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quinta-feira, 7 de junho de 2018

Curta história curta - Parte I: O influente

Durante uma vida gozou do prestígio de ser filho de juiz, neto de promotora e afilhado de ministra. Todas as portas se abriam para ele quando anunciava suas relações pessoais. Mas faleceu como todo mundo, seja influente ou não. De súbito e tão cedo, as pessoas diziam.  Tão bem relacionado não deixou seus contatos de herança para nenhum herdeiro. No velório, seu pai, juiz da 2ª divisão de futebol da cidade, sua avó, promotora de vendas da Natura e sua madrinha, ministra da eucarística davam as mãos e rezavam por sua alma.
Nesse momento, era recebido no céu por São Longuinho, o procurador (depois de 3 pulinhos, é claro)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Um blefe por uma bela história


Toda vez que lhe perguntavam seu nome ele respondia: - Shihum. As sobrancelhas das pessoas se franziam. Ele, então, explicava que Shihum fora um guerreiro chinês da dinastia Ming que durante as lutas de libertação de seu povoado no ano de 1624, deparou-se com um dilema que o colocava entre lutar pela liberdade ou buscar abrigo para os seus filhos nas montanhas. O guerreiro fez um belo discurso enfatizando que a uma vida sem liberdade e fugindo preferia a morte. Depois disso, lançou-se de peito aberto contra os inimigos e como protegido pelos deuses derrubou uma tropa de mais de 100 guerreiros. Obviamente, isso é uma lenda, mas seu nome ainda é cantado em versos épicos da cultura popular da Manchúria como um símbolo da coragem e da liberdade. 
Tanto é assim que o governo comunista baniu de seu calendário as festas dedicadas a lenda de Shihum para que o povo não passasse a cultuá-lo como um ícone libertário e coisa e tal. Coincidentemente, concluía, Shihum significa em chinês arcaico, coração livre ou , em um sentido mais metafórico, aquele que liberta corações almas.
Todos ficavam bestificados com a bela história e lamentavam não terem algo a contar sobre seus nomes que fosse tão bonito e marcante. Algumas vezes, havia até algumas lágrimas diante da narrativa de Shihum, o libertador de corações.
Quando chegava em casa, dona Shirley e seu pai Humberto sempre o ensinavam que mentir era coisa muito feia e inventar histórias era um hábito repreensível. Mas, afinal, que graça teria se ele contasse que seu nome era um pedaço do nome da mãe e outro do pai? E quando alguém conhecia seus pais e associava uma coisa a outra, ele, com ar de enfado e superioridade, simplesmente, comentava: - coincidência, mera coincidência.
Afinal, uma bela história é uma bela história, não é?  

sábado, 10 de setembro de 2011

O homem e o gato

Acordou e sentiu que algo estava diferente. Seu corpo estava coberto de pelos longos, seu nariz era agora meio achatado e os bigodes finos e compridos se espalhavam a partir de sua bochecha. Levou as mão em direção ao rosto e constatou que não tinha mãos, mas uma pata cinza e peluda. Parecia um pesadelo e naquele momento, se lançou em busca de um espelho. A pressa era tanta que nem percebera que corria de quatro enquanto um longo rabo em riste fazia sombra na parede. 
Olhou no espelho. Sim. Era um gato. Um gato da raça persa, gordo e peludo.. Por um momento ficou chocado com tudo, mas de súbito acomodava a sua condição. Afinal, poderia ter virado uma barata ou algo pior. Pensava, em sua lógica, agora de gato, haveria algo pior do que uma barata? Sim. Um rato, um ratão cinza de esgoto... já começava a pensar como um gato.
Procurou uma cama, deitou-se na parte contrária a cabeceira, mas não sem afofar o local, alongar as costas com o rabo espichado e se deitar como quem se enrosca em si mesmo. Segundos foram necessários para começar a ronronar levemente. O dia estava frio e o seus sonhos eram povoados de bolinhas de lã e sofás para afiar a unha.
Subitamente, sua esposa entrou no quarto e perguntou: 
- O que você está fazendo na cama deitado igual a um gato?
Levantou a cabeça, abriu somente um dos olhos e com a altivez dos gatos, voltou a ronronar.

sábado, 6 de agosto de 2011

A prostituta.

Empresário de sucesso, tinha tudo que o dinheiro lhe podia comprar. Mas nunca havia transado com uma prostituta de luxo. Namorara modelos, mulheres de sucesso novas ou mais velhas. Mas uma prostituta de luxo mesmo. Nunca.
O serviço foi contratado pelo telefone com base em fotos de internet e, mal ela entrou em seu flat, ele percebeu que o quanto eram odiáveis os inventores do photoshop. No telefone, ela dissera que talvez demorasse um pouco pois iria se arrumar para ele. Quando abriu a porta, lembrou disso e, por um instante, tremeu ao pensar como ela seria desarrumada. Tomou-lhe, então, o dilema dos dilemas, dispensar o serviço alegando alguma coisa ou, como nos tempos de infância, aceitar para não fazer desfeita. Poxa, tava uma merda, mas ela tinha feito o melhor, se arrumado, se pintado, se perfumado e você iria fazer uma desfeita dessas. Viu a cara de reprovação de sua mãe na hora. 
Vestida ela era ruim, mas nua, dava uma saudade de vê-la vestida que fazia o ruim até parecer nem tão ruim. Sua fé se abalara naquela hora. Nada o tiraria daquela furada.
A conversa foi breve, ela tinha pressa. Despiram-se sem cerimonias. E ele pensava como seria o tempo restante das duas horas de serviço e companhia. Mas ela tinha pressa. Ele se serviu meio que a contragosto e a viu se vestir apressadamente. Ela explicou que o serviço dela era uma gozada ou até duas horas. Ficou surpreso com esse detalhe.
Ele pagou. Despediram-se.
Deitado na cama depois de um minucioso banho pensara que aquele fora o dinheiro mais bem pago que ele já empregara para não fazer mais nada. Sua fé retornava aos poucos nesse momento.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Cérebro by Windows... Amanhã tem saco... sem travar.

Funcionava com um cérebro cujo sistema operacional era uma espécie de Windows. Acordava de manhã e ficava olhando o nada enquanto visualizava uma tela preta e depois uma barrinha monocromática que parecia se deslocar da esquerda para direita. Às vezes, dava umas travadinhas, mas logo voltava a correr. Era sempre assim.
Depois que começava ou inicializava, seguia bem. Vez por outra, tinha dia que travava e não conseguia fazer nada. Mas aí era só dar uma pausa, respirar, dar uma cochilada e, pronto, voltava a funcionar. Se adaptava bem com todo tipo de atividades, não era nenhuma beleza, mas sua capacidade de entrosamento era algo extraordinário.
No fim da noite, desligava e enquanto esperava o sono chegar, olhava uma telinha azul com os dizeres: aguarde, seu cérebro está sendo desligado.
Dormia então o sono dos anjos.
Turned off... till morning..