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domingo, 17 de agosto de 2025

A caneta do presidente

 

As coisas são sempre vazias por sua natureza. Nós atribuímos essência a elas, inclusive as dores que permitimos nos impingir. Se Jorge compra uma caneta que foi usada por Getúlio Vargas, ele coloca em uma caixa de vidro em sua sala e mostra aos seus amigos. Os amigos ficariam impressionados porque Jorge pagou 20 mil reais pela caneta, mas entenderiam que, afinal, não era uma caneta simples, mas uma caneta que pertenceu a Getúlio Vargas (com certificado e tudo mais). Foi uma bagatela sair por 20 mil reais naquele leilão on line.

Numa tarde qualquer, aparece na televisão um homem que foi preso com uma caixa com mais de 100 canetas que eram atribuídas a celebridades (entre elas Getúlio). Mas que, na verdade, vinham do Paraguai. Iguais à caneta de Jorge. Com certificado de originalidade e tudo. Frustrado, ele quebra o vidro da caixa que guardava a caneta e a joga no chão. 

A caneta continuaria a ser de Getulio Vargas se Jorge não tivesse visto ou tomado conhecimento daquela reportagem. 

O fato é que atribuímos essências às coisas em um universo do não ser. A caneta é e não é de Getúlio Vargas. Depende do momento em que olhamos: antes da relevação e depois da revelação.

As coisas não são nada além de coisas e a nós cabe a atribuição de essências que muitas vezes, assim como a caneta histórica, nada mais são do que uma coisa que acreditamos que seja diferenciada baseada em nossas experiências e valores. 

Remover a essência das coisas e a forma mais plena de experienciarmos o vazio e atribuir a ele a nossa real vivência que, quando muito, dura o tempo que se estende. Enfim, é plena enquanto dura. 

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Acumuladores de coisas, de histórias e de si mesmo

Existe um grande embate quando falamos em lidar com pessoas acumuladoras. Eles são chamados de loucos, sem noção, materialistas, enfim, batem pesado naqueles que têm dificuldade de se desfazer de objetos adquiridos. Mas antes de qualquer coisa, é importante entender o que é um acumulador, porque ele acumula e como ajudar a pessoa que sofre desse distúrbio. Sim.. é um distúrbio comportamental.

De uma forma ou de outra, acumulador, todos somos um pouco. Guardamos fotos, objetos etc porque coisas são mais do que coisas, são narrativas e, nós, humanos somos feitos de carne, osso e narrativas. Somos todos uma história contada a partir de diversas histórias. Os objetos entram na nossa vida junto com histórias que os trouxeram até nós. A história de cada um deles se agrega a nossa fazendo a grande narrativa que nós somos. O problema é quando não percebemos mais o que é história, o que é objeto, o que somos nós... 

Quando o foco da vida sai do presente e se ancora no que vivemos, objetos e narrativas se integram na mesma coisa, que somos nós. Desfazer-se de um objeto é desfazer-se de uma história que é parte do que você é. É como se fosse abrir mão de um pedaço de si mesmo, um dedo, um braço… e deixar de ser alguém inteiro fisicamente. No caso, psicologicamente. O acumulador vê  a perda do objeto como uma amputação. E acreditem, dói nele.

Primeiro, é importante entender que as pessoas são o que são e lidar com elas é único caminho da convivência saudável. É muito provável que um acumulador de verdade não mude nunca diante do drama psicológico de não conseguir dissociar o que é ele dos objetos. Você não vai conseguir dissociá-lo da história que ele construiu, mas conseguirá fazer com que a partir do momento em que você entrou na vida da pessoa, o que existe de relevante não está nas coisas adquiridas, mas nas histórias vividas e que, mesmo que a coisa se vá, as histórias ficam.

Isso costuma funcionar? Não. Mas vale tentar. Não existe receita de bolo para lidar com as pessoas. As pessoas são o que são e nossa grande frustração pode ser a eterna luta entre isso e o que queríamos que elas fossem. Por mais que sejam boas as nossas intenções, a vida é um eterno aceitar o real (e lidar com ele) ou sofrer com o ideal (e frustrar-se). 

Ficou frustado em chegar até aqui e ver que não dei uma receita de bolo para lidar com o acumulador? Pois é… Viver é assim, não existe manual, seguimos em um voo cego, sem plano de voo num avião que não sabemos quanto de combustível ainda tem.