terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Cego e o oportunista

Sempre digo aos meus alunos que verdade não é nada mais senão aquilo em que a gente resolveu acreditar. Por conta desse movimento de eleições, particularmente, o que considero uma detestável necessidade, mas enfim, uma imprescindível necessidade, vimos essa máxima gritar na nossa cara todos os dias. Para ilustrar isso, sempre uso a ideia de que se alguém olha para o sol e o enxerga verde, ainda que todos ao seu redor demonstrem por A + B que não é verde, seus olhos continuarão a vislumbrar um intenso verde. 
Por vezes, as pessoas seguem vendo verde onde é vermelho, laranja, preto etc, porque, no fundo, para ela é verde e ponto final. Seus olhos não mentem. Entre aceitar o que você diz e o que os olhos dela veem, fica com seus olhos, pois o que você diz é o que o "seus" olhos veem e não os dela. Quem me garante que você não está vendo errado? 
Muitas vezes, quando alguém levanta suas armas para defender um notório canalha (coisa que não é rara na política) esta pessoa está movida por dois sentimentos: o oportunismo, afinal, no geral, ela costuma a ser tão canalha quanto seu defendido ou as coisas que seus olhos veem. Não se trata, nesse último caso, de um mentiroso, mas de alguém que está enxergando exatamente o que ele diz e não adianta fazê-lo retroceder. O seu candidato é do bem, tem boas intenções, não mente, é honesto. Os outros são do mal... enfim... Tudo aquilo que faz parte de sua verdade pessoal, as coisas em que ele optou por acreditar porque essa é a única realidade que consegue ver. 
Àqueles que enxergam (ou pensam que enxergam) caberá sempre a incerteza eterna de saber se o que vemos é o que as coisas são ou o que os nossos olhos insistem em nos mostram que sejam. Caberá sempre a dúvida de qual é o tamanho da nossa cegueira.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Brindemos as nossas derrotas


Aprendi que há algumas coisas na vida, entre tantas, a que não damos nenhum valor, que, longe de serem objetos de revolta e ira, deveriam ser louvadas e benditas. A traição de um “amigo”, a demissão em um emprego, um negócio mal sucedido, um politicamente correto “insucesso”. As pessoas têm tanto horror a derrota que criaram até essa palavra bonita, mas consideravelmente escrota.
Muitos repetem, quando eu jogo, jogo para ganhar. Errado. Jogue para dar o meu melhor e aprender o máximo. Ganhar ou perder é uma consequência disso. É consequência de como encaramos isso. Ninguém, busca a derrota, mas entenda que recebê-la é a grande oportunidade que a vida nos dá de aprender muito.
Na vitória, sente-se a sensação de grupo, de amigos, de lealdade, de um amparar o outro. Na derrota, não. Ela filtra quem fica por perto e, às vezes, nos deixa sozinhos para aprendermos que nesse mundo viemos sozinho e dele partiremos assim. Não é prudente nos amparar demais nos outros. Na vitória, ficamos satisfeitos e entendemos que “em time que está ganhando não se mexe”. Na derrota, não. Somos obrigados a mexer, a rever conceitos, a quebrar a casca e mudar. Na vitória, acordamos no alto da montanha. Na derrota, não temos montanha. Vamos ter que aprender como se faz uma.
Vivemos numa sociedade confusa em relação ao conceito de vitória e derrota. Mistura sucesso com dinheiro, derrota com falência ou instabilidade profissional, enfim, mais dinheiro e notoriedade igual a sucesso; menos dinheiro e ostracismo, derrota. Entretanto, o problema não é o molde social do conceito, mas a sua aceitação dele.
Sendo assim, brindemos as nossas derrotas que nada mais são dos que as grandes oportunidades de crescimento de nosso espírito. Não falo em ser derrotado, mas em aprender a lidar com a adversidade e retirar dela o mais raro e escasso dos perfumes, o da maturidade.

Até porque tirar perfume de rosas é fácil, mas só os grandes mestres da vida são capazes de retirar o mesmo perfume de pedras.

domingo, 23 de setembro de 2012

O filme para adultos (sem noção) ou adolescentes (desesperados)

