domingo, 12 de setembro de 2021

Sabe onde você errou?

Quando as coisas não dão certo na vida da gente, a primeira pergunta que fazemos é "onde foi que eu errei?" Eu sempre fui um bom filho(a), um bom pai/mãe, um bom marido/esposa e, apesar de tudo isso, a vida só me entregou dissabor e ingratidão. Ou mesmo, me entregou episódios de tamanho infortúnio que, olhando assim de perto, eu juro nunca ter merecido.

Tirando a possibilidade de uma distorção de leitura sobre si mesmo (o que pode acontecer ocasionalmente) e considerando que você esteja correto em sua autoavaliação, o seu primeiro erro é entender sua conduta, por melhor que seja, como uma moeda de troca com a vida. A vida não barganha com você. Saiba que, ainda que você dê o melhor de si, que seja a melhor pessoa do mundo, se tiverem que te pregar numa cruz, as pessoas vão fazer. E sabe por quê? Porque sim, porque a vida não barganha com você. Aprenda essa lição número 1  - esperar barganha é o seu primeiro erro.

E isso quer dizer que não devo ser uma boa pessoa porque nada terei em troca? Não. Pelo contrário. Ser uma pessoa melhor faz o mundo ao seu redor ser mais leve o maior beneficiado dessa leveza é você mesmo. Isso a curto prazo. 

É importante entender que, apesar de nossas carências de reconhecimento (todos desejam likes), suas ações não devem ser como a interpretação em um palco e que você receberá aplausos ou vaias ao final. Esse é o segundo erro. Não haverá palmas no final.

E por fim, diante de uma ingratidão não cabe muito ficar discutindo a origem, as causas, os fatos prévios. Quando alguém é atingido por um tiro no peito, não faz o menor sentido discutir naquele momento que tipo de bala atingiu, de que material era feito, qual a estrutura mecânica da arma, onde foi fabricada, qual a formação e a habilidade do atirador etc enquanto o atingido segue no chão sangrando. O fato é que temos alguém ferido e devemos providenciar socorro para que não morra.

Na outra parte, ficar filosofando os eventos prévios citados depois que salvamos a pessoa é completamente inútil uma vez que não reverte os fatos. E aí podem dizer que entendê-los pode evitar que ocorram novamente. Não. Não pode. Pode ajudar a não ocorrer exatamente daquela forma, mas não existe a certeza da infalibilidade do seu método. 

Esse é o grande erro que cometemos, pensar na vida com um palco e que nossos atos terão algum reconhecimento ao final. Além disso, nunca seremos julgados pelo que fazemos, mas pelo que deixamos de fazer. 1000 SIMs não tem fazem uma boa pessoa, mas com certeza, 1 NÃO te faz um péssimo ser humano aos olhos dos outros. Nossas carências não podem nos fazer escravos da expectativa de recompensas afetivas que, muitas vezes, não vêm e alimentam frustrações decepções.

Faça as coisas por que elas são boas e devem ser feitas, ignore qualquer recompensa, pois a maior delas é saber que fez a coisa certa.


domingo, 5 de setembro de 2021

Procrastinar é normal, mas...

Essa palavra se divide em 3 partes maiores: pro (movimento a/em direção a, no sentido de), cras (advérbio que significa "amanhã") e demais são afixos formadores de verbo. Ou seja, grosso modo, significa a ação de mover algo que deveria ser feito hoje para amanhã e assim indefinidamente. No dicionário resume-se assim: ato de transferir para outro dia ou deixar para depois; adiar, delongar, postergar, protrair. Para alguns religiosos, chega a ser um pecado associado à preguiça.

Temos que encarar que todos são passiveis desse mal, e, eventualmente, a gente fica adiando para depois e depois uma coisa que inevitavelmente deve ser feita. Normalmente, se trata de algo que não nos dá prazer imediato e, como seres hedonistas (movidos pelo prazer) que somos, adiamos com foco inconsciente no prazer momentâneo de não fazer algo que não dá prazer. Ou seja, o prazer de "não fazer" vence o desconforto de ter que fazer algo que não nos dá prazer imediato. Entendeu?

Mas os efeitos são muito nocivos e o maior deles é o fator cumulativo. Se você não queria fazer algo porque não te dava prazer e adiou, quando você adia outra tarefa, agora, você tem duas coisas que não te dão prazer na lista e, um dia, você vai ter que encarar uma lista bem grande de coisas que não te dão prazer. Você só está adiando o desconforto e acumulando mais coisas desconfortáveis de serem feitas. 

Dessa forma, podemos entender que procrastinar é algo movido pelo prazer imediato. Entretanto, que, como efeito rebote, vai provocar o desprazer a longo prazo. É exatamente essa visão que nos move.

Nesse meio século de vida, aprendi que a melhor a maneira de trabalhar com isso são as listas de tarefas. Sempre no início de semana faço uma lista de tarefas separadas por áreas, trabalho, casa, saúde etc. E, na medida em que as coisas vão andando, vou riscando da lista. No início da outra semana, refaço a lista começando com a cópia das coisas que deixei de fazer e colocando-as em primeiro na nova lista com um ponto de exclamação na frente.

Isso ajuda a visualizar aquelas coisas que não consegui fazer ou que procrastinei mesmo e, na medida em que os pontos de exclamação vão se acumulando, aquilo vai virando uma urgência. Isso, nesses últimos anos, me ajudou a medir o meu PPH, uma sigla que criei para o meu Potencial de Procrastinação Humana. Hoje em dia, o meu desafio é lidar com o PPH dos outros, mas aí já é outra história.

Em tempo: procrastinei algumas semanas para escrever esse texto...rs Afinal, summus homines


sábado, 24 de julho de 2021

Política dos favores

Li certa vez que, um favor, vindo de algumas pessoas, sai mais caro que um serviço pago e me identifiquei com essa ideia já desde cedo. Eu preciso muito confiar no outro para aceitar um favor. Se não confio, prefiro pagar por um serviço, passar um aperto ou me virar, porque sei que a nota daquele "favor" serviço é uma fatura em aberto e sujeita ao que a pessoa acha quanto vale e como (e quando) vai cobrar.

Pessoalmente, acredito que uma das coisas mais feias nos relacionamentos humanos é o jogar na cara. E tem gente que bate no peito e diz: jogo na cara mesmo. Isso para mim é a perda definitiva de crédito afetivo e o caminho para saber que não posso contar com aquela pessoa. Afinal, nada é feito por camaradagem, afeto, amizade, mas simplesmente como sórdida moeda de troca.

O que nos move a fazer algo pelo outro deve ser antes de tudo o afeto e a certeza de saber quando nos doamos, nada perdemos ajudando o outro a crescer. Se isso é uma moeda de troca, segue a ajuda ao outro, mas o crescimento se ofusca no interesse sórdido. E o pior, cai naquela coisa de o que um fez pelo outro para quantificar em quem deve quem. Quantifica-se o inquantificável. 

Gosto mesmo é de gente gratuita porque sempre fui gratuito e, por mais que tivesse feito algo por alguém, jamais joguei, ou jogarei nada cara porque, no fundo, fiz por mim. Fiz porque queria ajudar porque julgava ser o certo naquele momento. Mas essa não é a máxima comum.

Enfim, aprendi a lidar com essas situações evitando ao máximo pedir ou viver situações em que se cria alguma dependência de quem quantifica afeto/generosidade/altruísmo. Isso, desde jovem. Reconheço que isso nasceu de várias decepções de ouvir pessoas falando: "nossa, mas eu fiz isso por você" e eu ficar pensando: Putz, eu não imaginei que estava pagando por um serviço… Juro que se soubesse que era um serviço preferiria pagar em dinheiro. Porque, afinal de contas, há favores que saem mais caros dos serviços pagos.

Pode ser radical, mas quando uma pessoa faz isso, algo muda em mim com relação ao que sinto e, certamente, quanto até que ponto posso contar com ela, afinal, se um dia eu não tiver mais moeda de troca, até onde irá a "generosidade alheia".


domingo, 11 de julho de 2021

E la nave va… toca o barco

Dizem, antes dos 20, se não somos revolucionários somos insensíveis e depois dos 40, se o somos, somos insensatos. Isso tem um fundo de verdade. Nesse período de 20 aos 40, a vida se encarrega de nos fornecer um choque de realidade e nos mostrar dia a dia que não é bem assim que a banda toca que as coisas não mudam no atacado, segundo a nossa vontade e nosso tempo. Sim. As coisas mudam, mas isso se dá no tempo das coisas e não no seu.

A verdade é que, nesse período, para a marioria das pessoas, chegam as contas, acumulam-se decepções (essas acumulam-se a vida toda), vemos que muitos rótulos de ideologias são bandeiras úteis para quem, no fundo, quer poder, dinheiro, prestígio e …. mudar o mundo? Não. Nem pensar. Ele não vai querer mudar o mundo logo na hora que conseguir se beneficiar das regras. Ninguém quer eu o bolinho acabe logo na sua vez na fila..

Acabamos depois de certa idade nos acomodando  numa tênue e confortável hipocrisia de saber que aquilo não funciona assim, mas muitos seguem sustentando um discurso que os legitima como alguém consciente, comprometido, engajado com algo nobre. Talvez, queiram mudar o mundo ainda, mas se envolve sair do sofá e do teclado do computador, vai se esperar um pouco. Afinal, em certa fase da vida, sabe-se o mundo vai mudar no fluxo dele e não no seu.

