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domingo, 12 de setembro de 2021

Sabe onde você errou?

Quando as coisas não dão certo na vida da gente, a primeira pergunta que fazemos é "onde foi que eu errei?" Eu sempre fui um bom filho(a), um bom pai/mãe, um bom marido/esposa e, apesar de tudo isso, a vida só me entregou dissabor e ingratidão. Ou mesmo, me entregou episódios de tamanho infortúnio que, olhando assim de perto, eu juro nunca ter merecido.

Tirando a possibilidade de uma distorção de leitura sobre si mesmo (o que pode acontecer ocasionalmente) e considerando que você esteja correto em sua autoavaliação, o seu primeiro erro é entender sua conduta, por melhor que seja, como uma moeda de troca com a vida. A vida não barganha com você. Saiba que, ainda que você dê o melhor de si, que seja a melhor pessoa do mundo, se tiverem que te pregar numa cruz, as pessoas vão fazer. E sabe por quê? Porque sim, porque a vida não barganha com você. Aprenda essa lição número 1  - esperar barganha é o seu primeiro erro.

E isso quer dizer que não devo ser uma boa pessoa porque nada terei em troca? Não. Pelo contrário. Ser uma pessoa melhor faz o mundo ao seu redor ser mais leve o maior beneficiado dessa leveza é você mesmo. Isso a curto prazo. 

É importante entender que, apesar de nossas carências de reconhecimento (todos desejam likes), suas ações não devem ser como a interpretação em um palco e que você receberá aplausos ou vaias ao final. Esse é o segundo erro. Não haverá palmas no final.

E por fim, diante de uma ingratidão não cabe muito ficar discutindo a origem, as causas, os fatos prévios. Quando alguém é atingido por um tiro no peito, não faz o menor sentido discutir naquele momento que tipo de bala atingiu, de que material era feito, qual a estrutura mecânica da arma, onde foi fabricada, qual a formação e a habilidade do atirador etc enquanto o atingido segue no chão sangrando. O fato é que temos alguém ferido e devemos providenciar socorro para que não morra.

Na outra parte, ficar filosofando os eventos prévios citados depois que salvamos a pessoa é completamente inútil uma vez que não reverte os fatos. E aí podem dizer que entendê-los pode evitar que ocorram novamente. Não. Não pode. Pode ajudar a não ocorrer exatamente daquela forma, mas não existe a certeza da infalibilidade do seu método. 

Esse é o grande erro que cometemos, pensar na vida com um palco e que nossos atos terão algum reconhecimento ao final. Além disso, nunca seremos julgados pelo que fazemos, mas pelo que deixamos de fazer. 1000 SIMs não tem fazem uma boa pessoa, mas com certeza, 1 NÃO te faz um péssimo ser humano aos olhos dos outros. Nossas carências não podem nos fazer escravos da expectativa de recompensas afetivas que, muitas vezes, não vêm e alimentam frustrações decepções.

Faça as coisas por que elas são boas e devem ser feitas, ignore qualquer recompensa, pois a maior delas é saber que fez a coisa certa.


domingo, 5 de setembro de 2021

Procrastinar é normal, mas...

Essa palavra se divide em 3 partes maiores: pro (movimento a/em direção a, no sentido de), cras (advérbio que significa "amanhã") e demais são afixos formadores de verbo. Ou seja, grosso modo, significa a ação de mover algo que deveria ser feito hoje para amanhã e assim indefinidamente. No dicionário resume-se assim: ato de transferir para outro dia ou deixar para depois; adiar, delongar, postergar, protrair. Para alguns religiosos, chega a ser um pecado associado à preguiça.

Temos que encarar que todos são passiveis desse mal, e, eventualmente, a gente fica adiando para depois e depois uma coisa que inevitavelmente deve ser feita. Normalmente, se trata de algo que não nos dá prazer imediato e, como seres hedonistas (movidos pelo prazer) que somos, adiamos com foco inconsciente no prazer momentâneo de não fazer algo que não dá prazer. Ou seja, o prazer de "não fazer" vence o desconforto de ter que fazer algo que não nos dá prazer imediato. Entendeu?

Mas os efeitos são muito nocivos e o maior deles é o fator cumulativo. Se você não queria fazer algo porque não te dava prazer e adiou, quando você adia outra tarefa, agora, você tem duas coisas que não te dão prazer na lista e, um dia, você vai ter que encarar uma lista bem grande de coisas que não te dão prazer. Você só está adiando o desconforto e acumulando mais coisas desconfortáveis de serem feitas. 

Dessa forma, podemos entender que procrastinar é algo movido pelo prazer imediato. Entretanto, que, como efeito rebote, vai provocar o desprazer a longo prazo. É exatamente essa visão que nos move.

Nesse meio século de vida, aprendi que a melhor a maneira de trabalhar com isso são as listas de tarefas. Sempre no início de semana faço uma lista de tarefas separadas por áreas, trabalho, casa, saúde etc. E, na medida em que as coisas vão andando, vou riscando da lista. No início da outra semana, refaço a lista começando com a cópia das coisas que deixei de fazer e colocando-as em primeiro na nova lista com um ponto de exclamação na frente.

Isso ajuda a visualizar aquelas coisas que não consegui fazer ou que procrastinei mesmo e, na medida em que os pontos de exclamação vão se acumulando, aquilo vai virando uma urgência. Isso, nesses últimos anos, me ajudou a medir o meu PPH, uma sigla que criei para o meu Potencial de Procrastinação Humana. Hoje em dia, o meu desafio é lidar com o PPH dos outros, mas aí já é outra história.

Em tempo: procrastinei algumas semanas para escrever esse texto...rs Afinal, summus homines


sábado, 24 de julho de 2021

Política dos favores

Li certa vez que, um favor, vindo de algumas pessoas, sai mais caro que um serviço pago e me identifiquei com essa ideia já desde cedo. Eu preciso muito confiar no outro para aceitar um favor. Se não confio, prefiro pagar por um serviço, passar um aperto ou me virar, porque sei que a nota daquele "favor" serviço é uma fatura em aberto e sujeita ao que a pessoa acha quanto vale e como (e quando) vai cobrar.

Pessoalmente, acredito que uma das coisas mais feias nos relacionamentos humanos é o jogar na cara. E tem gente que bate no peito e diz: jogo na cara mesmo. Isso para mim é a perda definitiva de crédito afetivo e o caminho para saber que não posso contar com aquela pessoa. Afinal, nada é feito por camaradagem, afeto, amizade, mas simplesmente como sórdida moeda de troca.

