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domingo, 20 de junho de 2021

Entre o útero e o túmulo

Costumo dizer que a vida é um trajeto sinuoso (e tortuoso) entre duas proparoxítonas: o útero e o túmulo. Também comparo a uma viagem de avião que sabemos como termina, mas não sabemos onde vai haver escala ou conexão e, só reconhecemos que há um voo que é medido pelo combustível que temos na aeronave e, de verdade, não fazemos ideia de quanta gasolina ainda há. É isso…

Sem manuais de instrução, você vai seguindo viagem e aprendendo a pilotar a aeronave enquanto ela voa. O fato é que quanto mais pilotamos, mais entendemos sobre ela. É claro que sempre será insuficiente para compreender a complexidade disso tudo. E claro também que é um conhecimento muito pessoal e quase intransferível, mas ainda assim, na véspera de completar 50 anos, resolvi compartilhar algumas observações. Vão ajudar a tornar viagens mais fáceis…. creio que não. Mas é mais a catarse mesmo de um homem que hoje está mais perto da proparoxítona final.

1. Não barganhe com a vida. De forma macro, as coisas vão acontecer em um fluxo alheio a sua vontade. Pessoas boas morrem de câncer, canalhas vivem até 100 anos, pessoas boas passam na miséria, canalhas vivem na fartura.. isso vai acontecer. É assim. A lei do retorno beira uma farsa que criamos para nos consolar quando nos ferramos na mão de alguém. Não é assim que a banda toca.

2. O maior beneficiado da sua boa conduta é você mesmo. Não vai haver troféu no fim da corrida ou pódio de chegada e beijo de namorada. Você já ganhou seu prêmio agindo assim e deixando de ser mais um fdp em um mundo com tantos.

3. Amar não é fazer com que o outro tenha uma vida sem dores ou sofrimento. Tipo o pequeno Príncipe colocando uma cúpula em volta da rosa. Isso é frustrante e impossível. Amar mesmo é respeitar o caminho de cada um e, no final, auxiliar se as coisas derem errado sem dizer o "viu, eu te disse" 

4. Se você fez algo por alguém para jogar na cara depois seria melhor não ter feito. Se você pretende jogar na cara algo que fez para obter algum benefício do outro, não faça. Isso é desonesto. Você sabe que está vendendo afeto/atenção. Só o outro é que, às vezes, não sabe que está comprando. 

5. As pessoas são o que elas são. O grande desafio é saber o que elas são. Você vai passar uma vida nessa leitura e, quando entender uma parte, elas mudam e você retorna ao ponto quase zero. É frustrante, mas é assim que rola.

6. Não nutra grandes expectativas com relação aos outros. É melhor receber mãos cheias quando esperávamos vazias do que vazias quando esperávamos cheias. Mas, nunca se esqueça, leve as suas mãos sempre cheias. A essência do outro não pode corromper a sua.

7. Todo mundo é capaz de tudo. O que as pessoas vão avaliar é a relação custo benefício e o momento. O que lidamos é com a relação do TUDO é possível, mas nem tudo é provável... pelo menos não naquele momento, não naquele contexto.  

8. As pessoas não conseguem, no geral, enxergar muito além do que gira em torno de seus interesses pessoais. É assim mesmo. Não cabe julgamento aqui. O exercício de ver além do que nos convém (e interessa) é o trabalho de uma vida. E aprendemos isso em doses homeopáticas.

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Proparoxítonas são chamadas de palavras esdrúxulas e nada mais caprichoso da vida do que se colocar a vida entre as duas. Faz a gente pensar.

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Se gostou do texto, compartilhe. É sempre bom descobrir pessoas que param para pensar um pouco mais sobre essa loucura que é estar vivo no mundo atual.

domingo, 11 de abril de 2021

Nosso cérebro é nosso maior cúmplice

Temos na gente nosso maior cúmplice e acusador, nosso cérebro. Quando algo desagradável nos acontece, de imediato, ele vai achar um culpado que, normalmente, tende a não ser você. Outro dia, percebi o quanto, por mais que eu embarque em uma viagem de autoconhecimento há um bom tempo com meditação, leituras e discussões, ele ainda está tão forte e "palpiteiro". Acho que a diferença é que agora eu o "vejo", ouço e reconheço sua voz.