Muito poucas são as pessoas rompem essa inércia quase absoluta para mudar qualquer coisa, esses snao espíritos sui generis, pontos fora da curva. Não é a regra. A miséria do mundo a incomoda, mas os sem teto de sua cidade, seguem nessa miséria, mas essa não incomoda. Só a do mundo. Essa não, essa é culpa do estado opressor capitalista conservador.

As injustiças e desigualdades causam horror, mas se não te toca, tudo bem. É só um cartaz numa passeata eventual contra o sistema ou um discurso cheio de clichês. Voltamos todos para casa e postamos imagens no Facebook e Instagram para que vejam como somos politizados e do bem.

A corrupção enoja até que você ou alguém próximo querido (sua mãe, por exemplo) receba um cargo de um político corrupto e se beneficie disso. Afinal, se você não aceitar, outro vai aceitar. E de dentro do sistema você consegue agir melhor contra ele. Mentira… e não são sinceras. Logo, não me interessam.

Assisti a um filme outro dia chamado Um Bom homem (direção de Vicente Amorim e roteiro de John Wrathall) 2008 que conta a história de um professor que se vê no dilema de usufruir benefícios de um sistema com o qual não concorda (o Nazismo da Alemanha nos anos 30). Não vou dar spoiler, mas é fácil imaginar que rumo essa história leva.

O fato é que não se atenta contra o próprio status quo. Isso é humano. Queremos que o mundo mude, mas não queremos que mexam no nosso queijo. São muito poucos aqueles que se encontram dispostos a abrir mão de algo que afete o seu padrão de vida em nome de igualdade, justiça social etc.

Enfim, a maioria das pessoas quer um mundo melhor mesmo, mas não querem agir no varejo para melhorar esse mundo, querem um mundo mais justo, mas não estão dispostas a comprometer o seu padrão social, querem resumir toda a mudança a uma gritaria eventual, muitas vezes, paga em passeata ou ao clique de uma tecla.

Mas enfim, como dizia Terêncio (163 d.c) Homo sum; humani nil a me alienum puto, ou seja,  Sou humano, nada do que é humano me é estranho.

E la nave va… toca o barco


domingo, 4 de julho de 2021

O mundo não muda no atacado

Quando somos jovens queremos mudar o mundo no atacado, de uma vez, em um golpe só. Achamos que basta nos unir que tudo vai mudar porque unidos somos mais fortes. Só esquecemos de perguntar se o outro quer se unir a nós e desconsideramos que pessoas possuem interesses diferentes, realidades diferentes e nem todo mundo está disposto a comprar nossa proposta para um mundo melhor. Pessoalmente, tenho muito medo de propostas que apresentam uma supervalorização do coletivo seguida da anulação do indivíduo.. Isso é problemático demais e arriscado demais.

Pois é.. a maturidade nos ensina que o mundo só muda no varejo. No fundo, sabemos disso intuitivamente, mas mudar o mundo começando a mudar a si mesmo é muito complicado e desgastante. Tudo isso implica em mudar condutas, pensamentos, atitudes cotidianas que mudam  efetivamente nosso mundo e, como nosso mundo faz parte de um universo de mundos. Automaticamente, muda o mundo.

Muita gente se pergunta como lidar com aquele que não quer mudar a si a mesmo e sua resistência mantém esse universo de mundos em desarmonia. Primeiramente, tudo se encontra em movimento e de alguma forma, até quem não quer mudar muda sim. Não no ritmo que desejamos, mas muda. E, em segundo lugar, a velocidade dos movimentos em direção às mudanças ocorre no ritmo do livre arbítrio de cada um e não segundo nosso desejo. Respeitar o tempo do outro é parte da nossa evolução também.

As ideologias que pregam as mobilizações e a supremacia do coletivo acreditam de verdade que as coisas mudam na base do tranco. Isso é um engano e gera uma legião de pessoas que assumem para si a missão messiânica de mudar o mundo convencendo o outro a mudar mundo… que irá convencer outros a mudarem o mundo. Isso é inócuo e, olhando de perto não faz o menor sentido. O mundo muda com 1% de ideias e 99% de atitudes. E muita gente não consegue sair do 1%.

Eis a razão pela que se engajar na luta pelas crianças desnutridas da África é mais interessante do que pelas crianças em família que passam por necessidade na periferia de sua cidade. A indignação rende discursos, textos no Facebook, vídeo curtos com o celular na vertical e morre ali. Não demanda ação alguma. Miseráveis de longe são ótimos para a promoção do marketing pessoal nas redes, já os da periferia custam tempo, dinheiro e estão perto demais da nossa realidade, longe demais das redes sociais.

Uma vez conversava com um colega me dizia que essas campanhas de alimento e agasalho, por exemplo, não resolve porque milhões de pessoas ainda seguem sentindo fome e frio (daí ele não ajudar em nada). Era assistencialismo barato da burguesia capitalista. E eu perguntei: Mas não ajuda a reduzir a carência da pessoa beneficiada? E ele respondeu: É... mais o problema ainda está lá no sistema.

Moral da história: se não for para mudar o mundo todo de uma vez, não faço nada. Se não for para beneficiar 100%, não faço nada para ninguém.

Ele não entendeu que o mundo não muda no atacado mesmo… ou entendeu.



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domingo, 27 de junho de 2021

O que vejo e o que as coisas são

Nietzsche dizia que não temos acesso à verdade dos fatos, mas a narrativas. Mesmo aquilo que presenciamos, uma vez registrado no nosso universo de informação se torna uma narrativa e todas as vezes que retomamos o fato presenciado, retomamos a narrativa construída por nós mesmos. Sim.. Estamos diante de uma intangibilidade da verdade pura e uma multiplicidade de narrativas. Coisa doida, né? Pois é.

O fato é que enxergamos o mundo através de lentes que só permitem a visão do que elas filtram. Lentes formadas por nossa experiência pessoal, nossa formação cultural, nossos interesses pessoais e uma infinidade de fatores que me levam a crer que não enxergamos o mundo necessariamente por aquilo que queremos ver (como pensei muito tempo), mas por aquilo que conseguimos ver.

Assim como no livro O mágico de Oz (The Wonderful Wizard of Oz - romance de L. Frank Baum) que virou filme, em que havia a cidade das esmeraldas porque o mágico obrigava que todos usassem óculos de lentes verdes, vejo que, muitas vezes, o que as pessoas veem é aquilo que surge através de óculos verdes e acham que toda cidade é feita de esmeralda mesmo. 

Isso ajuda muito a entender a cegueira ideológica que temos hoje. Os radicais de esquerda, que, no fundo, são iguais aos radicais de direita, uma vez que são duas faces da mesma moeda, enxergam o mundo através de lentes muito pessoais e constroem narrativas que atendem ao conjunto de verdades que escolheram com base naquele mundo que conseguem enxergar. Aliás, um mundo pleno de uma lógica pessoal, própria e conveniente.

O meu medo é que, no desconhecimento dos óculos que carregam no rosto e que distorcem o mundo para caber nas suas crenças, os limites se esvaiam e as ações passem a ter o fim como justificativa suprema um bem maior. Os nazistas acreditavam nisso, os fascistas acreditavam nisso, Mao Tse tung acreditava nisso, os comunistas acreditavam nisso, todos traziam a certeza de estarem agindo pelo bem comum lutando por um mundo melhor. Os óculos que usavam só permitiam ver isso..

Podemos encerrar a discussão se nazismo é de direita ou de esquerda dizendo que, na verdade, no sentido metafórico da palavra (governo autoritário, opressivo, violento, ditatorial etc) ele é dos radicais de ambos os lados que seguem enxergando o mundo pelas suas lentes e elegendo como inimigos aqueles que não aceitam ver as coisas como eles veem. Isso gera inclusive, hoje em dia, o ódio ao "isentão", que é o nome que dão aquela pessoa que não quer assumir a ideologia dela. Já expliquei isso aqui no blog.

Abrir mão desses óculos de ver o mundo  nu e cru é quase impossível, mas é importante saber usar lentes multifocais e entender que o mundo não é um produto, mas um processo e sendo assim, nunca vemos o como É, mas o como ESTÁ.


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domingo, 20 de junho de 2021

Entre o útero e o túmulo

Costumo dizer que a vida é um trajeto sinuoso (e tortuoso) entre duas proparoxítonas: o útero e o túmulo. Também comparo a uma viagem de avião que sabemos como termina, mas não sabemos onde vai haver escala ou conexão e, só reconhecemos que há um voo que é medido pelo combustível que temos na aeronave e, de verdade, não fazemos ideia de quanta gasolina ainda há. É isso…

Sem manuais de instrução, você vai seguindo viagem e aprendendo a pilotar a aeronave enquanto ela voa. O fato é que quanto mais pilotamos, mais entendemos sobre ela. É claro que sempre será insuficiente para compreender a complexidade disso tudo. E claro também que é um conhecimento muito pessoal e quase intransferível, mas ainda assim, na véspera de completar 50 anos, resolvi compartilhar algumas observações. Vão ajudar a tornar viagens mais fáceis…. creio que não. Mas é mais a catarse mesmo de um homem que hoje está mais perto da proparoxítona final.

1. Não barganhe com a vida. De forma macro, as coisas vão acontecer em um fluxo alheio a sua vontade. Pessoas boas morrem de câncer, canalhas vivem até 100 anos, pessoas boas passam na miséria, canalhas vivem na fartura.. isso vai acontecer. É assim. A lei do retorno beira uma farsa que criamos para nos consolar quando nos ferramos na mão de alguém. Não é assim que a banda toca.

2. O maior beneficiado da sua boa conduta é você mesmo. Não vai haver troféu no fim da corrida ou pódio de chegada e beijo de namorada. Você já ganhou seu prêmio agindo assim e deixando de ser mais um fdp em um mundo com tantos.