O que nos move a fazer algo pelo outro deve ser antes de tudo o afeto e a certeza de saber quando nos doamos, nada perdemos ajudando o outro a crescer. Se isso é uma moeda de troca, segue a ajuda ao outro, mas o crescimento se ofusca no interesse sórdido. E o pior, cai naquela coisa de o que um fez pelo outro para quantificar em quem deve quem. Quantifica-se o inquantificável. 

Gosto mesmo é de gente gratuita porque sempre fui gratuito e, por mais que tivesse feito algo por alguém, jamais joguei, ou jogarei nada cara porque, no fundo, fiz por mim. Fiz porque queria ajudar porque julgava ser o certo naquele momento. Mas essa não é a máxima comum.

Enfim, aprendi a lidar com essas situações evitando ao máximo pedir ou viver situações em que se cria alguma dependência de quem quantifica afeto/generosidade/altruísmo. Isso, desde jovem. Reconheço que isso nasceu de várias decepções de ouvir pessoas falando: "nossa, mas eu fiz isso por você" e eu ficar pensando: Putz, eu não imaginei que estava pagando por um serviço… Juro que se soubesse que era um serviço preferiria pagar em dinheiro. Porque, afinal de contas, há favores que saem mais caros dos serviços pagos.

Pode ser radical, mas quando uma pessoa faz isso, algo muda em mim com relação ao que sinto e, certamente, quanto até que ponto posso contar com ela, afinal, se um dia eu não tiver mais moeda de troca, até onde irá a "generosidade alheia".


domingo, 11 de julho de 2021

E la nave va… toca o barco

Dizem, antes dos 20, se não somos revolucionários somos insensíveis e depois dos 40, se o somos, somos insensatos. Isso tem um fundo de verdade. Nesse período de 20 aos 40, a vida se encarrega de nos fornecer um choque de realidade e nos mostrar dia a dia que não é bem assim que a banda toca que as coisas não mudam no atacado, segundo a nossa vontade e nosso tempo. Sim. As coisas mudam, mas isso se dá no tempo das coisas e não no seu.

A verdade é que, nesse período, para a marioria das pessoas, chegam as contas, acumulam-se decepções (essas acumulam-se a vida toda), vemos que muitos rótulos de ideologias são bandeiras úteis para quem, no fundo, quer poder, dinheiro, prestígio e …. mudar o mundo? Não. Nem pensar. Ele não vai querer mudar o mundo logo na hora que conseguir se beneficiar das regras. Ninguém quer eu o bolinho acabe logo na sua vez na fila..

Acabamos depois de certa idade nos acomodando  numa tênue e confortável hipocrisia de saber que aquilo não funciona assim, mas muitos seguem sustentando um discurso que os legitima como alguém consciente, comprometido, engajado com algo nobre. Talvez, queiram mudar o mundo ainda, mas se envolve sair do sofá e do teclado do computador, vai se esperar um pouco. Afinal, em certa fase da vida, sabe-se o mundo vai mudar no fluxo dele e não no seu.

Muito poucas são as pessoas rompem essa inércia quase absoluta para mudar qualquer coisa, esses snao espíritos sui generis, pontos fora da curva. Não é a regra. A miséria do mundo a incomoda, mas os sem teto de sua cidade, seguem nessa miséria, mas essa não incomoda. Só a do mundo. Essa não, essa é culpa do estado opressor capitalista conservador.

As injustiças e desigualdades causam horror, mas se não te toca, tudo bem. É só um cartaz numa passeata eventual contra o sistema ou um discurso cheio de clichês. Voltamos todos para casa e postamos imagens no Facebook e Instagram para que vejam como somos politizados e do bem.

A corrupção enoja até que você ou alguém próximo querido (sua mãe, por exemplo) receba um cargo de um político corrupto e se beneficie disso. Afinal, se você não aceitar, outro vai aceitar. E de dentro do sistema você consegue agir melhor contra ele. Mentira… e não são sinceras. Logo, não me interessam.

Assisti a um filme outro dia chamado Um Bom homem (direção de Vicente Amorim e roteiro de John Wrathall) 2008 que conta a história de um professor que se vê no dilema de usufruir benefícios de um sistema com o qual não concorda (o Nazismo da Alemanha nos anos 30). Não vou dar spoiler, mas é fácil imaginar que rumo essa história leva.

O fato é que não se atenta contra o próprio status quo. Isso é humano. Queremos que o mundo mude, mas não queremos que mexam no nosso queijo. São muito poucos aqueles que se encontram dispostos a abrir mão de algo que afete o seu padrão de vida em nome de igualdade, justiça social etc.

Enfim, a maioria das pessoas quer um mundo melhor mesmo, mas não querem agir no varejo para melhorar esse mundo, querem um mundo mais justo, mas não estão dispostas a comprometer o seu padrão social, querem resumir toda a mudança a uma gritaria eventual, muitas vezes, paga em passeata ou ao clique de uma tecla.

Mas enfim, como dizia Terêncio (163 d.c) Homo sum; humani nil a me alienum puto, ou seja,  Sou humano, nada do que é humano me é estranho.

E la nave va… toca o barco


domingo, 9 de maio de 2021

Permitir-se é um exercício de autocompaixão

As pessoas confundem a história de se permitir com se comprometer e, muitas vezes, diante de uma aquisição patrimonial, pensam "ah, eu trabalho, tanto, eu mereço" e acabam se encalacrando em dívidas. Permitir-se não é bem isso ou não só isso. Vamos, então, pegar essa lógica e aplicar a nossas emoções. 

Entendemos que sentir raiva, sentir mágoa, sentir ódio, sentir tristeza entre tantos "sentires" são ruins. E de fato, por muito tempo, são mesmo. Aprendemos que não devemos nos deixar invadir por esses sentimentos e devemos ser algo impassível diante dos fatos e imunes aos tais sentimentos negativos. Entretanto, buscar uma imunidade aos sentimentos negativos é procurar uma blindagem contra a nossa condição humana já que os sentimentos apresentados são dois lados da mesma moeda: ódio/amor, tristeza/alegria, mágoa/gratidão. 

Não há como ser imunes ou blindados a isso e nossa existência é o eterno pender entre os extremos em busca do equilíbrio. Contudo, buscando uma pseudo elevação espiritual momentânea somos condicionados ao fato de que devemos sentir amor, alegria e gratidão o tempo todo e jamais ódio, tristeza e mágoa em momento algum. Somos condicionados a negar nossa condição de seres imperfeitos e em primitivo desenvolvimento espiritual. 

