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domingo, 14 de março de 2021

Uma desculpa para chamar de sua

Outro dia, quando estacionei o carro na rua, um rapaz todo arrumadinho se aproximou com um isopor cheio de bombons e disse: bom dia, o senhor quer comprar um bombom que eu faço. Pode provar um, se não gostar não paga. Normalmente, na pressa e correria que vou à rua, digo "não, obrigado. Estou sem trocado." E, normalmente, estou mesmo porque pago tudo com cartão e ando com muito pouco dinheiro em espécie. Mas nesse, por alguma razão, tinha dinheiro em mãos e comprei 3 por 5 reais. Ele agradeceu e se foi para o próximo cliente em potencial.

Por uns instantes, viajei na ideia de que aquele bombom na minha mão era o símbolo da ruptura da inércia de uma pessoa. A verdade é que 99% das pessoas, diante de uma situação financeira precária se preocupa mais em arrumar uma desculpa do que uma solução. Obviamente, uma desculpa que as coloque como vítimas, uma vez que ser vítima é a posição mais cômoda em que se pode estar. Ou seja, tudo que acontece de ruim comigo é culpa dos outros, afinal, como dizia Sartre "o inferno são os outros". 

O fato é que aquele rapaz, um dia, aprendeu a fazer bombom, comprou os ingredientes, fez de véspera, colocou na geladeira… No dia seguinte, colocou no isopor frio, se arrumou e passou o dia oferecendo, oferecendo, oferecendo... Ouvindo não, sim, eventualmente, alguma indelicadeza. E na sua bolsa, muitas vezes mais cheias de não do que de sim, volta para casa o dinheiro que o mantém, paga suas contas e preserva sua dignidade. 

O problema é que a maioria das pessoas sonha com a maldita desculpa e, nisso, culpa o governo, a economia, a pandemia, o mercado local, a falta de sorte, a impossibilidade pessoal, algum parente que deveria ajudar porque está em melhor situação, culpa o clima, o passado…. Enfim, culpa tudo para justificar porque não rompe sua inércia.

Em casa, comi o bombom e pensava nisso. Aquele cara conseguiu romper as correntes que mantém milhões de pessoas presas na caverna do vitimismo. Ele se tornou protagonista da sua própria vida. Fala-se tanto em empoderamento atualmente, mas são muito poucas as pessoas que conseguem se empoderar do próprio destino… Preferem seguir de pipa voada botando culpa no vento de onde caem.

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Sim. O bombom era muito gostoso.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Sobrando de vítima das circunstâncias

É lógico que ninguém em sã consciência quer ser vítima de alguma coisa. Ninguém deseja adoecer, ser excluído, roubado, humilhado ou outra coisa que o exponha, limite e o diminua como pessoa. Isso é fato (Pode haver alguém que force a situação para ser agredido só para tirar benefícios da sua condição de vítima. Não acho impossível, mas acho pouco comum esse comportamento).

Mas a verdade é que, em algum momento da vida, Todos nós nos beneficiamos de sermos vítimas de alguma coisa deixando vazar aquele canalha que mora lá dentro de nós humanos. Sim... somos humanos, demasiadamente humanos e invocar para si a santidade e negar nossa essência de seres imperfeitos me parece uma das maiores canalhices que podemos demonstrar de nossa humanidade.

Pois então... quem nunca exagerou um sintoma de doença (normalmente dor de barriga) para não ir à aula? Quem nunca contou uma história que omite as razões e foca nas consequências que nos colocam como vítimas? Quem nunca invocou para si um direito ou benefício pela simples razão de ter sido vítima de algo? Quem nunca bateu no peito e disse que, na condição de vítima (sic) só queria o que lhe era de direito esquecendo que direito é um conceito legal e não necessariamente moral. 

Se fosse o direito um conceito essencialmente moral e não somente legal, homens como Hitler, Mussolini, Stalin e outros não poderiam ter feito metade das barbaridades que fizeram embasados por um "estado de direito" na época.

Então, existe uma tênue linha em que a vítima de fato migra para a vítima profissional, um gestor de oportunidades, ou seja, o oportunista, obtendo a piedade e benefício de ter sido vítima de algo. Nesse caso, existem dois benefícios, o benefício imediato e o benefício perene. Este constrói uma imagem de alguém quase inimputável, pois é um ser passivo de todo o universo, não se compromete porque não há ações dele, mas sobre ele, aquele porque pode reivindicar um benefício imediato em razão de sua passividade diante dos fatos.

É isso. Ser "vítima" tem um lado lucrativo que algumas pessoas exploram ao limite (ou passam dele) deixando o canalha que habita dentro de cada um nós vir a tona e assumir o controle.  Penso que uma sociedade que se propõe a combater tantos -ismos teria que colocar todos na mesa, não só os que lhes interessam ao marketing pessoal.

Atenção, este texto não tem exemplos. Isso fica por conta de cada leitor refletir. Não quis apontar dedos até porque, se tivesse tivesse que apontar começaria por nós dois... afinal, seguimos sendo humanos, demasiadamente humanos. Nada estranho....