3. Amar não é fazer com que o outro tenha uma vida sem dores ou sofrimento. Tipo o pequeno Príncipe colocando uma cúpula em volta da rosa. Isso é frustrante e impossível. Amar mesmo é respeitar o caminho de cada um e, no final, auxiliar se as coisas derem errado sem dizer o "viu, eu te disse" 

4. Se você fez algo por alguém para jogar na cara depois seria melhor não ter feito. Se você pretende jogar na cara algo que fez para obter algum benefício do outro, não faça. Isso é desonesto. Você sabe que está vendendo afeto/atenção. Só o outro é que, às vezes, não sabe que está comprando. 

5. As pessoas são o que elas são. O grande desafio é saber o que elas são. Você vai passar uma vida nessa leitura e, quando entender uma parte, elas mudam e você retorna ao ponto quase zero. É frustrante, mas é assim que rola.

6. Não nutra grandes expectativas com relação aos outros. É melhor receber mãos cheias quando esperávamos vazias do que vazias quando esperávamos cheias. Mas, nunca se esqueça, leve as suas mãos sempre cheias. A essência do outro não pode corromper a sua.

7. Todo mundo é capaz de tudo. O que as pessoas vão avaliar é a relação custo benefício e o momento. O que lidamos é com a relação do TUDO é possível, mas nem tudo é provável... pelo menos não naquele momento, não naquele contexto.  

8. As pessoas não conseguem, no geral, enxergar muito além do que gira em torno de seus interesses pessoais. É assim mesmo. Não cabe julgamento aqui. O exercício de ver além do que nos convém (e interessa) é o trabalho de uma vida. E aprendemos isso em doses homeopáticas.

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Proparoxítonas são chamadas de palavras esdrúxulas e nada mais caprichoso da vida do que se colocar a vida entre as duas. Faz a gente pensar.

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domingo, 13 de junho de 2021

Ódio ao isento... Por quê?

Outro dia, uma pessoa conhecida destilou no Facebook todo seu ódio ao que chamou de isentão, pessoas que não querem tomar posição política publicamente, por exemplo. Ela dizia que pior de todos eram aqueles que não se posicionavam diante das questões. Por trás disso, existe a ideia desconfortavelmente autoritária de que quem não concorda comigo é ruim, mas quem não aceita concordar comigo é pior. Isso, porque se concordar com quem discorda de mim, se torna ruim, logo, só se torna bom aquele que concorda comigo. Entendeu?

Eu acho extremamente abusivas e autoritárias essas falas, já que retiram do indivíduo o direito de escolher não dizer o que pensa sobre um tema e que dá a falsa percepção de que ele não se posicionou quando, na maioria das vezes, ele se posicionou, mas não quer compartilhar com os outros a sua visão. Ou se trata de desinteresse em compartilhar com você, uma pessoa que a despeito da sua autoestima, ele considera alguém com quem não vale a pena compartilhar ideias. Doloroso para o ego imaginar isso, né? Mas acontece...

Pois é, mas nós não somos unanimidades e a maneira como nos veem nem sempre fechar com a maneira como nós pensamos que nos veem. Isso é o ponto de partida para lidar melhor com a ideia de que as pessoas podem ter um conceito não tão positivo a nosso respeito o quanto imaginamos que tenham. Daí, não terem o menor interesse em compartilhar suas opiniões com a gente. O que não quer dizer que elas são isentonas. Elas só não nos prezam o suficiente para investir seu tempo nos expondo suas opiniões. Foi duro entender isso, mas entendi e acho que um exercício de senso crítico ajuda bem nesse processo.

Sei que vivemos em grupo e as decisões de uns acabam afetando outros. Isso, inevitavelmente. Entretanto, antes de sermos grupos somos indivíduos dotados de interesses e escolhas. Isso deve ser respeitado, pois os grupos mudam e se desfazem, mas a individualidade só se dilui com a morte.

Acho preocupante toda ideologia que vise à anulação completa do indivíduo por um ideário comum e coletivo e, principalmente, dos meios que pretende para prevalecer isso. 


domingo, 6 de junho de 2021

Insaciável querer e a frustração

Outro dia eu lia sobre o que é felicidade, uma pergunta que o homem se faz desde sempre. No texto, o autor resumia a felicidade como um estado de paz interior constante, um bem estar prolongado que decorre da lucidez emocional, da capacidade de estar bem com você mesmo a maior parte do tempo. Algo muito longe da busca insaciável por momentos de satisfação que promovem um efeito de prazer momentâneo que se dilui com grande rapidez como se fosse uma droga ingerida.

O problema é que a sociedade alimenta o ideal de felicidade vendido nas novelas e nas propagandas. Felicidade é casar e ter filhos morando numa casa em que a esposa fica abanando a mão para se despedir das crianças que vão para a escola. Isso, depois de um café da manhã harmonioso que termina com um beijo na testa, um sorriso e um "vou indo que estou atrasado, querida".

Resumem felicidade a dinheiro, muito dinheiro e contradizem milhões de pessoas que vivem com pouco, mas trazem consigo uma aura de felicidade legítima. Diriam alguns, são alienados. Mas seriam eles ou nós os alienados?

A busca pela felicidade momentânea no mundo moderno (e que a mídia tanto divulga, pois, ela quer te convencer que sua felicidade está atrelada ao que querem te vender) promove, na verdade, duas coisas: o cansaço e a frustração. O cansaço, pois seguimos em um insaciável querer em que nunca nada nos satisfaz. Quando conseguimos uma coisa, aquela satisfação dura somente pouco tempo, uma vez que sempre há algo mais a se querer ali na frente que já queremos. Isso provoca um exaurimento de energia vital decorrente de nunca estar satisfeito de verdade. 

O segundo efeito é a frustração. São fornecidos a nós modelos de felicidade como roupa pronta e algumas pessoas realmente conseguem atingir esse modelo (ou algo bem próximo) e, inevitavelmente, nos pegamos nos comparando com fulano tem uma família feliz, com sicrano é bem sucedido e, a partir daí, fazemos uma mensuração do "nosso fracasso". Aí nasce a imensa frustração de não ter tido sucesso algum.

Esse é o problema. A medida do fracasso ou do sucesso nunca é tangível por índices, pois esses conceitos são externos a nós mesmos enquanto o êxito real é o cultivo da vida interior em um estado de paz e lucidez emocional (eu sei o que sinto, de onde vem e entendo a dimensão que permito que isso deve ter na minha vida). É importante entender que a régua que mede meu sucesso não é as postagens do Instagram onde todos são felizes, onde todos são bem sucedidos e, na verdade, onde todos pintam a tela para mostrar aos outros a imagens que querem que eles vejam.

Enquanto muitas vezes, talvez, olhem outras postagens e pensem: como fulano tem uma família feliz, como sicrano é bem sucedido…. preciso, talvez…. quem sabe…. postar mais na praia.


domingo, 30 de maio de 2021

O que "vc" é hoje é o que "vc" sempre quis ser?

Outro dia,  vi essa perguntar em uma comunidade do Facebook e me pus a pensar na resposta. Acho que para ser respondida de forma mais madura a pergunta deveria ser: você está ciente de onde está e de que esse lugar é o resultado direto ou indireto das escolhas que você fez na vida? Aí sim, podemos começar a pensar em refletir mais claramente sobre a resposta. 

Quando mais novos queremos ser tanta coisa. Eu, por exemplo, quando criança, queria ser palhaço ou policial. Achava o máximo essas duas profissões. No início da adolescência, queria ser jornalista. No final dessa fase, a realidade financeira bateu na minha porta e descobri, como na música dos Engenheiros do Hawaii que, somos quem podemos ser. Por sorte, eu gostava muito de ensinar e também me realizava com isso. Daí, para me assumir como futuro professor, foi um pulinho. Eu me encontrei no magistério e a partir disso segui nesse caminho.

Mas mesmo já no magistério, em determinado momento, quiser ser diplomata e pensei seriamente em fazer prova para o Instituto Rio Branco. Depois quis ser empresário. E fui.. aí quis ser gestor. E também fui. Bom, hoje não sou necessariamente nada disso. Só professor mesmo. Aprendi muitas coisas, vivi muitas experiências e a pergunta se me tornei o que sempre quis não me soa adequada porque quis tantas coisas que não sei com o que alinhar o que sou com o que quis. Talvez se fizermos um recorte de o que quis quando, eu possa te responder que não.. Não consegui ser palhaço nem policial, o que queria quando criança, mas que consegui se professor, o que quis depois.

É aí que está. Comparar o que somos com o que os outros são ou com o que queríamos em determinados recortes de percepção da vida nos induz a um erro de análise e uma resposta que talvez não reflita bem nossa evolução pessoal.

O que você queria ser? Rico, famoso, reconhecido... Essas são respostas muito óbvias para temas tão complexos porque se a resposta é não aos quereres citados é porque em algum momento optamos por caminhos que nos levaram a ser outra coisa. A vida é feita de escolhas e preços que estamos dispostos a pagar ou não e queira ou não, somos nesse instante, o resultado das nossas escolhas que fizemos e preços por que pagamos.

Então, a resposta a pergunta é SIM. Eu sou mais do que o que sempre quis, sou o resultado do que escolhi em cada encruzilhada da vida e produto de cada preço por que paguei para chegar aqui. Sem pieguismo, mas produto de uma constatação óbvia, eu sou cada dia a melhor versão de mim mesmo. E, no fundo, sem verbalizar, sem teorizar, e de verdade, foi o que sempre quis mesmo.


domingo, 23 de maio de 2021

O Scar nosso de cada dia

Para quem não lembra ou não conhece, Scar é o irmão de Mufasa, tio do Simba do filme o rei leão. Sim, é aquele desenho da Disney e que fez muitas gerações ficaram com os olhos cheios d'água e que foi baseado na obra de Shakespeare, uma espécie de releitura ou como alguns chegaram a dizer: Shakespeare para crianças.