Acho engraçado quando alguém fala "ah eu sou imperfeito" ou "eu tenho meus defeitos"... Uma constatação que, a meu ver, expressa uma falsa humildade já que enuncia o óbvio ululante. Sim. Eu sou humano. Ponto final.

É óbvio que não devemos deixar que sentimentos como ódio, mágoa, tristeza nos invadam e assumam o controle de nosso tempo e ações. Mas também, deixar que sejamos tomados de uma nuvem de amor, alegria e gratidão 100% do tempo nos criaria uma alienação em mundo que não é de amor, alegria e gratidão. Isso geraria em curto tempo um nível de frustração absurda porque o mundo não está nem aí para seu empenho e vai lhe dar o que ele quiser e não o mesmo que você deu. "Poxa, eu fui tão do bem, mas me trataram assim… ". É isso… acostume-se.

Ah, mas se todos mudarem de comportamento o mundo melhora. Sim... ideia óbvia. Agora só falta você convencer os outros 7 bilhões de pessoas no planeta a adotarem o seu projeto de paz e amor. Boa sorte na sua missão. Mas não vale se frustrar...

Por isso, se permita, mas não se contamine. É normal sentirmos raiva, tristeza, ódio, rancor durante algum tempo diante de situações da vida. São monstros que não têm como ser banidos da noite para o dia de nossa história. Temos sempre duas opções nesses cenários: deixá-los do lado de fora enquanto eles esmurram a porta ou deixá-los entrar para um café e vermos que não são tão assustadores quanto parecem quando esmurravam a porta lá fora. Terminado o café, nós os conduzimos até a porta e nos despedimos, porque ali, eles não podem morar.

Temos que ter compaixão com nós mesmos e anular o discurso acusatório de que não podemos sentir ódio, não podemos sentir raiva, não temos que estar tristes, não podemos desejar por uns instantes que alguém morra. Sim. Podemos. O que não podemos é deixar que esse sentimento se instale por longo prazo, ele está ali só para um café, só para nos darmos conta de nossa condição existencial e nos permitir ser humano com todas suas fraquezas e imperfeições.

Terminou o café, acompanhe até a porta e se despeça. Afinal, foi só um café.

E não se esqueça: ele vai voltar. Mas que seja sempre só para um café.

 

domingo, 2 de maio de 2021

Atualizando o conceito de perdão

Sofrer com o mal que nosso semelhante nos causa é inevitável e o pré-requisito para isso é estar vivo. Não precisa de nada além. E revertendo o fluxo das coisas, também somos capazes de causar o mal ao outro, mesmo que não intencionalmente. Afinal, não somos a alma pura que imaginamos ser.

Desse mal, brota o ressentimento e com ele a mágoa. Até aí, tudo bem e normal. Ninguém sofre com a maldade e abre um sorriso no rosto de gratidão para seu algoz ou ao menos, se põe indiferente ao fato que lhe ocorreu. Isso é humano. Mas onde reside o problema então? Primeiramente, no conceito de que chamo de inevitabilidade e irreversibilidade dos fatos; depois, no conceito dogmático de perdão. Bem vejamos…

Estar vivo é estar exposto às ações dos outros, isso é um fato. Sejam elas boas ou más, somos atingidos de alguma forma porque estamos no raio de ação existencial de outro. Uma ação pode ser direcionada para nós ou meramente sermos atingidos pelos efeitos colaterais dela. Isso é a inevitabilidade, não tem como se evitar. A irreversibilidade se refere ao fato de, ocorrido um evento na linha temporal de sua existência e passado esse evento, a capacidade de alterá-lo é inexistente. Os acontecimentos passados são irreversíveis. 

Sendo assim, estamos sujeitos a ações e efeitos colaterais dessas e não podemos fugir disso. Aceite como algo do mundo e aprenda a tratar a maneira como você lida com isso. O fato é inevitável e irreversível, mas a maneira como você lida com isso faz toda a diferença na sua vida. 

O segundo problema é a conceituação de perdão nascida na ideia cristã de "dar a outra face" que é entendida erroneamente como se expor para que o outro lhe faça o mal novamente, afinal o mal está nele e isso te faz superior e blá, blá, blá… Duvido que Cristo tenho querido dizer isso. Acredito mais no sentido que dar a outra face é não revidar, é fazer de outro jeito. Se me ofendeu, não vou te ofender, se matou alguém, não vou te matar também porque isso me iguala a você e não resolver o problema. Isso é uma tentativa de romper o tóxico ciclo do dente-por-dente-olho-por-olho

Perdoar não é esquecer, isso é amnésia. Perdoar não é soltar algo preso dentro de você, isso é laxante, perdoar não é aceitar o outro como nada tivesse acontecido depois que ele lhe fez muito mal, isso é burrice. Então, o que é perdoar?

Perdoar é entender que o mundo é como é e as pessoas são como são. Por mais que isso lhe incomode, você deve entender para seu bem que suas dores vêm do abismo que existe entre o que as pessoas são e o que você espera ou pensa que elas deveriam ser. A dor e a frustração não nasce nas coisas, mas no que esperávamos delas e não se concretizou. 

O perdão nasce na compreensão de que ser atingido pelas ações dos outros é algo inevitável, uma vez atingido, os eventos passados são irreversíveis. Bom, a partir daí, é você quem lida com os resíduos emocionais deixados. Podemos remoer as dores e ficar preso no tempo àquele momento de sofrimento, isso é nocivo, pois nos atrelamos ao imutável e dispensamos energia vital ou entendemos que viver é colecionar fantasmas. Isso é normal. Perdoar, em resumo, é minimizar os danos do irreversível. Viver é colecionar fantasmas, não tem jeito. Até as pessoas felizes nos posts do Instagram possuem seus monstros. Não se iluda. Eles ficarão sempre lá, em uma esquina escura. Se você ligar a luz do poste eles estarão lá. Se apagar, eles estarão lá também. O problema não são eles, mas a dimensão que você dá ao que eles um dia representaram em sua história. 

domingo, 25 de abril de 2021

Já fez sua higiene emocional hoje?

A gente acorda, lava o rosto, escova os dentes, penteia o cabelo, toma banho e lava as mãos todos os dias. Isso, de certa forma, garante-nos um corpo sempre limpo, higienizado e livre de doenças, ou pelo menos, com o risco reduzido de doenças já que, obviamente, nem todas elas são causadas por falta de cuidados higiênicos. E com as suas emoções? O que você adota como higiene diária? O descuido com essa higiene emocional também gera doenças, sabia?

