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sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Cheiro, polêmicas e saudades


Desculpem-me os "amantes" da fruta, mas açaí tem gosto de cheiro de terra molhada, daí eu não consigo comer. Mas um amigo me jurou que eu não gosto de açaí porque eu nunca comi um açaí com granola, leite condensado, jujuba, amendoim, banana, bala fine, castanha, calda de morango, leite em pó e chocolate granulado.

O que me faz pensar: Será que ele gosta de açaí mesmo???

Mas eu gosto mesmo é de cheiro de cânfora. Aquele cheiro de Vick Vaporub que invade nosso nariz e nos lembra o carinho de mãe e avó que passavam no nosso peito para a gente melhorar. Passavam no nosso pé para pararmos de tossir... funcionava? Não sei. Mas aquele carinho curava tudo. Hoje, se sinto o cheiro de cânfora, vem a minha cabeça minha avó passando no meu peito para eu expectorar, vem a minha mãe passando no meu pé e calçando meio parar eu parar de tossir.

Sentir isso tudo de novo não tem preço. Proteção, cuidado, carinho do cheiro de cânfora. 

Obrigado mãe, obrigado vó por terem me dado essas lembranças que enchem minha alma de paz e gratidão.

Encerro as linhas com o cheirinho de cânfora da latinha sobre minha mesa que inspirou essa crônica.  

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Acumuladores de coisas, de histórias e de si mesmo

Existe um grande embate quando falamos em lidar com pessoas acumuladoras. Eles são chamados de loucos, sem noção, materialistas, enfim, batem pesado naqueles que têm dificuldade de se desfazer de objetos adquiridos. Mas antes de qualquer coisa, é importante entender o que é um acumulador, porque ele acumula e como ajudar a pessoa que sofre desse distúrbio. Sim.. é um distúrbio comportamental.

De uma forma ou de outra, acumulador, todos somos um pouco. Guardamos fotos, objetos etc porque coisas são mais do que coisas, são narrativas e, nós, humanos somos feitos de carne, osso e narrativas. Somos todos uma história contada a partir de diversas histórias. Os objetos entram na nossa vida junto com histórias que os trouxeram até nós. A história de cada um deles se agrega a nossa fazendo a grande narrativa que nós somos. O problema é quando não percebemos mais o que é história, o que é objeto, o que somos nós... 

Quando o foco da vida sai do presente e se ancora no que vivemos, objetos e narrativas se integram na mesma coisa, que somos nós. Desfazer-se de um objeto é desfazer-se de uma história que é parte do que você é. É como se fosse abrir mão de um pedaço de si mesmo, um dedo, um braço… e deixar de ser alguém inteiro fisicamente. No caso, psicologicamente. O acumulador vê  a perda do objeto como uma amputação. E acreditem, dói nele.

Primeiro, é importante entender que as pessoas são o que são e lidar com elas é único caminho da convivência saudável. É muito provável que um acumulador de verdade não mude nunca diante do drama psicológico de não conseguir dissociar o que é ele dos objetos. Você não vai conseguir dissociá-lo da história que ele construiu, mas conseguirá fazer com que a partir do momento em que você entrou na vida da pessoa, o que existe de relevante não está nas coisas adquiridas, mas nas histórias vividas e que, mesmo que a coisa se vá, as histórias ficam.

Isso costuma funcionar? Não. Mas vale tentar. Não existe receita de bolo para lidar com as pessoas. As pessoas são o que são e nossa grande frustração pode ser a eterna luta entre isso e o que queríamos que elas fossem. Por mais que sejam boas as nossas intenções, a vida é um eterno aceitar o real (e lidar com ele) ou sofrer com o ideal (e frustrar-se). 

Ficou frustado em chegar até aqui e ver que não dei uma receita de bolo para lidar com o acumulador? Pois é… Viver é assim, não existe manual, seguimos em um voo cego, sem plano de voo num avião que não sabemos quanto de combustível ainda tem.


domingo, 18 de junho de 2017

Essa tal felicidade sempre clandestina

Esse é o título de um livro de Clarice Lispector. Passei anos sem entender ao certo o que era exatamente isso, quando aos quase 46 anos, constato que toda felicidade é clandestina. Podemos entender que clandestino é todo aquela que  entra sem ser autorizado e, costuma a sair sorrateiro sem denunciar sua condição. A felicidade assim o é.
Há dias em que acordamos com uma invasão de felicidade injustificada. Uma sensação de "tudo-vai-bem" que a gente, acostumado a essa ausência se pergunta: o que vai bem? E se questiona, às vezes, que toda felicidade é alienante. No fim, esquece de curtir aquela sensação clandestina que invadiu nossa alma. Tenho medo que tenhamos desaprendido a ser felizes.
A felicidade também mora na memória. Muitas vezes, recordamos uma viagem, um encontro, um amor, umas palavras que nos fazem assomar enorme sensação de felicidade. Essa também é clandestina, mas que chegou porque, voluntariamente, deixamos as portas abertas e dissemos: olha, está aberta a porta. Se quiser dá uma passadinha, fica à vontade.
Outro dia, me peguei com as portas da memória abertas de uma viagem recente e a felicidade não titubeou, entrou pelos olhos, deu um pulo no coração, me inundou e vazou pelos olhos em que entrou. Porque felicidade é assim: quando volta senta me mesma cadeira que deixou vazia.
Por isso é preciso estar atento, desperto, pois, muitas vezes, não percebemos sua entrada perdidos na correria do dia a dia e se o fazemos, abandonamos a oportunidade de permitir que ela nos revisite em formas de momentos. Acordei assim, com as portas semiabertas e ela entrou enquanto dirigia (ela nunca escolhe hora para isso) e fui tomado de um prazer imenso. Deixei-a entrar, permiti que mostrasse imagens, histórias, músicas, gestos que um dia me fizeram muito feliz. E fui feliz de novo..
Precisamos aprender a lidar com essa tal felicidade, essa desejada clandestina que entra não sei quando, fica não sei onde e sai não sei por quê...
Por via das dúvidas, pelo menos eu, sigo com a porta entreaberta caso ela passe por aqui.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Uma gaveta de memórias