Mas o que poucos sabem que é que tanto na obra do dramaturgo inglês quanto no desenho da Disney, temos um retrato da alma humana e nos defrontamos com o fato que a única coisa que alguém precisa para nos fazer o mal é estarmos vivos. É lógico, se isso se soma a dinheiro, poder ou simplesmente ao egoísmo de ter o seu prazer atendido e ao vislumbre da impunidade do "se dar bem sem danos", a pergunta não é mais por que fazer? Mas, por que não fazer? Sempre seguida do raciocínio legitimador de que se fosso o outro, ele faria o mesmo.

No cinema, o vilão conduz as coisas para a morte de Mufasa e completa o seu plano culpando Simba da morte do pai porque Scar quer assumir o trono e, na ficção, até que ele se dá mal no final. O que nem sempre ocorre na vida real. Alguns poderiam dizer que ele era produto de uma construção social (Uma picaretagem intelectual da pós modernidade que legitima o ilegitimável. Uma espécie de reedição fuleira do mito do bom selvagem) de culto ao poder, mas em resumo, Scar era uma mau caráter e alguém cujo egoísmo era a energia geradora das ações.

A questão é que os Scars e os personagens de Shakespeare não se escondem nos livros e nas telas de cinema, eles dividem ambiente de trabalhos, frequentam mesmos círculos. São pessoas marcadas por algo mais nocivo do que maldade, o egoísmo, a fonte de toda a maldade. A fonte que legitima TUDO em nome do prazer pessoal.

Não há receita para lidar com essas pessoas, mas um caminho a se trilhar é saber que elas existem e admitir sem panos quentes que essa pessoa pode ser um colega, um vizinho, um familiar… Assim como na fábula do escorpião e do sapo, eles vão te picar, porque, afinal, é sua natureza. Aceitar a natureza do outro é se permitir não conviver, não se abrir, medir as palavras e, sobretudo não confiar. Tudo isso sem culpa por pensar ser um ato de retaliação ou hostilidade, mas por tratar-se de uma atitude legítima de autoproteção.

Aprender a dizer não, não quero, não vou, não posso, não te fazem ser alguém pior e também, acreditem, não interfere em nada no quanto as pessoas vão te amar. Não deixe que seu medo de não aceitação conduza suas decisões. Nunca se esqueça de que o número de SIM não vai se levado em conta no julgamento que fazem de você, mas sim o NÃO que você deu que definirá, de forma draconiana como irão te julgar. Não tenha medo de que não gostem de você. Não se esqueça de que a única coisa que as pessoas precisam para isso é que você exista. Muitas vezes só precisam de um empurrãozinho.. uma fofoca, um gesto, uma palavra mal entendida ou um não.

Se afastar de quem te intoxica ou ameaça de alguma forma não é um gesto de rancor, mas uma ação de autoproteção e garantidora da sua paz, um bem que não tem preço.

Scars rondam o nosso dia a dia e não pense que você está imune a eles, afinal, você atende o requisito básico: você existe.  Mas a boa notícia nisso tudo é que a escolha do quanto eles podem ter acesso a você é sempre sua.


domingo, 16 de maio de 2021

É... Não tem nenhum sentido mesmo

A grande pergunta da vida  "qual é o sentido da vida?" talvez possa ser respondida com um simples "o sentido da vida é que ela não tem sentido nenhum". E o mais impressionante disso é que isso não é uma constatação depressiva, melancólica, niilista ou de alguém que desistiu da vida em razão de tomar muita pancada. Não. É uma constatação plena de euforia e esperança.

O fato é que passamos a vida toda buscando um sentido e achando que é ser um bom profissional, um bom marido, um homem bem sucedido financeiramente, ser feliz, ser saudável, ser um bom pai… Enfim, passamos boa parte da vida correndo atrás do rabo e, quando pegamos (instante raro e momentâneo), ficamos com a sensação do "tá, e daí"... "Há outros sentidos ou posso ficar aqui com o rabo entre os dentes bem satisfeito com o que consegui?" Largamos o rabo e recomeçamos a caçada com a certeza de que, agora, o rabo, com nome diferente que atribuímos, é o verdadeiro sentido da vida. 

Um adendo aqui... Há um livro de um autor americano chamado Daniel Klein cujo título é Every Time I Find the Meaning of Life, They Change It - Cada vez que eu encontro o sentido da vida, eles mudam - muito interessante. Bom, o nosso raciocínio aqui segue bem por essa linha. Vamos lá.. retomemos.

Ser bom profissional, bom pai, bem sucedido, no fundo não faz muito sentido como fim, mas com tudo que construímos como meio. Até porque, no meio dessa caça, os sentidos mudam, desistimos, mudamos, refazemos… e o sentidos mudam porque ele não é da vida. Ele é nosso e nós sim, mudamos. Nós os criamos, atribuímos, nós os mudamos.

A vida, como tudo, não possui uma essência. Ela é um vazio que nos separa entre o útero e o túmulo. Por isso, o grande sentido é atribuir, nesse interregno, sentidos que rompam a confortável sensação da inércia natural do ser. A linguagem reflete isso quando dizemos "a vida passa". Aí é que está… ela não passa. Nós é que somos compelidos a passar enquanto ela se mantém estática como uma estrada sem tamanho conhecido que nos conduz entre as duas inexoráveis proparoxítonas (o útero e o túmulo).

O sentido não está na religião, na família, no trabalho, em uma guerra ou em uma luta por um mundo melhor, o sentido está onde eu puser e quando eu retirar, não existe mais. Veja pessoas que sofreram grandes perdas e depois disso dizem que a vida perdeu o sentido. Não. Ela nunca teve, ela é um vazio e o que se chama de sentido perdido é um sentido atribuído que como outros não são inerentes à vida, são nossos. E como senhor deles, podemos mudar, mover, retirar, ajustar ou mesmo desistir. E dizemos que a vida perdeu sentido. Não. A vida não perdeu… Ela nunca teve. Você, sim.

Dessa forma, o grande sentido dessa vida é encontrar, ressignificar, mudar sentidos para que o dia seguinte gere expectativa e não tédio, desalento e apatia. Quando vamos fazer uma grande viagem, ao deitarmos à noite, o sentido de tudo é aquela viagem e vivemos as etapas em função daquele momento que vai passar e pedir novos sentidos.

A vida ganha sentido quando entendemos que ela, por si só,  não tem nenhum e atribui-los é o X da questão. O X é sabermos que cada dia é uma grande viagem e se preparar e esperar sua chegada é o único sentido tangível.


domingo, 9 de maio de 2021

Permitir-se é um exercício de autocompaixão

As pessoas confundem a história de se permitir com se comprometer e, muitas vezes, diante de uma aquisição patrimonial, pensam "ah, eu trabalho, tanto, eu mereço" e acabam se encalacrando em dívidas. Permitir-se não é bem isso ou não só isso. Vamos, então, pegar essa lógica e aplicar a nossas emoções. 

Entendemos que sentir raiva, sentir mágoa, sentir ódio, sentir tristeza entre tantos "sentires" são ruins. E de fato, por muito tempo, são mesmo. Aprendemos que não devemos nos deixar invadir por esses sentimentos e devemos ser algo impassível diante dos fatos e imunes aos tais sentimentos negativos. Entretanto, buscar uma imunidade aos sentimentos negativos é procurar uma blindagem contra a nossa condição humana já que os sentimentos apresentados são dois lados da mesma moeda: ódio/amor, tristeza/alegria, mágoa/gratidão. 

Não há como ser imunes ou blindados a isso e nossa existência é o eterno pender entre os extremos em busca do equilíbrio. Contudo, buscando uma pseudo elevação espiritual momentânea somos condicionados ao fato de que devemos sentir amor, alegria e gratidão o tempo todo e jamais ódio, tristeza e mágoa em momento algum. Somos condicionados a negar nossa condição de seres imperfeitos e em primitivo desenvolvimento espiritual. 

Acho engraçado quando alguém fala "ah eu sou imperfeito" ou "eu tenho meus defeitos"... Uma constatação que, a meu ver, expressa uma falsa humildade já que enuncia o óbvio ululante. Sim. Eu sou humano. Ponto final.

É óbvio que não devemos deixar que sentimentos como ódio, mágoa, tristeza nos invadam e assumam o controle de nosso tempo e ações. Mas também, deixar que sejamos tomados de uma nuvem de amor, alegria e gratidão 100% do tempo nos criaria uma alienação em mundo que não é de amor, alegria e gratidão. Isso geraria em curto tempo um nível de frustração absurda porque o mundo não está nem aí para seu empenho e vai lhe dar o que ele quiser e não o mesmo que você deu. "Poxa, eu fui tão do bem, mas me trataram assim… ". É isso… acostume-se.

Ah, mas se todos mudarem de comportamento o mundo melhora. Sim... ideia óbvia. Agora só falta você convencer os outros 7 bilhões de pessoas no planeta a adotarem o seu projeto de paz e amor. Boa sorte na sua missão. Mas não vale se frustrar...