Peguei um pote, a tampa soltou. Ele logo me falou: poxa, fulana tinha que deixar solta a tampa? A culpada é fulana que deixou a tampa solta. Se a tampa estivesse fechada e se soltasse, ele diria: poxa quem fabrica um pote cuja tampa abre tão facilmente? Se a tampa não estivesse com esse "probleminha", ele completaria: se eu não tivesse que fazer tudo com pressa agora.. Enfim, o resultado final é o mesmo: açúcar espalhado sobre a mesa. Mas o responsável nunca somos nós que pegamos o pote e o removemos de sua inércia, é sempre o outro que deixou a tampa frouxa, o fabricante, a pressa que nos impuseram… E esquecemos que, se tivéssemos feito tudo com atenção e foco ao que estávamos fazendo, reduziríamos os danos ou mesmo não haveria dano. Nós fomos o gatilho do evento e abafamos isso focando em dividir a culpa com outros. Fica menos pesado assim.

Isso acontece por duas razões: primeiramente, temos dificuldade em assumir que somos, de uma forma ou de outra, responsáveis (como gatilhos) pelos eventos que são disparados e nos atingem. Enfim, fizemos algo que nos colocou na trajetória dos eventos. Não é o conceito de culpa (acho inócuo esse conceito em grande parte dos eventos), é ser parte do processo, obviamente sem intenção muitas vezes, mas cruzamos as trajetórias com alguma decisão. Buscamos corresponsáveis para alimentar nosso desejo de ser paciente e não agente de histórias com final trágico. Em segundo, lugar, nosso corpo ocupa um tempo no espaço e nossa cabeça outro. Normalmente, esta está à frente daquele. Fazemos as coisas pensando no que vamos fazer ou no que fizemos, ou no que deveríamos ter feito em um evento e não fizemos. Pensar o que deveríamos ter dito e não dissemos em uma discussão é uma das coisas mais inúteis que podemos fazer. Um desperdício de energia vital irreversível.

A melhor conduta para assumir o estágio consciente da sua existência é entender que, de uma forma ou de outra, você, em algum momento, é responsável por uma decisão que lhe coloca em trajetória de colisão com um evento. Nesse momento, você está tomando decisões conscientes ou inconscientes que estão lhe colocando nessa trajetória. E quanto a isso há duas verdades irrefutáveis: não tem como fugir das escolhas, não tem como fugir dos resultados. Até não escolher é uma escolha que gera resultados. Inevitável. Aprenda a lidar com isso.

Povoar a mente de pensamentos de ações passadas que não foram feitas e ações futuras que ainda não foram feitas vai gerar um desgaste imenso para encontrar os responsáveis pelos infortúnios do presente. A melhor ancora existencial que há é o presente. É importante planejar, sonhar, se preparar, mas ter em plena consciência que o resultado disso não existe (ainda) e, apesar de tudo que você vier a fazer, talvez possa nunca existir. 

O que existe, na verdade, é o momento em que você abre o pote. O resto não paga o açúcar derramado que precisa ser limpado da mesa. 


terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Mandem-me lembranças do futuro

Ano quem vem fará 23 anos que me formei no curso de Letras. Não digo que faz 23 anos que escolhi ser professor, já que desde a adolescência, nos meus tempos de Grupo Escoteiro, já me identificava com o ofício. E aqueles que me conhecem mais de perto sabem esse ofício já foi escolhido há muito mais tempo do que essa vida pode comportar. Sinto-me confortável nessas minhas escolhas em seus ônus e bônus, estes maiores do que aqueles.
Fiz grandes amigos-ex-alunos que um dia foram alunos-amigos. E, nessas idas e vindas, sempre procurei lhes dar mais  do que as lições gramaticais. Foram construídos grandes laços afetivos assim. Alguns me perguntavam se eu queria ganhar um presente de gratidão ao final dos cursos e eu nunca soube o que gostaria de ganhar de verdade. Mas outro dia, um aluno me fez essa pergunta de novo e agora, quase ¼ de século depois, sinto-me à vontade de pedir.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Bach, as estradas para a criação