Sempre gostei muito de cinema. De tudo em cinema mesmo e desde sempre. Quando eu tinha uns 16 anos, a tecnologia de ponta eram os videocassetes com duas ou mais cabeças de leitura e gravação. Para quem não sabe isso era uma espécie de versão pré-histórica dos blue rays de hoje. 
Para um adolescente da época (déc. 80) não havia maior transgressão do que assistir a um filme pornô, na época era, simplesmente, filme de "sacanagem", no vídeocassete. Hoje, esse termo caiu em desuso, pois só se refere ao que é exibido pela TV câmara ou a TV senado, o reduto da mais devassa sacanagem no país. Um dia eu tive essa oportunidade e, meio às escondidas, aluguei um fime nacional que me parecia bem interessante, pois tinha uma história que dava moldura à sacanagem toda. Mais ou menos como, hoje, são os depoimentos de CPI. 
O filme começava com um monte de gente dentro de uma Variant velha meio bege indo para um sítio, o motorista dava trancos violentos no volante e gritava alguns palavrões. Ao chegar no sítio, havia a carcaça de um animal morto e um dos “atores” abaixou ao lado, tirou uma flautinha doce de plástico e começou a tocar. Tocava mal pra cacete e aí percebi que aquele filme era de sacanagem mesmo. Chegando à casa do sítio, um lugar meio lúgubre, começou o rala-e-rola. Quando os caras e as mulheres tiraram a roupa, eu poderia jurar que eles estavam fazendo aquilo por necessidade, que o cachê ali era um café com leite e um pão com manteiga. As moças eram de uma magreza e uma feiúra de dar dó, Já os rapazes, era o contrário, eram de uma feiúra e uma magreza de dar dó. Uma das moças era tão peluda que parece que escondia um gato angorá nos suvacos e na virilha. Eram momentos de horror. Poucas vezes na minha vida vi uma coisa daquele jeito e repetia para mim: caramba, gastei meu dinheiro com essa merda! Sacanagem, sacanagem...! Assisti a mais alguns minutos de filme o suficiente para não entrar em depressão profunda e ao mesmo tempo ter certeza de que aquilo era "aquilo" mesmo. As revistinhas não se mexiam, mas eram mais agradáveis de se ver, pensei. Por muito anos levei esse trauma comigo e perdi completamente o interesse pelos filmes do gênero. Fui superar isso anos depois, mas mesmo assim, ainda sou capaz de apostar que tem gente que ainda trabalha por um lanchinho e pelo vale-transporte.

sábado, 15 de setembro de 2012

Reflexões "sobre" as esteiras ergométricas

Há muitos anos comprei uma esteira ergométrica. É.. daquelas esteiras elétricas que lhe dão a sensação de fila de banco, você anda, mas não sai do lugar. Usei um tempo, cansei, abandonei na casa dos meus pais. Tempos depois trouxe para minha casa onde minha esposa usava com frequência. Ela quebrou, comprei outra que também quebrou.
As esteiras ajudaram muito as minhas roupas ficarem menos amassadas e, no tempo que tive uma em casa, andei consideravelmente menos amarrotado. Abandonei-a solenemente. Entretanto, devido a problemas de saúde no início do ano, acabei tendo que voltar à rotina de esteiras. Desta vez, em uma academia em minha cidade. Cansei entulhar minha casa com esteiras.
O que eu desprezei durante tanto tempo é o papel da esteira nas nossas reflexões. Na esteira, pensamos coisas, organizamos as ideias, fazemos planejamentos e até escrevemos coisas que mais tarde vão virar postagens em blogues. Tudo isso para esquecer que estamos ali. Isso, até hoje, pelo menos para mim, é a melhor estratégia para fazer essa rotina de exercício físicos e romper o sedentarismo.
São 60 minutos de reflexões e abstrações. É mais ou menos como se eu deixasse o corpo lá fazendo caminhada e levasse a alma para um local mais agradável como a cadeira na frente do computador, por exemplo. Enfim, já dominei a técnica e fiquei bom nisso.
Mas sabe que, no fim das contas, quando volto para meu corpo e o encontro suado e cansado, pego-o de volta como uma bolsa que deixei no guarda volumes, vou para casa, tomo um banho e começo meu dia... livre e leve, com quilos e quilos a menos de peso na minha consciência. 
Estranho, mas sabe que a perda de peso mais significativa foi essa. Perdi muitos e muitos quilos de peso na consciência de sedentario rumo a um infarto ou a uma doença que me incapacitaria. Emagrecimento de consciência é uma espécie de efeito colateral das esteiras.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A foto, o photoshop e a funkeira