Os gregos já preconizavam uma visão de um homem dual, composto por corpo e alma. Quanto ao corpo, é notória a necessidade de manter limpo e bem cuidado para a saúde ficar em dia. E quanto a alma? Quais são os hábitos de higiene que nos fazem mais saudáveis. O que vemos no dia a dia, são pessoas tóxicas e doentes, não do corpo, mas daquilo que não dá para lavar. O fato é que muita gente descuida do que o sabão não dá conta. 

Tive a oportunidade de compartilhar minha experiência pessoal em uma entrevista para a repórter Ana Lourenço, do jornal O Estado de São Paulo sobre meditação. Pratico diariamente esse exercício há mais de um ano e sinto os benefícios que me impactam diariamente. Foi durante a entrevista que usei o termo higiene emocional e me dei conta que incorporei isso no meu dia a dia como quem escova os dentes, toma banho, penteia o cabelo… 

Isso, obviamente, não nos isenta das tensões, pressões, infortúnios do dia a dia, nem nos garante uma postura sábia e resiliente com relação a TUDO, até porque tudo é muita coisa. Meditação não é um título garantidor da elevação espiritual mesmo. Entretanto, ela é capaz de nos imergir numa lucidez de nossas emoções que nos dá tranquilidade para encarar, pensar e agir de forma consciente. Sem sermos dominados pela paixões e contextos que nos levam a ser precipitados, afobados e imprecisos nas situações diárias. Sinto que estou em um caminho longo, mas que a prática diária já me traz benefícios imensos na minha maneira de lidar com o mundo. 

Pois é isso que chamo de minha higiene emocional diária: tirar um momento para olhar para dentro de mim e, no silêncio e fluxo dos meus pensamentos, tentar entender o que sinto, o que quero e atenuar os monstros que vivem dentro de nós. Até porque, matá-los não dá, eles são parte da gente e do que nos trouxe até aqui.

Eu mantenho um horário, no final da noite, 30 min. para prestar atenção ao fluxo da minha respiração e nesse exercício, mergulhar no cenário dos meus pensamentos que passam como uma tela de um smartphone que eu arrasto para o lado sem deixar ninguém criar raiz por ali. Meditar é isso.. Não é não pensar em nada (isso é impossível), é olhar para os pensamentos de forma lúcida dando a cada um o tamanho de não mais que uns segundos.

Dentro da minha higiene emocional encontrei algumas reflexões que ajudam a manter a alma mais leve e compartilho-as com vocês:

  1. As pessoas são o que são. Aprenda lidar com isso. O seu sofrimento decorre das suas expectativas criadas sobre o que você esperava que elas fossem e não do que elas são;
  2. Seus monstros são parte de você. Não adianta rechaçar ou querer esquecer. Isso não vai acontecer. Aprenda a lidar com eles e verá que não são os Godzillas que imagina. Não dê para eles o tamanho que não têm.
  3. A dor é algo do mundo, você não tem controle sobre isso. O sofrimento é seu, você escolhe a dimensão que vai dar a ele.
  4. Não aja em função das pessoas, aja em função do ético, do justo e do correto e saiba que isso é positivo para você. Entretanto, saiba que as pessoas vão formar uma opinião sobre você que elas quiserem e você não tem controle disso. 
  5. Perdoar não é esquecer. Isso é amnésia. Perdoar é excluir a relevância do mal que te fizeram, mas manter a distância da fonte causadora desse mal. Se proteger é um dever seu.
  6. Culpa é um sentimento pouco útil e ineficiente. Os fatos que nos ocorrem na vida devem ser entendidos como um conjunto de evento sobre os quais temos algum nível de responsabilidade nossa. 
  7. Pensar sobre o que deveríamos ter falado é uma das energias mais inúteis. Depois que lançamos a pedra, não podemos mais reverter o processo.
  8. Não barganhe com o universo. Seja bom e justo, mas não espere que ele vai te dar o mesmo de volta. Ele vai te dar o que ele quiser.... o universo não aceita barganha.

Olhar para dentro de si, tirar um momento para isso é essencial para ver com clareza o que sentimos, para entender pessoas e modular o quanto sentimos já que "o que sentimos" é inevitável. E isso a gente só aprende com a prática, a prática da higiene emocional, que eu costumo chamar de atenção plena, mindfulness ou simplesmente meditação.

Ah, sim.. você não tem tempo para isso.

Certo, então, deixe os dentes apodrecerem….  

 

domingo, 4 de abril de 2021

Não estamos no comando de quase nada

Isso para não dizer de nada mesmo e arruinar suas esperanças de uma vez. Estar vivo é não estar no comando de quase nada. Planejar não faz o menor sentido então? A resposta para isso é SIM e NÃO. Nós planejamos para saber onde mudar, mas planejar esperando que todo o universo conspire a seu favor é alimentar a frustração eterna em uma relação de troca que não existe. Você pode planejar tudo perfeitamente, mas um contratempo que acontecerá 1 minuto após ler esse texto mudar tudo. Aliás, mudar toda a sua vida.

Pronto. Joguei um balde de água fria em toda sua expectativa que os livros de autoajuda conspiraram para formar durante décadas em você como essa de um universo que conspira a nosso favor. Não. O universo não tem um acordo com você. 

Temos aqui o conceito de carma que precisa ser um pouco ajustado não para uma ideia de quem promove uma boa ação gera uma boa ação ou que uma má ação gere resultados nocivos para si. O que ocorre é que o fluxo das coisas no universo segue uma trajetória com vários fatores interveniente que não controlamos. É claro que uma boa ação, uma conduta honrada e digna lhe coloca numa trajetória em que as possibilidades de algo dar muito errado é bem reduzida, mas, lembre-se, isso não o torna jamais imune ao infortúnio. Afinal, ele atinge o ímpio e o justo, não é? O universo não barganha. Entenda sempre isso

Planeje e trace caminhos dignos, mas não espere receber o cordão da imunidade que lhe livrará de todos os males. Não. Não é assim que banda toca e entender isso é assumir que o bem que fazemos ou os planos que traçamos são nossos e não do universo. Quase 100% das boas ações e dos planos que fazemos ocorrem dentro da gente e não fora. E não queira que o mundo faça parte dos seus projetos, uma vez que, por mais que compartilhe com os outros, eles são, no fundo, só seus.

