terça-feira, 22 de maio de 2012

Bach, as estradas para a criação


Existem homens que conseguiram um canal com a criação, com o infinito, com a espiritualidade ou seja lá qual é o nome que se venha a dar a um nível existencial que vai além da matéria e que ultrapassa o tempo e o espaço. Eles não precisam orar, pedir, agradecer, porque sua criatividade produzia obras que abriam um canal, com se fosse uma via alternativa para conhecer o paraíso.
No momento em que escrevo essas linhas, ouço as variações Goldberg, de Bach que me inspira e me eleva. Nessa hora, penso no que move o espírito para criar um conjunto de sons que tem o poder de entrar nos seus ouvidos e atingir o coração com o efeito de uma droga que congela o tempo, que quebra o espaço que desprende a alma e, por uns instantes, nos integra de uma forma indissociável ao universo. Que magia é essa?
Assisti recentemente a um filme chamado o silêncio que antecede Bach e vi cenas de pessoas executando obras desse compositor em todos os lugares, com um gaita em um caminhão ou mesmo com uma orquestra de violoncelos dentro do metro. 
Tenho para mim que o violoncelo é o instrumento dos anjos e quando eles se apresentam nas orquestras do céu, ocorre um minuto de silêncio em respeito ao que virá na primeira descida do arco junto as cordas. Esse é o silêncio que antecede a eternidade.
Lamento que as escolas, no geral reduto controverso da "educação", não apresente essas vias para o aluno que acaba tendo sua formação intelectual ocupada por MCs e DJs de todo o gênero com seu bate-estaca tribal...
Constato que a junk music, ou música lixo, não é uma opção. É o lugar que a cultura deixou vazio e a educação tradicional conseguiu preencher. E, enquanto este lugar não for preenchido, as pessoas continuaram querendo tchu, querendo tcha e achando que a avó está maluca porque comprou uma peruca. 
Como diz a garotada hoje, “na boa, véi, que merda é essa?!”

sábado, 19 de maio de 2012

Memórias de um idiota confesso


Durante muito tempo na vida, achei que trabalhar de segunda de manhã até as 18 horas de sábado era motivo de vangloriar-se. Contava isso com o peito cheio de orgulho e completava com coisas do tipo “não tenho tempo nem para almoçar, engulo qualquer coisa e pronto”. Sentia imensa satisfação em relatar que atendia mais de 20 telefonemas por dia e me faltava tempo para ir ao banheiro. (Ah... isso me rendeu problemas nos rins que tive que vir a tratar depois.)
Achava o máximo olhar uma agenda lotada e terminar o dia com ela mais lotada ainda. Num ato de extremo desprendimento em nome do comprometimento profissional, dizia que mal via a meus filhos durante a semana... E isso era o discurso daquele que se sacrifica em nome do conforto (entenda dinheiro) para família.
Um dia alinhei os baldes e saí chutando. Comecei a bater de frente com tudo que me violentava e com todas as conivências com as quais não mais estava disposto a conviver. Era uma maneira de interromper esse processo, pois como uma droga, eu já não conseguia mais largar. O resto se deu naturalmente.
Aprendi a duras penas que sacrifícios precisam de objetivos, que discursos servem para nos enaltecer e expressar uma abnegação que não temos, que objetivos nobres são desvirtuados por quem manipula aqueles que acreditam e, por fim, tudo que é ruim, tudo que te destroi, tudo e todos que representam um freio em sua evolução como ser humano precisam ser expurgados, extraídos.
Assim como o são os tumores. Não existe cirurgia sem dor, sem pós-operatório, sem resquícios... mas precisa ser feito.
Quando ouço alguém com o mesmo discurso que eu sustentava há uns anos atrás sempre penso:
- Seria tão bom se ele se livrasse dos seus tumores.
Mas só o tempo dá a cada um a dimensão de suas mazelas... só tempo.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O peso da autoridade moral