Por isso, se permita, mas não se contamine. É normal sentirmos raiva, tristeza, ódio, rancor durante algum tempo diante de situações da vida. São monstros que não têm como ser banidos da noite para o dia de nossa história. Temos sempre duas opções nesses cenários: deixá-los do lado de fora enquanto eles esmurram a porta ou deixá-los entrar para um café e vermos que não são tão assustadores quanto parecem quando esmurravam a porta lá fora. Terminado o café, nós os conduzimos até a porta e nos despedimos, porque ali, eles não podem morar.

Temos que ter compaixão com nós mesmos e anular o discurso acusatório de que não podemos sentir ódio, não podemos sentir raiva, não temos que estar tristes, não podemos desejar por uns instantes que alguém morra. Sim. Podemos. O que não podemos é deixar que esse sentimento se instale por longo prazo, ele está ali só para um café, só para nos darmos conta de nossa condição existencial e nos permitir ser humano com todas suas fraquezas e imperfeições.

Terminou o café, acompanhe até a porta e se despeça. Afinal, foi só um café.

E não se esqueça: ele vai voltar. Mas que seja sempre só para um café.

 

domingo, 2 de maio de 2021

Atualizando o conceito de perdão

Sofrer com o mal que nosso semelhante nos causa é inevitável e o pré-requisito para isso é estar vivo. Não precisa de nada além. E revertendo o fluxo das coisas, também somos capazes de causar o mal ao outro, mesmo que não intencionalmente. Afinal, não somos a alma pura que imaginamos ser.

Desse mal, brota o ressentimento e com ele a mágoa. Até aí, tudo bem e normal. Ninguém sofre com a maldade e abre um sorriso no rosto de gratidão para seu algoz ou ao menos, se põe indiferente ao fato que lhe ocorreu. Isso é humano. Mas onde reside o problema então? Primeiramente, no conceito de que chamo de inevitabilidade e irreversibilidade dos fatos; depois, no conceito dogmático de perdão. Bem vejamos…

Estar vivo é estar exposto às ações dos outros, isso é um fato. Sejam elas boas ou más, somos atingidos de alguma forma porque estamos no raio de ação existencial de outro. Uma ação pode ser direcionada para nós ou meramente sermos atingidos pelos efeitos colaterais dela. Isso é a inevitabilidade, não tem como se evitar. A irreversibilidade se refere ao fato de, ocorrido um evento na linha temporal de sua existência e passado esse evento, a capacidade de alterá-lo é inexistente. Os acontecimentos passados são irreversíveis. 

Sendo assim, estamos sujeitos a ações e efeitos colaterais dessas e não podemos fugir disso. Aceite como algo do mundo e aprenda a tratar a maneira como você lida com isso. O fato é inevitável e irreversível, mas a maneira como você lida com isso faz toda a diferença na sua vida. 

O segundo problema é a conceituação de perdão nascida na ideia cristã de "dar a outra face" que é entendida erroneamente como se expor para que o outro lhe faça o mal novamente, afinal o mal está nele e isso te faz superior e blá, blá, blá… Duvido que Cristo tenho querido dizer isso. Acredito mais no sentido que dar a outra face é não revidar, é fazer de outro jeito. Se me ofendeu, não vou te ofender, se matou alguém, não vou te matar também porque isso me iguala a você e não resolver o problema. Isso é uma tentativa de romper o tóxico ciclo do dente-por-dente-olho-por-olho

Perdoar não é esquecer, isso é amnésia. Perdoar não é soltar algo preso dentro de você, isso é laxante, perdoar não é aceitar o outro como nada tivesse acontecido depois que ele lhe fez muito mal, isso é burrice. Então, o que é perdoar?

Perdoar é entender que o mundo é como é e as pessoas são como são. Por mais que isso lhe incomode, você deve entender para seu bem que suas dores vêm do abismo que existe entre o que as pessoas são e o que você espera ou pensa que elas deveriam ser. A dor e a frustração não nasce nas coisas, mas no que esperávamos delas e não se concretizou. 

O perdão nasce na compreensão de que ser atingido pelas ações dos outros é algo inevitável, uma vez atingido, os eventos passados são irreversíveis. Bom, a partir daí, é você quem lida com os resíduos emocionais deixados. Podemos remoer as dores e ficar preso no tempo àquele momento de sofrimento, isso é nocivo, pois nos atrelamos ao imutável e dispensamos energia vital ou entendemos que viver é colecionar fantasmas. Isso é normal. Perdoar, em resumo, é minimizar os danos do irreversível. Viver é colecionar fantasmas, não tem jeito. Até as pessoas felizes nos posts do Instagram possuem seus monstros. Não se iluda. Eles ficarão sempre lá, em uma esquina escura. Se você ligar a luz do poste eles estarão lá. Se apagar, eles estarão lá também. O problema não são eles, mas a dimensão que você dá ao que eles um dia representaram em sua história. 

domingo, 25 de abril de 2021

Já fez sua higiene emocional hoje?

A gente acorda, lava o rosto, escova os dentes, penteia o cabelo, toma banho e lava as mãos todos os dias. Isso, de certa forma, garante-nos um corpo sempre limpo, higienizado e livre de doenças, ou pelo menos, com o risco reduzido de doenças já que, obviamente, nem todas elas são causadas por falta de cuidados higiênicos. E com as suas emoções? O que você adota como higiene diária? O descuido com essa higiene emocional também gera doenças, sabia?

Os gregos já preconizavam uma visão de um homem dual, composto por corpo e alma. Quanto ao corpo, é notória a necessidade de manter limpo e bem cuidado para a saúde ficar em dia. E quanto a alma? Quais são os hábitos de higiene que nos fazem mais saudáveis. O que vemos no dia a dia, são pessoas tóxicas e doentes, não do corpo, mas daquilo que não dá para lavar. O fato é que muita gente descuida do que o sabão não dá conta. 

Tive a oportunidade de compartilhar minha experiência pessoal em uma entrevista para a repórter Ana Lourenço, do jornal O Estado de São Paulo sobre meditação. Pratico diariamente esse exercício há mais de um ano e sinto os benefícios que me impactam diariamente. Foi durante a entrevista que usei o termo higiene emocional e me dei conta que incorporei isso no meu dia a dia como quem escova os dentes, toma banho, penteia o cabelo… 

Isso, obviamente, não nos isenta das tensões, pressões, infortúnios do dia a dia, nem nos garante uma postura sábia e resiliente com relação a TUDO, até porque tudo é muita coisa. Meditação não é um título garantidor da elevação espiritual mesmo. Entretanto, ela é capaz de nos imergir numa lucidez de nossas emoções que nos dá tranquilidade para encarar, pensar e agir de forma consciente. Sem sermos dominados pela paixões e contextos que nos levam a ser precipitados, afobados e imprecisos nas situações diárias. Sinto que estou em um caminho longo, mas que a prática diária já me traz benefícios imensos na minha maneira de lidar com o mundo. 

Pois é isso que chamo de minha higiene emocional diária: tirar um momento para olhar para dentro de mim e, no silêncio e fluxo dos meus pensamentos, tentar entender o que sinto, o que quero e atenuar os monstros que vivem dentro de nós. Até porque, matá-los não dá, eles são parte da gente e do que nos trouxe até aqui.

Eu mantenho um horário, no final da noite, 30 min. para prestar atenção ao fluxo da minha respiração e nesse exercício, mergulhar no cenário dos meus pensamentos que passam como uma tela de um smartphone que eu arrasto para o lado sem deixar ninguém criar raiz por ali. Meditar é isso.. Não é não pensar em nada (isso é impossível), é olhar para os pensamentos de forma lúcida dando a cada um o tamanho de não mais que uns segundos.

Dentro da minha higiene emocional encontrei algumas reflexões que ajudam a manter a alma mais leve e compartilho-as com vocês:

  1. As pessoas são o que são. Aprenda lidar com isso. O seu sofrimento decorre das suas expectativas criadas sobre o que você esperava que elas fossem e não do que elas são;
  2. Seus monstros são parte de você. Não adianta rechaçar ou querer esquecer. Isso não vai acontecer. Aprenda a lidar com eles e verá que não são os Godzillas que imagina. Não dê para eles o tamanho que não têm.
  3. A dor é algo do mundo, você não tem controle sobre isso. O sofrimento é seu, você escolhe a dimensão que vai dar a ele.
  4. Não aja em função das pessoas, aja em função do ético, do justo e do correto e saiba que isso é positivo para você. Entretanto, saiba que as pessoas vão formar uma opinião sobre você que elas quiserem e você não tem controle disso. 
  5. Perdoar não é esquecer. Isso é amnésia. Perdoar é excluir a relevância do mal que te fizeram, mas manter a distância da fonte causadora desse mal. Se proteger é um dever seu.
  6. Culpa é um sentimento pouco útil e ineficiente. Os fatos que nos ocorrem na vida devem ser entendidos como um conjunto de evento sobre os quais temos algum nível de responsabilidade nossa. 
  7. Pensar sobre o que deveríamos ter falado é uma das energias mais inúteis. Depois que lançamos a pedra, não podemos mais reverter o processo.
  8. Não barganhe com o universo. Seja bom e justo, mas não espere que ele vai te dar o mesmo de volta. Ele vai te dar o que ele quiser.... o universo não aceita barganha.

Olhar para dentro de si, tirar um momento para isso é essencial para ver com clareza o que sentimos, para entender pessoas e modular o quanto sentimos já que "o que sentimos" é inevitável. E isso a gente só aprende com a prática, a prática da higiene emocional, que eu costumo chamar de atenção plena, mindfulness ou simplesmente meditação.

Ah, sim.. você não tem tempo para isso.

Certo, então, deixe os dentes apodrecerem….  