Somos só um humano vivendo dentro de um corpo humano em um universo com mais 7 bilhões de pessoas vivendo dentro de só um corpo humano cada um. Entendeu? Viu como é complicado se todo mundo tiver que ser cooptado pelos projetos alheios. Eu sei... É claro que existem projetos coletivos, mas por trás de todos os projetos coletivos há projetos individuais de existência. E isso não é ruim... isso é humano.

Dessa forma, planejar é uma maneira de gerir a sua existência com uma sensação mais segura (que não pode ser dispensada) de que algo segue sob controle, pois, o sentimento de estar feito pipa ao vento retira-nos a segurança e estabilidade emocional tornando-nos escravos do contexto (ainda vou falar sobre isso aqui). A zona de conforto é o nosso lugar de sonho. Apesar do discurso coach motivacional de que temos que sair da zona de conforto. A verdade é que praticamente ninguém quer largar seu emprego que o remunera justamente e lhe dá segurança para vender artesanato na rua… sem saber se o dinheiro que ganhou hoje paga o almoço de amanhã ou o lugar para dormir. O desconforto existencial, a incerteza absoluta (afinal tudo é de certa forma incerto) causam um desgaste absurdo no ser humano e reduzem a qualidade de vida. Pode ser romântico o largar tudo... mas são pouquíssimos que querem e menos ainda os que conseguem isso.

É claro que há exceções. Sim, elas existem. Mas de quantos estamos falando em 7 bilhões de pessoas? Convenhamos que essas exceções nem de longe configuram um mínimo padrão humano. O fato é que buscamos um certo controle de que nos próximos tempos teremos o que comer, onde dormir, onde ser tratado caso fiquemos doente, enfim, buscamos a zona de conforto para os próximos tempos mesmo sem saber se teremos os próximos tempos. Afinal não estamos no controle de quase nada… Lembra?

O que nos resta então? 

Resta localizarmo-nos no tempo em que estamos. No tempo da respiração, no tempo do batimento cardíaco, na pausa momentânea em que percebemos que estamos vivo. Coisa rara para a maioria das pessoas. Nesse momento, planejamos, desenhamos, avaliamos, mas depois de dada essa concessão, retornamos ao presente que, no final das contas, é a única coisa palpável que temos. Muitas pessoas vivem tanto no futuro que sofrem por coisas que talvez nunca venham a viver. Sofrem por um mundo que talvez nunca exista ou mesmo que nunca exista daquela forma.

Temos para nós, na verdade, um presente efêmero, quase imperceptível, fugaz, mas que verdadeiramente, é a única coisa que a vida nos permite acessar. Então... respire.

domingo, 28 de março de 2021

Escravos de nossas escolhas

O fato é que o caminho que nossa vida toma seja ele bem feliz ou uma desventura absoluta é resultado de nossas escolhas. (imagino que seja duro ler isso quando nessa altura da vida já encontramos todos os culpados que precisávamos para nos isentar de responsabilidade). É claro que, diferente do que querem alguns resumir a condição do homem ao meio em que ele cresceu e as regras da sociedade em que vive, uma reedição infantil do determinismo, somos sim, resultados de nossas escolhas e onde estamos é o resultado de um monte de caminhos que optamos.

O que, de forma alguma, descarta que as escolhas foram movidas por interferências do meio, do momento, de nossa criação, das pressões sociais, sim. Mas nossa história não deixa de ser resultante de uma escolha nossa. Dizer que não temos escolha é uma das maiores falácias do reducionismo comportamental. O que não estamos dispostos é bancar a opção preterida por inúmeros motivos, dano maior, desgaste, desinteresse, imediatismo etc.

Acontece que uma escolha cria cenários e momentos que acabam influenciando (eu disse influenciando e não determinando) nas outras escolhas que se seguem. Lembra da série Breaking Bad? Quem assistiu vai lembrar. As escolhas de Walter White começam a se interligar em contexto e relações. Em um momento, quando se espera que ele vá fazer um discurso de vitimismo do tipo fui impelido pelas circunstâncias, sou uma vítima do sistema, fiz isso porque envolvido em representações sociais que me impeliram a blá, blá, blá… Ele olha nos olhos de sua mulher e diz: sabe por que fiz isso? Por que eu quis. A seguir, ele explica porque ele quis.. item por item.

Mas aí é que está o nível de dignidade e lucidez do personagem. Ele assume as rédeas de sua história e diz: estou nesse lugar porque ele é o resultado de minhas escolhas que, por conseguinte, são o resultado do meu livre arbítrio. Ele poderia ter dito, eu fiz isso porque me sentia diminuído, fracassado, porque tinha câncer, porque queria dar uma vida de fartura a minha família… Mas não. Eu fiz isso porque eu quis. Eu fiz por mim. Assumir um certo egoísmo e a responsabilidade é de uma dignidade e hombridade quase divinas e extremamente raras.

É exatamente isso. Isso é assumir-se por completo e dizer que o seu destino (bom ou mal) é de alguma forma diretamente um resultado das suas escolhas. Onde você está é parte do caminho que você traçou até aí. Quem te traiu, te roubou, te prejudicou, tentou te destruir era parte desse caminho. Tem a cota de responsabilidade deles e você se tivesse escolhido outro caminho haveria outras pedras, não essas, mas outras. Não há caminhos sem pedras.

Todos travam uma batalha pessoal e, independente do caminho, haverá momentos de escolha e as escolhas nos direcionarão a um conjunto de escolhas em uma cadeia infinita que pode ser quebrada, mas obviamente não é simples. Nunca é fácil essa ruptura nem resolve o problema das pedras no caminho e em outras escolhas. Não existe saída desse Samsara, esse ciclo de morte, renascimento… e escolhas.

Sem receita de bolo, sem soluções mágicas, somente com a percepção de que não há como fazer dar certo, porque não existe o certo nesse caso. Há caminhos e encará-los como eles são e nos assumirmos como responsáveis por estarmos ali é a maneira mais saudável de doer menos. Sim. Sempre vai doer, a dor pertence ao mundo, mas nem sempre vai ser sofrido, porque isso já pertence a você. Doer vai, sofrer é você quem escolhe.


***

Hesitei em escrever esse texto porque de certa forma soa acintoso contra tudo aquilo que encontramos na nossa vida para colocar culpa e atribuir nossos fracassos. Inclusive os meus fracassos e os meus culpados devidamente eleitos e embasados em uma lógica impecável e pessoal.


domingo, 21 de março de 2021

O que te ofende de fato?