Uma autoridade moral

Sempre senti falta de uma autoridade moral em ambientes sociais como trabalho, comunidade religiosa, escola, enfim, no convívio externo ao lar. Autoridade moral é aquela que se constrói em uma carreira, em uma vida, pedra por pedra erguendo uma imensa estrutura sem uma mácula. Constatei cedo que em meio que há disputa de poder e dinheiro isso é muito difícil, mas, espero eu, não impossível.
Uma autoridade concedida por força da lei ou de conchavos é sempre olhada com desdém e desconfiança. Ao deixar o cargo, torna-se alvo das pedras que guardavam caprichosamente para ela. Já a autoridade moral não. Ela inspira e conquista o respeito não pelo que se lhe foi atribuído, mas pelo que ela é.
Muitas vezes, vejo pessoas dizerem que eram só humanos e não santos, daí os desvios. Esse argumento é fraco, pois ninguém esperava dele(a) santidade, mas dignidade no exercício que a vida lhe incumbiu. Isso é o mínimo.
Conviver com essa hipocrisia é uma arte da tolerância das mazelas humana. Suportar o discurso de honestidade da boca de quem faz acordo para roubar; apertar as mãos de que as usa para apropriar-se do que não lhe pertence; sorrir simpático para quem lhe vê como uma presa a ser devorada, um otário em potencial... isso sim, trata-se do exercício da tolerância com tudo de ruim que os outros nos têm para oferecer.
O grande desafio é mais do que tolerar, é não devolver na mesma moeda para que um dia pessoas não tenham que tolerar nossa convivência.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

A origem - episódio III - O ciúme


Outro dia, eu dirigia e pensava em dramas da literatura como Otelo e mesmo Dom Casmurro. Pensava em qual seria a origem do ciúme lembrando dos célebres casos que vimos na arte. Ocorreu-me, então, a ideia do sentimento de posse. O(a) ciumento(a) tem dificuldade de aceitar-se como alguém digno(a) de com quem está. Considera sempre a possibilidade de perda no minuto seguinte, pois qualquer um que se aproxime será muito melhor do que ele(a).
A partir daí, coisifica-se o ser amado para assumir a posse como de um terreno, uma vez que sobre o objeto se tem o controle total de sua vontade, afinal, objetos não tem vontade própria. Quem tem vontade é o dono do objeto que com ele faz o que quer, mima, cuida, limpa ou destrói. 
Daí surge o problema, o direito de destruição que temos sobre o nosso carro ou sobre o nosso celular passar a ser o mesmo que temos sobre o o outro, o direito de nos desfazer dele destruindo-o. Com base nisso, até metade do século, muitos crimes eram entendidos como crimes contra a honra, pois o indivíduos tinham direito de reagir ao assédio ao patrimônio como reage ao assédio de sua propriedade, seu carro enfim, alguma coisa.
Mais uma vez, temos um sentimento que nasce na baixa autoestima, na certeza de que qualquer coisa no universo é melhor do que ele(a) e a sensação de que quem está em sua companhia o faz por piedade e compaixão, sempre à espera de uma coisa melhor. Na cabeça da pessoa que sofre desse mal, qualquer coisa que aparecer.
E o pior é que com uma pessoa com essa autoestima corre o risco de não ser só uma sensação, mas uma situação bem provável a de que apareça algo melhor para o outro.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Nada mais do que sua obrigação


