verdade que as coisas mudam na base do tranco. Isso é um engano e gera uma legião de pessoas que assumem para si a missão messiânica de mudar o mundo convencendo o outro a mudar mundo… que irá convencer outros a mudarem o mundo. Isso é inócuo e, olhando de perto não faz o menor sentido. O mundo muda com 1% de ideias e 99% de atitudes. E muita gente não consegue sair do 1%.

Eis a razão pela que se engajar na luta pelas crianças desnutridas da África é mais interessante do que pelas crianças em família que passam por necessidade na periferia de sua cidade. A indignação rende discursos, textos no Facebook, vídeo curtos com o celular na vertical e morre ali. Não demanda ação alguma. Miseráveis de longe são ótimos para a promoção do marketing pessoal nas redes, já os da periferia custam tempo, dinheiro e estão perto demais da nossa realidade, longe demais das redes sociais.

Uma vez conversava com um colega me dizia que essas campanhas de alimento e agasalho, por exemplo, não resolve porque milhões de pessoas ainda seguem sentindo fome e frio (daí ele não ajudar em nada). Era assistencialismo barato da burguesia capitalista. E eu perguntei: Mas não ajuda a reduzir a carência da pessoa beneficiada? E ele respondeu: É... mais o problema ainda está lá no sistema.

Moral da história: se não for para mudar o mundo todo de uma vez, não faço nada. Se não for para beneficiar 100%, não faço nada para ninguém.

Ele não entendeu que o mundo não muda no atacado mesmo… ou entendeu.



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