Existem, no mínimo, 3 EUs na gente que precisam afinar sua convivência: quem eu sou, quem eu penso que sou e quem as pessoas pensam que eu sou

Hoje, as pessoas alimentam as redes sociais com um marketing contínuo para fazer com que o terceiro EU adquira força, o quem pensam que sou. Esse EU é politicamente correto, socialmente engajado, sensível e que tem uma vida no instagram abençoda por Deus… O fato é que, atualmente, há uma conduta obsessiva em vender quem nós queremos que os outros pensem que somos. Isso não é uma crítica, é uma constatação. Afinal cada um sabe de si, cada um sabe onde o sapato aperta.

Mas tudo isso nasce no que pensamos que somos. Na verdade, a imagem que temos do que pensamos que somos. Não. Não somos necessariamente aquilo que queremos que os outros pensam que somos, aquilo é o marketing. Quando estamos conosco, normalmente, o dia todo, nos conhecemos além das postagens. Nas coisinhas do dia a dia, nos nossos atos, nossas decisões, nossas palavras nos mostram parte do que somos e parte do que pensamos que somos. Muitas vezes, violentamo-nos em nossas decisões para agradar os outros… É isso. Aquele ali é o que pensamos que somos. Não somos aquilo.. Aquilo é um misto do que pensamos e do que queremos que alimente aquilo que os outros pensam sobre nós.

No primeiro caso, pagamos um preço por viver um personagem para alimentar um EU fake para nós mesmos e em segundo perdemos a dimensão de que agindo nesse intuito não temos necessariamente o resultado que esperamos. Podemos nos "violentar" 99 vezes para alimentar nosso marketing, mas se falharmos (não atendermos a expectativa do outro) 1 vez, seremos julgados pela falha não pelo conjunto da obra. Diga 99 sim, mas não esqueça que o pode definir seu julgamento pelo outro será um Não que disse.

Costumo dizer que as pessoas só precisam de uma coisa para que você seja odiado, que você exista. Logo, não deixe que o que você pensa que é nem o que deseja que os outros pensem assumam o comando das decisões que movem sua vida. 

E lá no fundo da gaveta, está o EU que você é. Humano, demasiadamente humano que age de acordo com seus interesses, movido por seus anseios (muitas vezes causando repulsa e repreensão dos outros EUs)... Esse EU nada tem a ver com o conceito freudiano de ID. É só um EU legítimo, porém sociável, mas cheio de defeitos, que te critica, que te ofende, que deprime, que o faz se sentir ora fracassado, ora um Deus… Esse Eu é o seu maior amigo e o maior cruel inimigo... esse eu é você mesmo. 

A dor que temos quando nos ofendem chamando de inconsequente, irresponsável, limitado, desonesto, provém muito mais do arranhão que causam nos outros dois EUs do que nesse terceiro, que chamaremos de o EU de FATO. Esse, ouve, ignora quando é mentira ou se cala quando é verdade como se alguém lhe anunciasse o óbvio. A ofensa só reverbera quando ameaça os EUs que vendemos aos outros, inclusive a nós mesmos porque temos medo que mais pessoas (inclusive nós) se convençam daquilo com que nos atacam e desconstruam o que construímos todos os dias com atitudes que contradizem nossos desejos ou com toneladas de fotos nas redes sociais. Anos e anos e trabalho montando um outdoor do que queremos que vejam… Aí vem a indignação com a ofensa e muitas vezes gastamos tempo de vida contra-argumentando com uma pessoa que sabemos não ter o menor controle do que ela  (nem ninguém) pensa sobre nós… podemos falar dias e dias que, se ele não quiser acreditar, vai continuar na mesma. E nós? Bem… Nós perdemos tempo de vida com absolutamente nada e para nada… porque, muitas vezes, sabemos (lá no fundo) que ficamos procurando argumentos para demonstrar o que sabemos não ser verdade mesmo.

O EU de FATO não se ofende nunca porque ele sabe realmente quem somos e que as críticas se dividem entre o óbvio e a calúnia. Ambos inócuos no papel de construir o que de fato ele é.  

A grande busca consiste em encontrar esse EU de FATO, sentar com ele e o assumir com todos os defeitos e qualidade que ele tem, ouvir o que tem a dizer e se aceitar como um ser cheio de imperfeições e que realmente não possui controle sobre o que vão pensar de si independente de o que quer que se faça. 

A grande viagem nossa se dá para dentro de nós. Que se torne um hábito sentar para tomar um café com nosso EU de FATO e entender um pouquinho mais desse que mora dentro de nós e nos faz humano.. demasiadamente humano. Menos escravos do pensar alheio, mais íntegros e verdadeiros.

 

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Acumuladores de coisas, de histórias e de si mesmo

Existe um grande embate quando falamos em lidar com pessoas acumuladoras. Eles são chamados de loucos, sem noção, materialistas, enfim, batem pesado naqueles que têm dificuldade de se desfazer de objetos adquiridos. Mas antes de qualquer coisa, é importante entender o que é um acumulador, porque ele acumula e como ajudar a pessoa que sofre desse distúrbio. Sim.. é um distúrbio comportamental.

De uma forma ou de outra, acumulador, todos somos um pouco. Guardamos fotos, objetos etc porque coisas são mais do que coisas, são narrativas e, nós, humanos somos feitos de carne, osso e narrativas. Somos todos uma história contada a partir de diversas histórias. Os objetos entram na nossa vida junto com histórias que os trouxeram até nós. A história de cada um deles se agrega a nossa fazendo a grande narrativa que nós somos. O problema é quando não percebemos mais o que é história, o que é objeto, o que somos nós... 

Quando o foco da vida sai do presente e se ancora no que vivemos, objetos e narrativas se integram na mesma coisa, que somos nós. Desfazer-se de um objeto é desfazer-se de uma história que é parte do que você é. É como se fosse abrir mão de um pedaço de si mesmo, um dedo, um braço… e deixar de ser alguém inteiro fisicamente. No caso, psicologicamente. O acumulador vê  a perda do objeto como uma amputação. E acreditem, dói nele.

Primeiro, é importante entender que as pessoas são o que são e lidar com elas é único caminho da convivência saudável. É muito provável que um acumulador de verdade não mude nunca diante do drama psicológico de não conseguir dissociar o que é ele dos objetos. Você não vai conseguir dissociá-lo da história que ele construiu, mas conseguirá fazer com que a partir do momento em que você entrou na vida da pessoa, o que existe de relevante não está nas coisas adquiridas, mas nas histórias vividas e que, mesmo que a coisa se vá, as histórias ficam.