"Eu hoje joguei tanta coisa fora
Eu vi o meu passado passar por mim
Cartas e fotografias gente que foi embora
A casa fica bem melhor assim"
(Paralamas do  Sucesso, Tendo a Lua)


Janeiro é mês de revirar gavetas em buscas de lixo de papel para começar o ano no zero a zero com a rotina. Eu revirei as minhas, rasguei meus papéis e descobri no meio de tantos clipes, papéis, lápis quebrado, canetas que nem escrevem mais, um monte de pedaços de saudade. Notas fiscais que lembram uma compra, um momento, o primeiro colchão de casal. Romântico, não? Pois é. Era um Orthobon que custou... ah.. não importa. O que me ficou foi o passeio ao shopping para comprá-lo.
Há fotos que contam histórias de alunos-amigos ou amigos-alunos, tudo é uma questão do lado  que se olha. De amigos que ficaram e outros que morreram ainda que estejam “vivos”. Papel de bala e um guardanapo de companhia de aviação. Uma borracha velha e um monte de cartões de natal que teimam em morar na minha gaveta há anos. Em tempos de internet, eles não querem sair medo de bullyings dos emails. Não lhes tiro a razão.
Juntei meus cacos, rasguei meus trapos, poupei os mais entranhados na minha história. Os outros rasguei para não ocupar volume nem no meu cesto de lixo, nem em mim. Os que ficaram na gaveta, viram-me fechá-la lentamente com a promessa de voltar a vê-los ano que vem. Numa outra faxina de janeiro... A casa fica bem melhor assim.
Te vejo em 2013, Janeiro.

sábado, 8 de novembro de 2008

Tá ruim, mas tá bom... bom, bom, bom, não tá... mas tá bom.

Nasci em 71, um ano depois da copa do mundo que, na época ficou nossa, 12 anos depois, não mais era nossa, roubaram-na. E nem os 90 milhões em ação impediram que ela virasse um monte de ouro derretido vendido a algum receptador de produtos roubados. Lembro-me de poucas coisas do regime militar, vim aprender mais sobre isso com o Elio Gaspari em seus livros (o cara é genial... Recomendo). Só me lembro como gente alguns anos depois da Copa e das memórias que trago, uma me marcou de forma indelével. Dentro de casa, meus pais falavam coisas do tipo "governo ladrão", "político safado", "militares assassinos" e, numa das vezes que ouvi isso, um dos adultos por perto atentou para o fato de que uma criança os ouvia e reiterou:

- Ei, isso não é coisa que se fale na rua, não, viu!

Demorei uns 15 anos para entender exatamente por que aquilo não era coisa que se falasse na rua.

Hoje, menos freqüente do que anos atrás, ainda ouço gente que diz que bom era no tempo dos militares. Não havia essa roubalheira, não. Claro, eles (os militares) roubavam sozinhos. Não havia essa baixaria da imprensa. Óbvio, eles (os milicos) fechavam jornais e prendiam jornalilstas que ousavam discordar da ordem geral "Brasil, Ame-o ou deixe-o". E quem não amasse era forçado a deixá-lo. Quisesse ou não. Encalacramo-nos em dívidas que consumiram as riquezas nacionais durante duas décadas e, ainda assim, saímos no mesmo pé que entramos. No zero a zero...

Ao pessoal que chegou de 80 para cá, saiba que Papai Noel, coelhinho da páscoa, duendes e gnomos (não vale se lembrar da Xuxa, ela não serve como referência para nada), militares e juízes presos eram algo que girava na mesma esfera mítica e cairia bem em seriados como o antigo "Além da Imaginação" (acho que ainda passa na TV por assinatura). Ainda caminhamos para uma país melhor, estamos no iniciozinho da conversa, mas o nível da prosa já melhorou bastante.

E isso, agora, é coisa que se deve falar na rua.

Em tempo: Na época do regime militar, roubava-se, fraudava-se, violava-se direitos humanos muito mais do que agora, mas quem ousasse levantar essa discussão virava estatística. Conquistamos o direito de falar o que pensamos, daí, se seremos ouvidos, estamos falando de outra conquista em andamento.