 

domingo, 18 de abril de 2021

Quem e não o que se diz incomoda, eis o problema

O mundo não possui uma essência, nós é que  atribuímos às coisas uma essência que surge das nossas experiências pessoais e do meio em que vivemos e podemos entender isso como a explicação por que as pessoas se incomodam com o que uns dizem e a mesma fala vinda de outro não causa desconforto algum.

Venho pensando nisso há algum tempo. Primeiramente, considerei hipocrisia, o que se mostrou uma leitura muito superficial das coisas. Quando mergulhei no entendimento da radicalização das ideias comecei a perceber uma coisa: esse processo decorre de se assumir que uma ideologia é 100% digna de ser aderida (o que não é verdade com nenhuma delas no planeta até). A partir dali, o indivíduo passa a "vestir uma roupa" e construir um mundo que se adeque a sua roupa/ideologia. Todos que vestem a mesma roupa são dignos de seu mundo e a eles tudo é lícito porque são representantes do bem e do belo.

Dessa forma, se eles falam uma besteira (um comentário machista ou mesmo racista) há um silêncio de seu grupo. Não há repreensão e, logo, vêm as justificativas de que não se trata disso porque foi colocado fora do contexto, porque as pessoas entenderam errado, porque quem o crítica está fazendo um ataque pessoal… enfim, aos que vestem a mesma roupa que eu, tudo é lícito, uma vez que tudo é justificável pelo contexto, possível distorção ou má fé de quem ouve. 

Entretanto, aquele que não veste a mesma roupa é um inimigo em potencial ao bem e ao belo e contra ele tudo é permitido. Os nazistas pensavam isso com relação aos judeus. Nesse caso, se o cara disse Bom dia, isso é visto como uma alienação contra aqueles que não tem um bom dia, e que vivem assim, assado… "dar bom dia" é um ato opressor e excludente dos que sofrem com um dia ruim. Bom, não chegamos a esse ponto… ainda. Mas estamos caminhando a passos largos.

A questão é que há muito tempo "o que" se diz perdeu a relevância para o "quem diz". Isso gera uma leitura distorcida e partidária do mundo modulando o conceito de certo de pessoa para pessoa de acordo com sua aderência a uma ideologia.

Esse texto nasceu de uma postagem no facebook em que uma pessoa colocou a foto da menina Greta, aquela que o Bolsonaro chamou de pirralha e um mensagem dizendo: Com essa crise toda no mundo (uma crise de gestão também), cadê a menina dizendo que roubaram seu futuro? Logo, alguém postou que era uma exposição desnecessária da menina esquecendo que ela já foi extremamente exposta pelos grupos de interesse politico-partidário anteriomente. Isso ilustra bem a ideia de que não importa o que é feito, mas quem o faz. Agora, era uma exposição desnecessária, antes um ato na luta com a opressão, ainda que fossem o mesmo ato de exposição. Tempos atrás, um famoso ator cuspiu em uma mulher no aeroporto em uma discussão. Ninguém de sua aderência ideológica viu nisso agressão, misogenia ou machismo. Ou se viu optou por não vir as redes sociais pedindo o cancelamento dele…. Afinal, foi um momento de fúria e descontrole que a ele é permitido. Mas e se não fosse ele, mas alguém que diverge ideologicamente dele, que veste outra roupa. Seria assim a interpretação?

Os inteligentinhos de plantão defensores dos transgressores do bem diriam: Não, mas aí é completamente diferente. Sim, sempre é. Eu sei .. Sempre é completamente diferente quando a leitura dos fatos não atende aos nossos propósitos. Somos humanos e é assim que funciona.

Enfim, não há uma essência no mundo, nós a atribuímos às coisas e aos fatos. Por isso, o que opera como desrespeito, aos olhos de outro, pode ser atribuída uma essência bela e nobre por outro. Assim, criamos os escravos das ideologias que seguem cada vez mais enxergando somente a cor que lhes convém, entendo o mundo que reforça o que querem acreditar.

Ainda que os fatos sejam um espelho invertido de sua realidade.


domingo, 11 de abril de 2021

Nosso cérebro é nosso maior cúmplice

Temos na gente nosso maior cúmplice e acusador, nosso cérebro. Quando algo desagradável nos acontece, de imediato, ele vai achar um culpado que, normalmente, tende a não ser você. Outro dia, percebi o quanto, por mais que eu embarque em uma viagem de autoconhecimento há um bom tempo com meditação, leituras e discussões, ele ainda está tão forte e "palpiteiro". Acho que a diferença é que agora eu o "vejo", ouço e reconheço sua voz.

Peguei um pote, a tampa soltou. Ele logo me falou: poxa, fulana tinha que deixar solta a tampa? A culpada é fulana que deixou a tampa solta. Se a tampa estivesse fechada e se soltasse, ele diria: poxa quem fabrica um pote cuja tampa abre tão facilmente? Se a tampa não estivesse com esse "probleminha", ele completaria: se eu não tivesse que fazer tudo com pressa agora.. Enfim, o resultado final é o mesmo: açúcar espalhado sobre a mesa. Mas o responsável nunca somos nós que pegamos o pote e o removemos de sua inércia, é sempre o outro que deixou a tampa frouxa, o fabricante, a pressa que nos impuseram… E esquecemos que, se tivéssemos feito tudo com atenção e foco ao que estávamos fazendo, reduziríamos os danos ou mesmo não haveria dano. Nós fomos o gatilho do evento e abafamos isso focando em dividir a culpa com outros. Fica menos pesado assim.

Isso acontece por duas razões: primeiramente, temos dificuldade em assumir que somos, de uma forma ou de outra, responsáveis (como gatilhos) pelos eventos que são disparados e nos atingem. Enfim, fizemos algo que nos colocou na trajetória dos eventos. Não é o conceito de culpa (acho inócuo esse conceito em grande parte dos eventos), é ser parte do processo, obviamente sem intenção muitas vezes, mas cruzamos as trajetórias com alguma decisão. Buscamos corresponsáveis para alimentar nosso desejo de ser paciente e não agente de histórias com final trágico. Em segundo, lugar, nosso corpo ocupa um tempo no espaço e nossa cabeça outro. Normalmente, esta está à frente daquele. Fazemos as coisas pensando no que vamos fazer ou no que fizemos, ou no que deveríamos ter feito em um evento e não fizemos. Pensar o que deveríamos ter dito e não dissemos em uma discussão é uma das coisas mais inúteis que podemos fazer. Um desperdício de energia vital irreversível.

A melhor conduta para assumir o estágio consciente da sua existência é entender que, de uma forma ou de outra, você, em algum momento, é responsável por uma decisão que lhe coloca em trajetória de colisão com um evento. Nesse momento, você está tomando decisões conscientes ou inconscientes que estão lhe colocando nessa trajetória. E quanto a isso há duas verdades irrefutáveis: não tem como fugir das escolhas, não tem como fugir dos resultados. Até não escolher é uma escolha que gera resultados. Inevitável. Aprenda a lidar com isso.

Povoar a mente de pensamentos de ações passadas que não foram feitas e ações futuras que ainda não foram feitas vai gerar um desgaste imenso para encontrar os responsáveis pelos infortúnios do presente. A melhor ancora existencial que há é o presente. É importante planejar, sonhar, se preparar, mas ter em plena consciência que o resultado disso não existe (ainda) e, apesar de tudo que você vier a fazer, talvez possa nunca existir. 

O que existe, na verdade, é o momento em que você abre o pote. O resto não paga o açúcar derramado que precisa ser limpado da mesa. 


domingo, 4 de abril de 2021

Não estamos no comando de quase nada

Isso para não dizer de nada mesmo e arruinar suas esperanças de uma vez. Estar vivo é não estar no comando de quase nada. Planejar não faz o menor sentido então? A resposta para isso é SIM e NÃO. Nós planejamos para saber onde mudar, mas planejar esperando que todo o universo conspire a seu favor é alimentar a frustração eterna em uma relação de troca que não existe. Você pode planejar tudo perfeitamente, mas um contratempo que acontecerá 1 minuto após ler esse texto mudar tudo. Aliás, mudar toda a sua vida.

Pronto. Joguei um balde de água fria em toda sua expectativa que os livros de autoajuda conspiraram para formar durante décadas em você como essa de um universo que conspira a nosso favor. Não. O universo não tem um acordo com você. 

Temos aqui o conceito de carma que precisa ser um pouco ajustado não para uma ideia de quem promove uma boa ação gera uma boa ação ou que uma má ação gere resultados nocivos para si. O que ocorre é que o fluxo das coisas no universo segue uma trajetória com vários fatores interveniente que não controlamos. É claro que uma boa ação, uma conduta honrada e digna lhe coloca numa trajetória em que as possibilidades de algo dar muito errado é bem reduzida, mas, lembre-se, isso não o torna jamais imune ao infortúnio. Afinal, ele atinge o ímpio e o justo, não é? O universo não barganha. Entenda sempre isso

Planeje e trace caminhos dignos, mas não espere receber o cordão da imunidade que lhe livrará de todos os males. Não. Não é assim que banda toca e entender isso é assumir que o bem que fazemos ou os planos que traçamos são nossos e não do universo. Quase 100% das boas ações e dos planos que fazemos ocorrem dentro da gente e não fora. E não queira que o mundo faça parte dos seus projetos, uma vez que, por mais que compartilhe com os outros, eles são, no fundo, só seus.

Somos só um humano vivendo dentro de um corpo humano em um universo com mais 7 bilhões de pessoas vivendo dentro de só um corpo humano cada um. Entendeu? Viu como é complicado se todo mundo tiver que ser cooptado pelos projetos alheios. Eu sei... É claro que existem projetos coletivos, mas por trás de todos os projetos coletivos há projetos individuais de existência. E isso não é ruim... isso é humano.