Uma das frases mais eficientes para matar qualquer boa vontade futura é essa: não fez mais do que a obrigação (normalmente, falada às escondidas após o favor prestado). Muitas vezes, esquecemos que ainda que seja obrigação é algo que poderia não ser feito e nos deixar numa situação complicada. 
Há ainda outro fator agravante. A ideia de obrigação envolve desde o conceito de função profissional até a tênue ideia de gratidão (ou suposta gratidão que deveria existir por algo feito com interesse de retorno). Um funcionário público que o atende e demonstra interesse em resolver o seu problema cumpre sua obrigação até o momento em que ele o atende. A parte do interesse dele deve ser vista como o excedente da obrigação, afinal, o problema é seu, não dele.
O colega que lhe presta um favor está excedendo a sua obrigação ainda que você tenha salvo sua vida de terríveis dragões assassinos que o cercaram em uma esquina escura. Lembre-se, a função de seu colega não é prestar favores, nem a sua de salvar pessoas de dragões assassinos que existem em todas as esquinas.
O grande mal das pessoas é fazer e usar tudo como moeda de troca. A partir daí, decorrem as decepções e desentendimentos. Frases do tipo “eu fiz tudo por fulano e quando precisei ele me negou ajuda”. Pois é.. é exatamente isso. Avisasse então, olha, estou lhe fazendo esse favor e ele equivale a X, por isso, faça o favor, assine essa promissória, quando você quitar eu dou baixa.
Não conte nunca com a consciência humana. Faça as coisa pela sua consciência e você vai se poupar muitas decepções desnecessárias.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Das coisas que eu falo e das que você entende


Existe um universo de informações e "verdades" entre o que eu falo e o que você compreende. Quisera eu que tudo que eu dissesse chegasse a você como realmente o foi dito. Mas não é assim. 
As pessoas entendem as coisas como querem e, muitas vezes, como sua próprias mazelas psicológicas a levam a entender. Certa vez, vi uma mulher fazer um discurso panfletário sobre o racismo porque um dia, ela estava em uma festa, e um convidado perguntou a ela onde pegava uma bebida. Ela, mulher, negra, ex-favelada (e muito complexada disso tudo). Ficou irritada, pois entendeu que o homem tinha dezenas de pessoas para solicitar a informação, mas perguntou para ela só para humilhá-la. Hã.. Como assim? Não foram dados mais detalhes, mas creio que se houvesse algum que justificasse sua argumentação ela os teria dado e enfatizado ao extremo. O fato é que ela não percebeu que o preconceito, o complexo de inferioridade, os recalques, as neuroses e até mesmo a agressividade estavam todos com ela.
Esse é um exemplo de com o o sentido se constrói no indivíduo e quanto mais “doente” o indivíduo, mais torto o sentido. É como se fosse uma luz que passa por uma lente que quanto mais deformada, mais altera as imagens. 
Isso não nos isenta de tomar cuidado como o que falamos e com quem falamos, mas nos libera de nos estressarmos com a insanidade do outro. Se distorcem o que você fala, vão distorcer o que qualquer pessoa fala. O problema é com você naquele momento, mas o cara que deturpa o que ouve é um problema para ele, para a vida toda.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Maltrapilhos wear - um jeito mendigo de ser


Entrei em uma loja de roupa outro dia para comprar uma calça nova. (Mulheres, aprendam uma coisa: lojas de roupas são as coisas menos atraentes que um homem pode desejar estar). A vendedora, como praxe, trouxe um monte de calças e 90% delas me fariam parecer um tiozão completemente sem noção, daqueles que o pessoal olha e pensa: caraca, ó o tiozão sem noção! Ridículo..
Na pilha de calças, havia uns modelos que vinham cheias de bolsos, outras cheias de detalhes... mas o que me chamou a atenção foram as calças do Maltrapilho’s Fashion Week. As pessoas compram calças que já vem de fábrica rasgadas, esfoladas, desbotadas, gastas, com imitação de sujeira. E pensar que eu estava ali para comprar uma calça exatamente porque as minhas calças em casa estavam quase naquele estado deplorável. 
A vendedora me passou o preço delas e era tudo na base de 90 a 150 reais... uma calça normal custava uns 60, daquelas sem rasgo, sem sujeira simulada, sem esfolado...
- Eu queria calças normais. Eu disse à vendedora. E fiquei pensando se eu trouxesse uma das minhas calças usadas não dava para trocar por umas novas e ainda saia com um dinheiro de volta.
Fiquei pensando, se trago uma das calças que tenho em casa, nesse estado, troco por umas duas novas... Se chego com elas sujas de tinta ou cagadas ainda levo umas blusas de quebra. Deve valer uma fortuna uma calça rasgada, suja, esfolada e ainda por cima, cagada...
Eu só fico pensando quem foi o mendigo influente que convenceu essa gente que trapo de roupa é fashion. 