Outro dia, eu assistia na TV a um programa de entevista em que o Danilo Gentili recebia uma moça que canta funk chamada Valeska Popuzada e, lá pelas tantas, ele tocou numa questão delicada, uma foto no carnaval em que ela aparecia no carro alegórico de uma escola de samba com um bumbum bem deformado. Ela ficou sem graça e disse que aquilo era sacanagem, não era aquilo, mas acabou admitindo que nunca negou que tivesse celulite... enfim, admitiu que é normal.
Mas ao que as pessoas não atentaram é para um fato interessante sobre fotografia. Primeiro, uma bunda daquele tamanho, se não tivesse uma celulite, seria feita de louça e, ao que parece, não é de louça ou já teria quebrado. Outra coisa, e mais importante ainda, ela estava sambando numa trepidação intensa do bumbum. As fotos parecem não ter sido tiradas de longe e nem foram  tiradas com câmeras dessas que se compra no balcão de lojas de eletrodoméstico.
Em ambientes de luz irregular como é o caso das fotos comentadas, o fotógrafo usa fortes flashes que obrigam que o obturador (o buraquinho por onde entra a luz na câmera) abra com muita velocidade. Bingo! Quando o obturador abre e fecha com grande velocidade, por exemplo, ele capta o movimento em uma micro fração de tempo. Para se ter uma ideia, se fotografarmos uma pessoa falando nessas condições, o cara fica com jeito de maluco, boca meio aberta, olhos fechados.. enfim, horroroso. Se o fotógrafo deixar sem o flash, o obturador automaticamente ficará aberto por mais tempo para captar luz e, com uma pessoa se mexendo na frente, vai gerar uma foto borrada.
O que aconteceu ali foi isso uma foto batida de mais próximo, com maior velocidade, pegou o micro momento em que o bumbum e suas naturais celulites estavam subindo e descendo. Daí, aquela imagem esquisita. Quando comentei com minha esposa que havia escrito um texto explicando isso, ela logo atirou: - ê.. você defendendo a bunda da mulher!
Não. De modo algum, só estou explicando um detalhe que para a maioria das pessoas passa completamente despercebido... pois é... apaixonados por fotografia percebem fotos além das bundas.

sábado, 8 de setembro de 2012

A semana do óbvio ululante.. Não me diga!

Segundo o dicionário, o adjetivo "ulutante" significa aquilo que grita, que uiva, que vocifera. Para Nelson Rodrigues, esse era um bom adjetivo para aquilo que está na cara de todo mundo gritando e que ninguém se toca muitas vezes. Pois, então, essa semana foi uma ode ao óbvio ululante. Pessoas públicas foram a mídia para declarar que é relativamente óbvio e, o mais impressionante, é que a mídia dá uma baita cobertura a isso como se estivesse apresentando a última novidade. Até, hoje, realmente não sei se é sério ou se isso é uma grande e genial ironia dos meios de comunicação.
Não sei e não quero arriscar nenhum palpite.

Kelly Key declara...

Não me diga. Eu iria morrer sem sequer imaginar isso. Baba baby baba...

Mulher pera faz o seu corpo a corpo com o eleitorado e dispara...

Mulher pera, mulher pera.. huummm não sei não estou ligando a bunda à pessoa.

Tammy Gretchen confessa....

Você acha??? Olha só.. ela acha.. só acha.

É... Tá faltando assunto na mídia. Daqui a pouco trazem uma Luiza do Canadá de novo só para variar.

domingo, 2 de setembro de 2012

Mais velozes, mais furiosos, menos criativos....


Enquanto isso, numa reunião de roteiro de filmes em Hollywood.

Diretor - Estamos reunidos para elaborar a base do roteiro do novo filme de Velozes e Furiosos. Velozes e furiosos IX. Quero ideias, inovações, novidades, quero romper com as expectativas...
Roteirista 1 - Que tal carros esporte velozes?
Diretor - Boa.. original.
Roteirista 2 - Carros furiosos vermelhos e amarelos e em tons metálicos...
Diretor - ISSO. Como eu não pensei nisso.
Roteirista 3 - Atores fortes e sarados com ar de bad boy e tatuados. Conclui o roteirista esquistão
Diretor - Meus Deus... é isso mesmo. É um novo conceito, uma nova leitura da série...
Roteirista 1- ...mas tem que ter mulheres gostosonas de shortinho e calça justa...
Diretor - Claro. É inovar. Trazer o que não se mostrou até agora.. Boa!
O roterista esquisitão fez muxoxo.
Roteirista 2 - ...e eles tem que ser rebeldes, furiosos.. que tal.. um bando fora-da-lei..
Diretor - Legal, mas não podem ser traficante! Definitivamente. 
Roteirista 2 - Claro que não. Eles são caras maus do bem.. injustiçados pelo sistema.
Diretor - Isso, isso, isso.. Pulava de alegria o diretor com as ideias novas. Mas falta uma história, um enredo... não sei.
Enquanto isso, o rapaz que servia os cafés sentiu-se compelido a dar palpites.
- Que tal vingar um irmão que sofreu uma injustiça ou cometer atos criminosos para salvar um amigo.
O diretor olhou espantando com tamanha criatividade e disse:
- Isso é que é genialidade, criatividade, originalidade... senta aí e me conta Porsche ou Ferrari?
- Ferrari, falou o rapaz triunfante sentado confortavelmente sobre a perna direita do diretor...
- Isso, isso, isso... bradou o chefe dando soquinhos na mesa.
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ironia 
(latim ironia, -ae, do grego eironeía, -as, dissimulação, ignorância) 