Dessa forma, planejar é uma maneira de gerir a sua existência com uma sensação mais segura (que não pode ser dispensada) de que algo segue sob controle, pois, o sentimento de estar feito pipa ao vento retira-nos a segurança e estabilidade emocional tornando-nos escravos do contexto (ainda vou falar sobre isso aqui). A zona de conforto é o nosso lugar de sonho. Apesar do discurso coach motivacional de que temos que sair da zona de conforto. A verdade é que praticamente ninguém quer largar seu emprego que o remunera justamente e lhe dá segurança para vender artesanato na rua… sem saber se o dinheiro que ganhou hoje paga o almoço de amanhã ou o lugar para dormir. O desconforto existencial, a incerteza absoluta (afinal tudo é de certa forma incerto) causam um desgaste absurdo no ser humano e reduzem a qualidade de vida. Pode ser romântico o largar tudo... mas são pouquíssimos que querem e menos ainda os que conseguem isso.

É claro que há exceções. Sim, elas existem. Mas de quantos estamos falando em 7 bilhões de pessoas? Convenhamos que essas exceções nem de longe configuram um mínimo padrão humano. O fato é que buscamos um certo controle de que nos próximos tempos teremos o que comer, onde dormir, onde ser tratado caso fiquemos doente, enfim, buscamos a zona de conforto para os próximos tempos mesmo sem saber se teremos os próximos tempos. Afinal não estamos no controle de quase nada… Lembra?

O que nos resta então? 

Resta localizarmo-nos no tempo em que estamos. No tempo da respiração, no tempo do batimento cardíaco, na pausa momentânea em que percebemos que estamos vivo. Coisa rara para a maioria das pessoas. Nesse momento, planejamos, desenhamos, avaliamos, mas depois de dada essa concessão, retornamos ao presente que, no final das contas, é a única coisa palpável que temos. Muitas pessoas vivem tanto no futuro que sofrem por coisas que talvez nunca venham a viver. Sofrem por um mundo que talvez nunca exista ou mesmo que nunca exista daquela forma.

Temos para nós, na verdade, um presente efêmero, quase imperceptível, fugaz, mas que verdadeiramente, é a única coisa que a vida nos permite acessar. Então... respire.

domingo, 28 de março de 2021

Escravos de nossas escolhas

O fato é que o caminho que nossa vida toma seja ele bem feliz ou uma desventura absoluta é resultado de nossas escolhas. (imagino que seja duro ler isso quando nessa altura da vida já encontramos todos os culpados que precisávamos para nos isentar de responsabilidade). É claro que, diferente do que querem alguns resumir a condição do homem ao meio em que ele cresceu e as regras da sociedade em que vive, uma reedição infantil do determinismo, somos sim, resultados de nossas escolhas e onde estamos é o resultado de um monte de caminhos que optamos.

O que, de forma alguma, descarta que as escolhas foram movidas por interferências do meio, do momento, de nossa criação, das pressões sociais, sim. Mas nossa história não deixa de ser resultante de uma escolha nossa. Dizer que não temos escolha é uma das maiores falácias do reducionismo comportamental. O que não estamos dispostos é bancar a opção preterida por inúmeros motivos, dano maior, desgaste, desinteresse, imediatismo etc.

Acontece que uma escolha cria cenários e momentos que acabam influenciando (eu disse influenciando e não determinando) nas outras escolhas que se seguem. Lembra da série Breaking Bad? Quem assistiu vai lembrar. As escolhas de Walter White começam a se interligar em contexto e relações. Em um momento, quando se espera que ele vá fazer um discurso de vitimismo do tipo fui impelido pelas circunstâncias, sou uma vítima do sistema, fiz isso porque envolvido em representações sociais que me impeliram a blá, blá, blá… Ele olha nos olhos de sua mulher e diz: sabe por que fiz isso? Por que eu quis. A seguir, ele explica porque ele quis.. item por item.

Mas aí é que está o nível de dignidade e lucidez do personagem. Ele assume as rédeas de sua história e diz: estou nesse lugar porque ele é o resultado de minhas escolhas que, por conseguinte, são o resultado do meu livre arbítrio. Ele poderia ter dito, eu fiz isso porque me sentia diminuído, fracassado, porque tinha câncer, porque queria dar uma vida de fartura a minha família… Mas não. Eu fiz isso porque eu quis. Eu fiz por mim. Assumir um certo egoísmo e a responsabilidade é de uma dignidade e hombridade quase divinas e extremamente raras.

É exatamente isso. Isso é assumir-se por completo e dizer que o seu destino (bom ou mal) é de alguma forma diretamente um resultado das suas escolhas. Onde você está é parte do caminho que você traçou até aí. Quem te traiu, te roubou, te prejudicou, tentou te destruir era parte desse caminho. Tem a cota de responsabilidade deles e você se tivesse escolhido outro caminho haveria outras pedras, não essas, mas outras. Não há caminhos sem pedras.

Todos travam uma batalha pessoal e, independente do caminho, haverá momentos de escolha e as escolhas nos direcionarão a um conjunto de escolhas em uma cadeia infinita que pode ser quebrada, mas obviamente não é simples. Nunca é fácil essa ruptura nem resolve o problema das pedras no caminho e em outras escolhas. Não existe saída desse Samsara, esse ciclo de morte, renascimento… e escolhas.

Sem receita de bolo, sem soluções mágicas, somente com a percepção de que não há como fazer dar certo, porque não existe o certo nesse caso. Há caminhos e encará-los como eles são e nos assumirmos como responsáveis por estarmos ali é a maneira mais saudável de doer menos. Sim. Sempre vai doer, a dor pertence ao mundo, mas nem sempre vai ser sofrido, porque isso já pertence a você. Doer vai, sofrer é você quem escolhe.


***

Hesitei em escrever esse texto porque de certa forma soa acintoso contra tudo aquilo que encontramos na nossa vida para colocar culpa e atribuir nossos fracassos. Inclusive os meus fracassos e os meus culpados devidamente eleitos e embasados em uma lógica impecável e pessoal.


domingo, 21 de março de 2021

O que te ofende de fato?

Existem, no mínimo, 3 EUs na gente que precisam afinar sua convivência: quem eu sou, quem eu penso que sou e quem as pessoas pensam que eu sou

Hoje, as pessoas alimentam as redes sociais com um marketing contínuo para fazer com que o terceiro EU adquira força, o quem pensam que sou. Esse EU é politicamente correto, socialmente engajado, sensível e que tem uma vida no instagram abençoda por Deus… O fato é que, atualmente, há uma conduta obsessiva em vender quem nós queremos que os outros pensem que somos. Isso não é uma crítica, é uma constatação. Afinal cada um sabe de si, cada um sabe onde o sapato aperta.

Mas tudo isso nasce no que pensamos que somos. Na verdade, a imagem que temos do que pensamos que somos. Não. Não somos necessariamente aquilo que queremos que os outros pensam que somos, aquilo é o marketing. Quando estamos conosco, normalmente, o dia todo, nos conhecemos além das postagens. Nas coisinhas do dia a dia, nos nossos atos, nossas decisões, nossas palavras nos mostram parte do que somos e parte do que pensamos que somos. Muitas vezes, violentamo-nos em nossas decisões para agradar os outros… É isso. Aquele ali é o que pensamos que somos. Não somos aquilo.. Aquilo é um misto do que pensamos e do que queremos que alimente aquilo que os outros pensam sobre nós.

No primeiro caso, pagamos um preço por viver um personagem para alimentar um EU fake para nós mesmos e em segundo perdemos a dimensão de que agindo nesse intuito não temos necessariamente o resultado que esperamos. Podemos nos "violentar" 99 vezes para alimentar nosso marketing, mas se falharmos (não atendermos a expectativa do outro) 1 vez, seremos julgados pela falha não pelo conjunto da obra. Diga 99 sim, mas não esqueça que o pode definir seu julgamento pelo outro será um Não que disse.

Costumo dizer que as pessoas só precisam de uma coisa para que você seja odiado, que você exista. Logo, não deixe que o que você pensa que é nem o que deseja que os outros pensem assumam o comando das decisões que movem sua vida. 

E lá no fundo da gaveta, está o EU que você é. Humano, demasiadamente humano que age de acordo com seus interesses, movido por seus anseios (muitas vezes causando repulsa e repreensão dos outros EUs)... Esse EU nada tem a ver com o conceito freudiano de ID. É só um EU legítimo, porém sociável, mas cheio de defeitos, que te critica, que te ofende, que deprime, que o faz se sentir ora fracassado, ora um Deus… Esse Eu é o seu maior amigo e o maior cruel inimigo... esse eu é você mesmo. 

A dor que temos quando nos ofendem chamando de inconsequente, irresponsável, limitado, desonesto, provém muito mais do arranhão que causam nos outros dois EUs do que nesse terceiro, que chamaremos de o EU de FATO. Esse, ouve, ignora quando é mentira ou se cala quando é verdade como se alguém lhe anunciasse o óbvio. A ofensa só reverbera quando ameaça os EUs que vendemos aos outros, inclusive a nós mesmos porque temos medo que mais pessoas (inclusive nós) se convençam daquilo com que nos atacam e desconstruam o que construímos todos os dias com atitudes que contradizem nossos desejos ou com toneladas de fotos nas redes sociais. Anos e anos e trabalho montando um outdoor do que queremos que vejam… Aí vem a indignação com a ofensa e muitas vezes gastamos tempo de vida contra-argumentando com uma pessoa que sabemos não ter o menor controle do que ela  (nem ninguém) pensa sobre nós… podemos falar dias e dias que, se ele não quiser acreditar, vai continuar na mesma. E nós? Bem… Nós perdemos tempo de vida com absolutamente nada e para nada… porque, muitas vezes, sabemos (lá no fundo) que ficamos procurando argumentos para demonstrar o que sabemos não ser verdade mesmo.