Isso costuma funcionar? Não. Mas vale tentar. Não existe receita de bolo para lidar com as pessoas. As pessoas são o que são e nossa grande frustração pode ser a eterna luta entre isso e o que queríamos que elas fossem. Por mais que sejam boas as nossas intenções, a vida é um eterno aceitar o real (e lidar com ele) ou sofrer com o ideal (e frustrar-se). 

Ficou frustado em chegar até aqui e ver que não dei uma receita de bolo para lidar com o acumulador? Pois é… Viver é assim, não existe manual, seguimos em um voo cego, sem plano de voo num avião que não sabemos quanto de combustível ainda tem.


sábado, 30 de janeiro de 2021

Eu, na promoção

As redes sociais não trouxeram nenhuma novidade quando se trata das carências ou das mazelas humanas (como queiram chamar...). Elas só amplificaram o que sempre existiu. Aquele cara que gostava de contar vantagens em rodas de amigos, mostrar como era feliz e bem sucedido ainda existe, só que dessa vez, ele só precisa postar. Não precisam marcar um churrasco. Ele não precisa mais nos encontrar para fazer seu marketing. E isso, penso eu, poupa-nos da convivência. Gosto disso...

Entretanto, as pessoas, hoje em dia, sentem uma necessidade absurda de fazer da sua rede social uma vitrine onde se colocam como produto mais bem sucedido (férias em praia, resorts, corpos malhados, dirigindo carros etc), como o melhor exemplo da evolução humana (pessoas comprometidas com causas, que se doem com a dor do outro o tempo todo...) Vendem-se como um espírito em um nível de evolução que Chico Xavier olharia e pensaria: quando crescer quero ser igual a esse cara

O problema é que, em um mundo em que impera a obrigatoriedade do sucesso e do politicamente correto, para ser do bem o tempo todo, o caminho mais curto (e, às vezes, único) é convencer os outros disso. Certa vez, eu li que o que vale não é o que somos, mas o que as pessoas pensam que somos. Essas pessoas acreditam nisso mesmo e tem um monte de gente que conhecemos bem pessoalmente, mas quando olhamos sua rede social pensamos: gente, será a mesma pessoa? Dá vontade de dizer: olha não quero mais ser seu amigo real, quero ser amigo virtual só do seu perfil na rede social.

Não há mal nenhum postar sua vida nas redes socais e dizer como você é bem sucedido, consciente e do bem. Postar algo que te faz feliz é bem legal. O problema acontece quando as redes sociais se tornam um alter ego seu, aquilo que você queria ser ou ao menos, aquilo que você queria que os outros acreditassem que você é. As postagens se tornam repetitivas e diárias e acabam despertando a inveja dos que não te conhecem bem e, muitas vezes, o sentimento de tentativa engodo para os que te conhecem bem.

Somos humanos, demasiadamente humanos. Lotados de defeitos com respingos de algumas qualidades que nem de longe disfarçam nossa imperfeição inata. O marketing de teclado alivia esse sentimento, mas a realidade nos obriga a conviver com ele. Não sei mesmo até que ponto eu quero conviver com o que queria ser para não ter que conviver o que sou. Acho menos desgastante (mas não menos dolorido) lidar com o que sou do que despender vital energia para manter uma imagem do que queria ser. O fato é que a maioria das pessoas não se dá conta disso. Mas tudo bem também... E la nave va... 

Fecho com a Zélia Duncan na música Carne e Osso: "Perfeição demais me agita os instintos / Quem se diz muito perfeito / Na certa encontrou um jeito insosso / Pra não ser de carne e osso, pra não ser." Demorei quase meio século para me habituar a conviver com quem eu sou, embora ainda descubra facetas novas a cada dia e, agora não abro mão disso.

Até porque, nem se quisesse conseguiria abrir mão... O que somos é a única coisa que levamos até para o túmulo.

 

domingo, 20 de setembro de 2020

Aonde quer que você vá, é lá que você vai estar

Recentemente, terminei de ler um livro cujo autor se chama Jon Kabat-Zinn, um professor americano de medicina genial que trabalhou a vida toda com os efeitos da meditação nas pessoas. O livro se chamava "Aonde quer que você vá, é lá que você vai estar" e trata sobre o equilíbrio a ser cultivado em nós mesmos porque afinal de contas, ele te acompanha a todos os lugares. Se você se sente em paz em um mosteiro no Tibet, é provável que você se sinta em paz em uma praça de alimentação de um shopping. Pois é, a paz é algo que você carrega com você e precisa cultivar todos os dias e não uma sensação que pertence a um lugar.
Se você só encontra paz em um mosteiro isolado do mundo, não vejo diferença disso e de tomar Rivotril, a paz não está em você, está fora.
Outra dia, vi uma discussão em um grupo que participo de internet em que as pessoas expressavam o desejo de mudar de cidade, emprego, convívio com os amigos e construir uma nova vida. Ou seja, resetar e reiniciar o sistema porque o atual está dando problemas. Não gosto de comentar, mas achei que poderia contribuir de alguma forma com o raciocínio deles e assim o fiz. 
Na verdade, as dores realmente estão nos lugares em que estamos e nos lembram o sofrimento por sua constante presença. Olhar o que te causa sofrimento é reviver o que te faz sofrer, mas tem um lado positivo nisso tudo: com o passar do tempo, a exposição àquilo que te faz sofrer banaliza o fato e já não incomoda mais, ou melhor, te incomoda cada vez menos.
Fugir do lugar para não conviver com aquilo que te lembra a dor até faz sentido, mas pensar que isso te permite fugir do sofrimento é uma ilusão, pois este se encontra dentro de você e não no lugar. Você pode mudar para o Japão para não conviver mais com pessoas ou lugares que te feriram e fizeram sofrer, mas, no fundo, aquela história vai repousar dentro de você e, eventualmente, seus monstros vão te visitar em portas, persianas ou janelas que deixamos abertas na alma. 
A realidade é que precisamos aprender a lidar com nossos fantasmas, com nossos sofrimentos, deixando claro a eles que são só sofrimentos, que pertencem a um passado (que não temos mais como mudar) ou a um futuro (sobre o qual não temos controle). Todas as dores são partes de nós, porque são coisas que nos fizeram ser quem somos.  É impossível destruí-las sem nos destruir.
O desejo de fuga é normal e vem, muitas vezes, com a bebida, drogas, mudando de país, mas o único resultado certo que temos nesse tabuleiro tão complexo que é a vida é que podemos fugir de tudo e de todos, menos de nós mesmos e de nossa história. 


quarta-feira, 2 de setembro de 2020

O ímpio, o justo e o chato ressentido

Uma vez eu li em algum lugar que o infortúnio atinge o ímpio e o justo. Na verdade, não faz mesmo sentido questionarmos por que uma pessoa boa ou má sobre um infortúnio. No caso do bom, vemos como uma injustiça (ou uma provação), no caso do mau, vemos como um castigo. Entretanto, quando "essas regras" são violadas e alguém ruim é beneficiado com algo e alguém bom é penalizado com um infortúnio questionamos as coisas como se houvesse um acordo nosso com o universo. 