s. f. 1. Expressão ou gesto que dá a entender, em determinado contexto, o contrário ou algo diferente do que significa. 2. Atitude de quem usa expressões ou gestos irónicos3. Sarcasmo. 4. Acontecimento ou resultado totalmente diferente do que eram as expectativas (ex.:ironia trágica).

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Um blefe por uma bela história


Toda vez que lhe perguntavam seu nome ele respondia: - Shihum. As sobrancelhas das pessoas se franziam. Ele, então, explicava que Shihum fora um guerreiro chinês da dinastia Ming que durante as lutas de libertação de seu povoado no ano de 1624, deparou-se com um dilema que o colocava entre lutar pela liberdade ou buscar abrigo para os seus filhos nas montanhas. O guerreiro fez um belo discurso enfatizando que a uma vida sem liberdade e fugindo preferia a morte. Depois disso, lançou-se de peito aberto contra os inimigos e como protegido pelos deuses derrubou uma tropa de mais de 100 guerreiros. Obviamente, isso é uma lenda, mas seu nome ainda é cantado em versos épicos da cultura popular da Manchúria como um símbolo da coragem e da liberdade. 
Tanto é assim que o governo comunista baniu de seu calendário as festas dedicadas a lenda de Shihum para que o povo não passasse a cultuá-lo como um ícone libertário e coisa e tal. Coincidentemente, concluía, Shihum significa em chinês arcaico, coração livre ou , em um sentido mais metafórico, aquele que liberta corações almas.
Todos ficavam bestificados com a bela história e lamentavam não terem algo a contar sobre seus nomes que fosse tão bonito e marcante. Algumas vezes, havia até algumas lágrimas diante da narrativa de Shihum, o libertador de corações.
Quando chegava em casa, dona Shirley e seu pai Humberto sempre o ensinavam que mentir era coisa muito feia e inventar histórias era um hábito repreensível. Mas, afinal, que graça teria se ele contasse que seu nome era um pedaço do nome da mãe e outro do pai? E quando alguém conhecia seus pais e associava uma coisa a outra, ele, com ar de enfado e superioridade, simplesmente, comentava: - coincidência, mera coincidência.
Afinal, uma bela história é uma bela história, não é?  

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O violoncelo no canto da sala


Estudei dois anos de violão clássico no Pró-Música em Juiz de Fora e parei, por causa do meu mestrado em Letras. Tempos depois, estudei violoncelo em Valença... mais uns dois anos e parei por causa do doutorado. Tentei retomar os estudos recentemente, mas com dois filhos, casa e trabalho, fica difícil. Enfim, aguardo o momento de retomar mais uma vez e, quem sabe, parar por outra razão.
As pessoas podem dizer que tudo foi uma questão de falta de disciplina e força de vontade e as deixo livres para os julgamentos, mas retruco que não foi. O meu violoncelo repousa em meu escritório no canto, sob um suporte próprio para o instrumento. Todos os dias eu o vejo, todos os dias ele me vê.
Ele fica ali para me lembrar que mesmo que a gente tente e pare, e tente de novo. O importante é continuar. Paradas são vieses estratégicos, perder de vista o que queremos é outra coisa. Isso é desistência, isso é capitular. 
Eu sempre digo a minha esposa que uma das metas de minha vida é me formar em violoncelo em um conservatório musical. Eu sei, ela sabe e ele, canto da da sala, sabe também. Ele não desistiu de mim e nem eu dele. Será aos 50 anos, aos 60 anos, aos 70? Não sei. E nem ele sabe, mas, pacientemente, me aguarda no canto da sala, me espera com seu olhar marrom.
O que mantém a certeza dele sobre minhas promessas é que ele sabe que podemos esquecer de tudo, mas nunca esqueceremos quem somos, nossos sonhos e em que acreditamos. Isso é atemporal.
Enquanto isso, ele me aguarda. 
Deixar os seus "violoncelos" no canto da sala é uma boa receita para nunca se esquecer de quem se é.