terça-feira, 29 de abril de 2008

Uma questão dialética.... chiques or not..

Acredito que vivemos em tempos de praticidade. E tenho sérias razões para crer que não é de hoje, pois, na minha adolescência, um sinal de inteligência era, antes de tudo, falar mal da Globo. A emissora recebia rótulos de manipuladora, tendenciosa, direitista e outros predicados pouco abonadores para um país que saía de 20 anos de ditadura recentemente. Em uma discussão, alguém que falava bem de um programa era visto como um agente conspirador, alienado... Esse cara merecia a exclusão social total.
O tempo passou e caiu a ficha de que todo meio de comunicação é tendencioso. A vilã virou, então, a TV, simplesmente a TV. Admitir que assistia a novelas em um meio intelectual era o mesmo que, a um muçulmano, entrar no meio de uma reunião de fundamentalistas islâmicos e gritar: Eu sou gay!
Eis a aberração das aberrações.
Mas não é que o tempo passa e as pessoas continuam tão cheias de clichês como há 20 anos. Você quer parecer chique e inteligente então decore o discurso:

Uma bebida: vinho - cabernet sauvignon
Uma comida: carpaccio
Uma cantora: Nana Caymmi
Um lugar: um piano bar
Um esporte: squash
Um filósofo: Espinoza
Um programa de TV: não gosto de TV, acho alienante
Um livro: um só? Deixa eu citar 30.

O caminho mais curto para não parecer chique e inteligente é achar vinho enjoativo e preferir Grappete, achar que carpaccio é aquele negócio que fica no pé da porta para a gente limpar os pés, acreditar que Nana Caymmi quietinha é o máximo, pensar que piano bar é sempre um lugar onde tudo é caro pra caramba, supor que squash parece mais uma onomatopéia do que um esporte, surpreender-se ao ver que Espinoza não era só um ex-técnico do Botafogo e admitir que não tem muito que falar sobre os livros da moda já que dormiu enquanto tentava ler e ver televisão em fim de noite nos últimos tempos.
Se de tudo, ainda você acha que é difícil demais fazer isso, cruze os braços durante uma reunião de chiques, balance levemente a cabeça durante o papo, e quando perguntado sorria com ares de concordância ou diga: é uma questão dialética.
O que é uma questão dialética?
Não interessa, fala que impressiona...
P.S.: Eu, pessoalmente, prefiro Grapette.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

A minha doença é bem pior...

Consultório de médico, sala de espera de clínica médica, saguão de hospital... Já viu lugares mais preenchidos de tipos bizarros? Há aqueles que têm uma doença, aqueles que acham que tem uma doença e aqueles que gostariam de ter uma doença. Mas o tipo que mais me encanta é aquele que disputa doença e acha que sua doença é mais séria do que a de qualquer um. Sente-se ultrajado quando alguém relata uma doença pior que a sua, mas o pior é quando ele se vê diante de um colega que se vale da doença de outros para tripudiar sobre sua reputação de “o mais coitado”.
No fundo, todo mundo conhece alguém que se vangloria de uma moléstia quando a apresenta, ou mesmo, jubila-se de conhecer um caso muito pior do que o que lhe relataram.

***

Revistas velhas anunciando coisas como MORRE ULISSES GUIMARÃES, uma recepcionista taciturna com óculos, uma luz artificial indireta, uma música ambiente de rádio, sofás... Está montada a arena.
No canto esquerdo, D. Rosa, 61 anos, 68 Kg, 1, 60 m, duas úlceras pépticas curadas, uma ponte de safena, um infarto e uma bursite incurável;
No canto direito, D. Branca, 64 anos, 65 Kg, 1,63 m, pressão alta, catarata, prisão de ventre crônica, bronquite desde criança e escoliose.

Boa tarde!
Boa tarde!
Calor né... ? Tempo maluco. Incerto... calor, frio, calor, frio...
Nossa!
E Para a gente que tem alergia... é muito ruim.
(Soou o gongo - vai começar a disputa)

Eu, quando fica assim o tempo, me ataca uma bursite nesse ombro que eu não consigo nem dormir”, inicia D. Rosa.
E eu? Passo dias sem conseguir deitar por causa da coluna. Uma dor que começa na base das costas e se espalha”, retruca D. Branca.
D. Rosa parte para o contra-ataque.
"Uma vez eu tive uma crise de coluna que me causava uma dor que se espalhou pelos ossos do corpo, eu perdi 15 Kg porque não conseguia abrir a boca por causa da dor. Só tomava líquidos."
D. Branca apela...
"A minha cunhada tinha uma dor que ninguém descobria, foi ver, era um tumor dentro dos ossos que pressionavam as vértebras, ela fica dias deitada sob efeito de morfina.. coisa horrível."
D. Rosa, que nunca havia perdido uma boa disputa de doença, faz uso de suas armas mais letais e ataca.
"A minha prima, coitada, tinha um tipo de tumor maligno que brotava dentro dos ossos dos dedos e ia se espalhando, com quinze anos os ossos estavam ocos e causava dores incríveis. Um dia ela fraturou a perna quando caminhava dentro de casa e nunca mais calcificou." Relatou triunfante. Aquilo era um vazare, um head shot... Mais uma dessas e saía comemorando com a dança do créu.
D. Branca ainda tenta reagir:
"E a minha vizinha da minha prima... huum..."
"Desenvolveu uma doença degenerativa que os órgãos dela ficavam iguais a uma geléia... aí..."

"D. Branca, é a vez da senhora. Dr. Gonçalves está chamando." Avisa a secretaria.

"Bom, deixa eu ir. Um abraço para a senhora." Disse D. Branca.
A porta do consultório fecha e D. Rosa sorri triunfante... Doença degenerativa.. Pensa com desdém...
Mais um nocaute....
Créééééééu...
Ai que vontade de comemorar...