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A origem - episódio II - A ganância


"Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da renda; também isto é vaidade." Eclesiaste 5:10

Querer mais e mais é uma manifestação natural de insegurança de quem acha que, no momento seguinte, vai faltar. Mesmo que conscientemente  se saiba que não vai  faltar, a pessoa carrega o fantasma de pensar: mas e  se faltar?
A partir daí, segue um processo de moldagem do indivíduo e suas necessidades ao tamanho do consegue. Se consegue 10 mil, suas necessidades moldam-se nesses 10 mil e trabalha para conseguir mais. Porém, esse "mais" não se caracateriza como excedente, pois quando é adquirido, já encontra as necessidades do tamanho dele. O grande mal disso é a confusão que se faz com a ambição. Muitas vezes, o ganancioso é vistoso com alguém ambicioso e pró-ativo. É um interessante processo de conversão de mazela em qualidade.
De certa forma, o ganancioso tem uma certa razão quando acha que nunca é o suficiente, pois o suficiente dele se molda (para mais) na medida em que ganha mais. A pessoa que sofre esse mal não tem dimensão do dano que causa a si mesma, uma vez que a força a rodar sempre em velocidade mais acelerada para conseguir o que nunca vai satisfazê-la: poder, dinheiro, influência. Por mais que tenha, nunca será o suficiente. O ganacioso é mais ou menos como o cachorro que corre atrás do próprio rabo, só difere disso por seus meios, pois considera que para fazer valer os seus interesses vale tudo, inclusive capturar a cauda dos outros. Não há limites morais para ele.
O fato é que, muitas vezes, sua angústia em ter o que não precisa é tanta que ele não percebe nem o que tem.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Cola, corrupção e outros jeitinhos desonestos de se sentir esperto


Como professor, há muito tempo tenho estratégia de deixar o aluno fazer uma folha de A4 frente e verso com o resumo da matéria para usar na hora da prova. É uma maneira de força o cara a, pelo menos, ver o conteúdo que vai cair e, ao mesmo tempo, não me aborrecer com cola. Bom, você diria, ainda resta a coisa de colar um do outro. Ah sim... Resta, mas vamos a realidade dos fatos.
Elaboro avaliações que, na imensa maioria das vezes, apelam muito mais para sua interpretação do que para o conhecimento em sua forma decorada e anotada numa folha. Se o aluno quiser colar do outro colega ao lado, isso é um fator quase inevitável. Agora, colar é um ato de desonestidade como outro qualquer e que caracteriza um desvio de caráter repreensível.
Às vezes, a gente esquece que a corrupção, a desonestidade, a falta de caráter não se dá nas grandes ações, mas em hábitos do cotidiano que corrompem e maculam desvirtuam a dignidade. Sempre pensei que isso não me afeta. Eu, como docente, estou ali, na frente, cumprindo minha função, ensinar, aplicar, corrigir, cuidar para que ele não transgrida as normas. Entretanto, não sou polícia para empreender um clima de vigilância total e terror sobre ele.
Se ainda assim, algum aluno acha que o melhor caminho é ser desonesto, ele o será e não sou eu quem vai conseguir impedir. Afinal, ali é só um aspecto da vida dele que nada mais é do que o reflexo de todos os outros. Quando sairmos dali, eu serei, por uns instantes, no máximo, um professor bobo, que deu mole e ele o mau caráter de sempre, para sempre.
No mais, a vida se encarrega de cuidar.