O EU de FATO não se ofende nunca porque ele sabe realmente quem somos e que as críticas se dividem entre o óbvio e a calúnia. Ambos inócuos no papel de construir o que de fato ele é.  

A grande busca consiste em encontrar esse EU de FATO, sentar com ele e o assumir com todos os defeitos e qualidade que ele tem, ouvir o que tem a dizer e se aceitar como um ser cheio de imperfeições e que realmente não possui controle sobre o que vão pensar de si independente de o que quer que se faça. 

A grande viagem nossa se dá para dentro de nós. Que se torne um hábito sentar para tomar um café com nosso EU de FATO e entender um pouquinho mais desse que mora dentro de nós e nos faz humano.. demasiadamente humano. Menos escravos do pensar alheio, mais íntegros e verdadeiros.

 

domingo, 14 de março de 2021

Uma desculpa para chamar de sua

Outro dia, quando estacionei o carro na rua, um rapaz todo arrumadinho se aproximou com um isopor cheio de bombons e disse: bom dia, o senhor quer comprar um bombom que eu faço. Pode provar um, se não gostar não paga. Normalmente, na pressa e correria que vou à rua, digo "não, obrigado. Estou sem trocado." E, normalmente, estou mesmo porque pago tudo com cartão e ando com muito pouco dinheiro em espécie. Mas nesse, por alguma razão, tinha dinheiro em mãos e comprei 3 por 5 reais. Ele agradeceu e se foi para o próximo cliente em potencial.

Por uns instantes, viajei na ideia de que aquele bombom na minha mão era o símbolo da ruptura da inércia de uma pessoa. A verdade é que 99% das pessoas, diante de uma situação financeira precária se preocupa mais em arrumar uma desculpa do que uma solução. Obviamente, uma desculpa que as coloque como vítimas, uma vez que ser vítima é a posição mais cômoda em que se pode estar. Ou seja, tudo que acontece de ruim comigo é culpa dos outros, afinal, como dizia Sartre "o inferno são os outros". 

O fato é que aquele rapaz, um dia, aprendeu a fazer bombom, comprou os ingredientes, fez de véspera, colocou na geladeira… No dia seguinte, colocou no isopor frio, se arrumou e passou o dia oferecendo, oferecendo, oferecendo... Ouvindo não, sim, eventualmente, alguma indelicadeza. E na sua bolsa, muitas vezes mais cheias de não do que de sim, volta para casa o dinheiro que o mantém, paga suas contas e preserva sua dignidade. 

O problema é que a maioria das pessoas sonha com a maldita desculpa e, nisso, culpa o governo, a economia, a pandemia, o mercado local, a falta de sorte, a impossibilidade pessoal, algum parente que deveria ajudar porque está em melhor situação, culpa o clima, o passado…. Enfim, culpa tudo para justificar porque não rompe sua inércia.

Em casa, comi o bombom e pensava nisso. Aquele cara conseguiu romper as correntes que mantém milhões de pessoas presas na caverna do vitimismo. Ele se tornou protagonista da sua própria vida. Fala-se tanto em empoderamento atualmente, mas são muito poucas as pessoas que conseguem se empoderar do próprio destino… Preferem seguir de pipa voada botando culpa no vento de onde caem.

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Sim. O bombom era muito gostoso.

domingo, 7 de março de 2021

A medida de felicidade de cada um

Aprendi que a medida da nossa felicidade é inversamente proporcional ao tanto de "coisas" que precisamos para ser feliz. Às vezes, eu via uma pessoa que tinha uma situação muito mais complicada do que a minha financeiramente, vivia uma instabilidade constante e resumia sua vida a um final de semana tomando cerveja e ouvindo pagode com uns amigos no bar.

A primeira sensação que eu tinha era me perguntar como é que uma pessoa pode colocar a cabeça no travesseiro e saber que amanhã pode não ter recursos mínimos para comer, morar, viver e que sua vida é demarcada pelo final de semana com a cervejinha e o bar. Eu logo pensava que era um alienado, um inconsequente… mas vi que não era bem assim.

Aos poucos comecei a entender que eu incorria em dois grandes erros: medir o mundo por mim e, segundo, achar que o futuro dele era mais incerto que o meu só porque tenho uma provisão financeira, um equilíbrio que me garante moradia, bens, confortos que o dinheiro dá nos dias que se seguiam. Eu só não conseguia garantir é que eu teria mais dias seguintes do que ele. E aí é que são elas… nos igualávamos em uma coisa: de certo, só temos o momento em que estamos.

Medir o mundo por si é um equívoco comum. Pensar que fulano não é feliz porque mora de aluguel é partir do princípio que sua felicidade está atrelada ao fato de ter uma casa. Mas uma casa é uma coisa que não está em você, está fora. Logo, você está vinculando que só será feliz se algo que está fora de você acontecer. Só que felicidade é algo que acontece dentro da gente e não fora. Podemos ter a casa e seguirmos infeliz, podemos não ter a casa e seguir infeliz… Entendeu? Ter a casa, pode ter dar um tempo de satisfação, mas isso nunca deve ser considerado felicidade.

Felicidade é um conceito que só faz sentido se entendermos como algo tangível ao momento em que vivemos. Se for sempre a cenoura do cavalo amarrada na frente dele, pode ser tudo, menos felicidade e vai ser o fator desencadeador de uma ansiedade constante que impede de ver qualquer momento sutil de real felicidade.

O segundo equívoco é imaginar que temos mais tempo do que o outro para usufruir de tudo que planejamos hoje. Eu disse em outro texto que a vida é uma viagem sem plano de voo, no escuro e a gente não sabe quanto combustível tem nesse avião. Bem, é isso mesmo. Achar que seremos beneficiados pelo fruto de nossa trabalho e planejamento é uma ilusão. 

Isso não é uma ode a viver de forma inconsequente, muito pelo contrário. É um convite a se planejar, trabalhar, mas não esperar demais. Toda vez que esperamos demais geramos um nível de ansiedade que consome nosso instante e tiramos exatamente a felicidade do instante. Passamos por coisas boas e que podem nos fazer felizes naquele instante sem nos darmos conta, cegos pela ansiedade do que esperamos que, possivelmente, nunca vai chegar. 

Aprender a viver o momento é um exercício diário. Como sugestão, fica um exercício: pare, feche os olhos, preste atenção a cada respiração sem se obrigar a nada. Deixe os pensamentos vagarem, quando vier um deixe passar. Não rechace, não expulse, deixe passar e volte para a respiração. Faça isso até perceber o coração batendo. Não precisa ficar muito tempo assim.. só o suficiente para perceber o momento. 

Que, no final das contas, é  única coisa que você tem mesmo.

De verdade


domingo, 28 de fevereiro de 2021

Acumuladores de coisas, de histórias e de si mesmo

Existe um grande embate quando falamos em lidar com pessoas acumuladoras. Eles são chamados de loucos, sem noção, materialistas, enfim, batem pesado naqueles que têm dificuldade de se desfazer de objetos adquiridos. Mas antes de qualquer coisa, é importante entender o que é um acumulador, porque ele acumula e como ajudar a pessoa que sofre desse distúrbio. Sim.. é um distúrbio comportamental.

De uma forma ou de outra, acumulador, todos somos um pouco. Guardamos fotos, objetos etc porque coisas são mais do que coisas, são narrativas e, nós, humanos somos feitos de carne, osso e narrativas. Somos todos uma história contada a partir de diversas histórias. Os objetos entram na nossa vida junto com histórias que os trouxeram até nós. A história de cada um deles se agrega a nossa fazendo a grande narrativa que nós somos. O problema é quando não percebemos mais o que é história, o que é objeto, o que somos nós... 

Quando o foco da vida sai do presente e se ancora no que vivemos, objetos e narrativas se integram na mesma coisa, que somos nós. Desfazer-se de um objeto é desfazer-se de uma história que é parte do que você é. É como se fosse abrir mão de um pedaço de si mesmo, um dedo, um braço… e deixar de ser alguém inteiro fisicamente. No caso, psicologicamente. O acumulador vê  a perda do objeto como uma amputação. E acreditem, dói nele.

Primeiro, é importante entender que as pessoas são o que são e lidar com elas é único caminho da convivência saudável. É muito provável que um acumulador de verdade não mude nunca diante do drama psicológico de não conseguir dissociar o que é ele dos objetos. Você não vai conseguir dissociá-lo da história que ele construiu, mas conseguirá fazer com que a partir do momento em que você entrou na vida da pessoa, o que existe de relevante não está nas coisas adquiridas, mas nas histórias vividas e que, mesmo que a coisa se vá, as histórias ficam.

Isso costuma funcionar? Não. Mas vale tentar. Não existe receita de bolo para lidar com as pessoas. As pessoas são o que são e nossa grande frustração pode ser a eterna luta entre isso e o que queríamos que elas fossem. Por mais que sejam boas as nossas intenções, a vida é um eterno aceitar o real (e lidar com ele) ou sofrer com o ideal (e frustrar-se). 

Ficou frustado em chegar até aqui e ver que não dei uma receita de bolo para lidar com o acumulador? Pois é… Viver é assim, não existe manual, seguimos em um voo cego, sem plano de voo num avião que não sabemos quanto de combustível ainda tem.