Existem homens que conseguiram um canal com a criação, com o infinito, com a espiritualidade ou seja lá qual é o nome que se venha a dar a um nível existencial que vai além da matéria e que ultrapassa o tempo e o espaço. Eles não precisam orar, pedir, agradecer, porque sua criatividade produzia obras que abriam um canal, com se fosse uma via alternativa para conhecer o paraíso.
No momento em que escrevo essas linhas, ouço as variações Goldberg, de Bach que me inspira e me eleva. Nessa hora, penso no que move o espírito para criar um conjunto de sons que tem o poder de entrar nos seus ouvidos e atingir o coração com o efeito de uma droga que congela o tempo, que quebra o espaço que desprende a alma e, por uns instantes, nos integra de uma forma indissociável ao universo. Que magia é essa?
Assisti recentemente a um filme chamado o silêncio que antecede Bach e vi cenas de pessoas executando obras desse compositor em todos os lugares, com um gaita em um caminhão ou mesmo com uma orquestra de violoncelos dentro do metro. 
Tenho para mim que o violoncelo é o instrumento dos anjos e quando eles se apresentam nas orquestras do céu, ocorre um minuto de silêncio em respeito ao que virá na primeira descida do arco junto as cordas. Esse é o silêncio que antecede a eternidade.
Lamento que as escolas, no geral reduto controverso da "educação", não apresente essas vias para o aluno que acaba tendo sua formação intelectual ocupada por MCs e DJs de todo o gênero com seu bate-estaca tribal...
Constato que a junk music, ou música lixo, não é uma opção. É o lugar que a cultura deixou vazio e a educação tradicional conseguiu preencher. E, enquanto este lugar não for preenchido, as pessoas continuaram querendo tchu, querendo tcha e achando que a avó está maluca porque comprou uma peruca. 
Como diz a garotada hoje, “na boa, véi, que merda é essa?!”

quarta-feira, 3 de março de 2010

A culpa, o medo e a estupidez humana

Em tempos de estupidez de reality show, encontrar algumas produções de mídia que massageiam o nosso intelecto é coisa rara. No fluxo contrário a toda boçalidade predominante, tive a oportunidade de assistir a um filme que abre uma ilha de reflexão sobre a culpa e o medo, Tempos de paz, com Tony Ramos, um chefe da alfândega em um Brasil pós-guerra e Dan Stulbach, no papel de imigrante polonês. 
O filme traz uma reflexão que tenho há tempos: até que ponto, a resposta "fiz porque estava cumprindo ordens" é válida? Muitas vezes se faz algo cumprindo ordens porque quem manda não tem a coragem de assumir os atos executados e quanto o executor o faz, quem ordenou quer distância dele pois o mesmo representa tudo aquilo que ele não quer lembrar que pediu para ser feito. O executor se torna descartável, o executor se torna executável.
Dizer que fazemos porque não tivemos escolha é outro equívoco. Sempre há escolha, mas o que há também são os ônus e bonus do que escolhemos. Não estamos dispostos a arcar com os custos, mas as escolhas estão sempre lá, basta que as façamos.
O personagem de Tony Ramos se mescla num sentimento de rudeza, frieza, amargura... essa é a palavra. Ele traz consigo um amargo do mais concentrado fel que a vida plantou-lhe no coração. Um homem sem máscaras esterotipadas dos vilões, porque ele não é um vilão. Ele, Segismundo, é ao estilo do filósofo alemão, demasiadamente humano.
Isso me assusta, mas também me encanta.