A sabedoria popular vem com as pérolas de "vaso ruim" não quebra ou "era tão bom que Deus o chamou para o seu lado.... Mas precisava dar um câncer para trazer o cara bom para seu lado... Penso se Deus não teria métodos mais suaves. De repente até convocar, na boa.. Quem se negaria a um pedido de Deus... não precisava do câncer.

Mas piadas a parte, o fato é que vaso ruim quebra sim, assim como o vaso bom. As coisas na vida atendem a uma aleatoriedade absoluta. Claro, se você passou a vida fumando e bebendo para caramba, problemas de fígado e pulmão no fim da existência podem ser uma possibilidade a se considerar. Salvo isso, aceite que você está na mão do palhaço. Ter saúde, ser feliz, ter uma família, ser honesto, justo, dedicado, leal não te eximem da possibilidade de escorregar em casa cair de mal jeito e ficar tetraplégico.

Ou então, Deus olhar e falar: Olha, esse cara é tão justo leal, honesto... estou precisando aumentar meu staff com gente assim... então... estava pensando numas coisas aqui.... só não decidi ainda se vai ser no sangue, na próstata ou no cérebro... 

Assim como o que é  cara traficante, bandido, adúltero, desonesto, assassino, mentiroso pode viver até os 100 anos gozando de plena saúde, em sua família e com dinheiro. 

É isso... não devemos associar nossa conduta a nenhum infortúnio que nos atinja, nem a ausência deles. A vida é uma sequência de fatos relativamente controláveis e as nossas ações devem ser focadas em sermos pessoas melhores para nós mesmos. Uma espécie de egoísmo do bem... faço porque é certo e me faz bem. Nesse sentido, sua maior recompensa chega imediatamente a sua ação. Estar bem... 

Quando assinamos promissórias com a vida na espera de benefício alimentamos frustrações e nos tornamos eternos "chatos ressentidos" com acordos tácitos que não foram feitos. 

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Mendigo Fashion week.. moda é uma coisa louca

Moda é uma coisa louca.
Precisei comprar uma calça tempos atrás, e a moça da loja me ofereceu uma toda rasgada, desbotada... parecia que tinha sido utilizada por vários mendigos durante anos e um dia eles disseram: gente, não dá mais para sair com essa roupa. Vamos largar aqui na porta dessa loja (se bem que mendigo não sai, ele já está lá e nem sei como dizer isso), mas enfim... Era uma roupa ruim até para ficar debaixo da marquise.
Sim.. eu seu que entrego minha idade quando me refiro á atendente como moça... Então, não gostei da calça. E disse:
- Moça, eu vim comprar uma calça nova exatamente porque a que eu tenho em casa não está em boas condições, mas garanto que está melhor do que essa...

Ela riu. E eu completei...
- quando eu era criança, minha mãe não deixaria eu sair com uma calça dessa nunca e ainda iria dizer "não vai sair assim, o que vão pensar da sua mãe? que ela deixa os filhos saírem por aí igual ao um mendigo?"
E algum mendigo diria: O senhor não tem uma calça melhorzinha pra doar?

domingo, 31 de maio de 2020

Nossas mentiras de cada dia... quais são as suas preferidas?

Mentir é feio? Sim, é. Mas uma pessoa mente diversas vezes por dia e milhões de vezes na vida. E por que o mundo não fica um caos com tanta mentira? Simples. 99% das mentiras são absolutamente inócuas e não afetam em nada a história como um todo. Entenda isso.... ouça esse podcast e deixe seu comentário.


sábado, 5 de março de 2016

Vampiros nas redes sociais

Há muitos anos, li sobre vampiros em um artigo de uma revista enquanto esperava em um consultório para ser atendido. Obviamente, não se tratava de sugadores de sangue noturnos das histórias. Era uma reportagem superficial que falava de pessoas que se alimentam da energia dos outros e nem se dão conta da vampirização que fazem. Procurei ler mais sobre o assunto depois daquele dia e comecei a perceber que, realmente, há pessoas que se alimentam da  nossa energia. 
Já percebeu que há pessoas que lhe causam intenso cansaço co breves períodos de convivência? Conversar com elas por 20 minutos equivale a horas de conversa pesada, tensa e terminamos como quem correu uma maratona?

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Historietas banais - a bolsa das ideias

Entra um homem em uma fila pequena. Aguarda e chega sua vez. Um atendente anotando em um papel lhe pergunta:

- Em que posso ajudar?

[homem cheio de boas ideias]
- Tenho grandes e boas ideias para buscar o bem comum ? Sei os caminhos as fórmulas para um tudo melhor.

Atendente
- E o que você já fez pelo bem comum?

[homem cheio de boas ideias]
- Ainda nada, ou só o pouco que esteve ao meu alcance, mas pretendo fazer se me derem essa oportunidade. Responde levemente envergonhado, mas firme.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Tretas no Face: um espelho da nossa vaidade

A medida da certeza das nossas ideias é proporcional ao desinteresse que temos de convencer os outros de que estamos certos. Explico. Quanto mais eu tenho certeza de alguma coisa e essa alguma coisa está bem resolvida na minha cabeça, todo discurso de convencimento é uma perda de tempo, ainda mais quando a outra pessoa não está disposta a ouvir (entenda ouvir como parar, pensar, relacionar, entender...)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Vida é curta para coisas diets

Sabe o que significa a frase Carpe Diem, de Horácio? Acho que todo mundo sabe. “Aproveite o dia”. Digo que sou de uma geração que, tendo sido obrigada a assistir ao filme Sociedade dos Poetas Mortos, aprendeu cedo. A ideia do poeta é aproveitar o dia. Mas o conceito é bem vago, uma vez que aproveitar é algo relativo. Alguns podem considerar aproveitar ao máximo, se entupir de alguma substância tóxica e ficar loucaço, outros, comendo desesperadamente, dormindo o tempo todo e não fazer nada. Mas isso não é aproveitar, isso é hedonismo destrutivo.