domingo, 14 de março de 2021
Uma desculpa para chamar de sua
domingo, 7 de março de 2021
A medida de felicidade de cada um
A primeira sensação que eu tinha era me perguntar como é que uma pessoa pode colocar a cabeça no travesseiro e saber que amanhã pode não ter recursos mínimos para comer, morar, viver e que sua vida é demarcada pelo final de semana com a cervejinha e o bar. Eu logo pensava que era um alienado, um inconsequente… mas vi que não era bem assim.
Aos poucos comecei a entender que eu incorria em dois grandes erros: medir o mundo por mim e, segundo, achar que o futuro dele era mais incerto que o meu só porque tenho uma provisão financeira, um equilíbrio que me garante moradia, bens, confortos que o dinheiro dá nos dias que se seguiam. Eu só não conseguia garantir é que eu teria mais dias seguintes do que ele. E aí é que são elas… nos igualávamos em uma coisa: de certo, só temos o momento em que estamos.
Medir o mundo por si é um equívoco comum. Pensar que fulano não é feliz porque mora de aluguel é partir do princípio que sua felicidade está atrelada ao fato de ter uma casa. Mas uma casa é uma coisa que não está em você, está fora. Logo, você está vinculando que só será feliz se algo que está fora de você acontecer. Só que felicidade é algo que acontece dentro da gente e não fora. Podemos ter a casa e seguirmos infeliz, podemos não ter a casa e seguir infeliz… Entendeu? Ter a casa, pode ter dar um tempo de satisfação, mas isso nunca deve ser considerado felicidade.
Felicidade é um conceito que só faz sentido se entendermos como algo tangível ao momento em que vivemos. Se for sempre a cenoura do cavalo amarrada na frente dele, pode ser tudo, menos felicidade e vai ser o fator desencadeador de uma ansiedade constante que impede de ver qualquer momento sutil de real felicidade.
Isso não é uma ode a viver de forma inconsequente, muito pelo contrário. É um convite a se planejar, trabalhar, mas não esperar demais. Toda vez que esperamos demais geramos um nível de ansiedade que consome nosso instante e tiramos exatamente a felicidade do instante. Passamos por coisas boas e que podem nos fazer felizes naquele instante sem nos darmos conta, cegos pela ansiedade do que esperamos que, possivelmente, nunca vai chegar.
Aprender a viver o momento é um exercício diário. Como sugestão, fica um exercício: pare, feche os olhos, preste atenção a cada respiração sem se obrigar a nada. Deixe os pensamentos vagarem, quando vier um deixe passar. Não rechace, não expulse, deixe passar e volte para a respiração. Faça isso até perceber o coração batendo. Não precisa ficar muito tempo assim.. só o suficiente para perceber o momento.
Que, no final das contas, é única coisa que você tem mesmo.
De verdade
domingo, 28 de fevereiro de 2021
Acumuladores de coisas, de histórias e de si mesmo
De uma forma ou de outra, acumulador, todos somos um pouco. Guardamos fotos, objetos etc porque coisas são mais do que coisas, são narrativas e, nós, humanos somos feitos de carne, osso e narrativas. Somos todos uma história contada a partir de diversas histórias. Os objetos entram na nossa vida junto com histórias que os trouxeram até nós. A história de cada um deles se agrega a nossa fazendo a grande narrativa que nós somos. O problema é quando não percebemos mais o que é história, o que é objeto, o que somos nós...
Quando o foco da vida sai do presente e se ancora no que vivemos, objetos e narrativas se integram na mesma coisa, que somos nós. Desfazer-se de um objeto é desfazer-se de uma história que é parte do que você é. É como se fosse abrir mão de um pedaço de si mesmo, um dedo, um braço… e deixar de ser alguém inteiro fisicamente. No caso, psicologicamente. O acumulador vê a perda do objeto como uma amputação. E acreditem, dói nele.
Primeiro, é importante entender que as pessoas são o que são e lidar com elas é único caminho da convivência saudável. É muito provável que um acumulador de verdade não mude nunca diante do drama psicológico de não conseguir dissociar o que é ele dos objetos. Você não vai conseguir dissociá-lo da história que ele construiu, mas conseguirá fazer com que a partir do momento em que você entrou na vida da pessoa, o que existe de relevante não está nas coisas adquiridas, mas nas histórias vividas e que, mesmo que a coisa se vá, as histórias ficam.
Isso costuma funcionar? Não. Mas vale tentar. Não existe receita de bolo para lidar com as pessoas. As pessoas são o que são e nossa grande frustração pode ser a eterna luta entre isso e o que queríamos que elas fossem. Por mais que sejam boas as nossas intenções, a vida é um eterno aceitar o real (e lidar com ele) ou sofrer com o ideal (e frustrar-se).
Ficou frustado em chegar até aqui e ver que não dei uma receita de bolo para lidar com o acumulador? Pois é… Viver é assim, não existe manual, seguimos em um voo cego, sem plano de voo num avião que não sabemos quanto de combustível ainda tem.
sábado, 6 de fevereiro de 2021
"Aí é totalmente diferente"... O que isso significa?
Vivemos um tempo em que os únicos argumentos bons são aqueles que servem para provar aquilo que cegamente acreditamos e, se os fatos contradizem os argumentos, há algo de errado com os fatos. Exclua-os
Um exemplo é a falácia ad lapidem "Aí é totalmente diferente..." Normalmente, essa falácia encerra uma discussão com as reticências porque em 99,9% das vezes não vêm a explicação de por que razão é "totalmente diferente". Até porque a razão é: "porque esse argumento não me serve para mostrar por que você está tão errado e eu estou tão certo". E se tem uma coisa que as pessoas mais odeiam do que não ter dinheiro ou saúde é não ter razão. Abrir mão da razão é um desapego que só chega muito tardiamente com a maturidade.
As pessoas desaprenderam a troca ideias e a preocupação mais básica hoje é ouvir (quando ouvem) o outro para mostrar o quanto o outro está errado. Em momento algum, cogita-se a possibilidade de que, talvez, haja algo interessante na argumentação do outro e que deva ser levado me conta na maneira de pensar uma questão. Os diálogos, viraram, na maioria das vezes um campo de batalha para o vencedor erguer o seu troféu de palha e gritar para o mundo que venceu uma discussão no facebook ou em outra rede social.
Vencer uma discussão em rede social, por exemplo, é como ficar milionário... jogando Monopólio, o nosso Banco imobiliário.
Aí, aqueles amantes dos bate-bocas vão dizer... não... "Aí é totalmente diferente...""
É... réplica esperada.
sábado, 30 de janeiro de 2021
Eu, na promoção
Entretanto, as pessoas, hoje em dia, sentem uma necessidade absurda de fazer da sua rede social uma vitrine onde se colocam como produto mais bem sucedido (férias em praia, resorts, corpos malhados, dirigindo carros etc), como o melhor exemplo da evolução humana (pessoas comprometidas com causas, que se doem com a dor do outro o tempo todo...) Vendem-se como um espírito em um nível de evolução que Chico Xavier olharia e pensaria: quando crescer quero ser igual a esse cara.
O problema é que, em um mundo em que impera a obrigatoriedade do sucesso e do politicamente correto, para ser do bem o tempo todo, o caminho mais curto (e, às vezes, único) é convencer os outros disso. Certa vez, eu li que o que vale não é o que somos, mas o que as pessoas pensam que somos. Essas pessoas acreditam nisso mesmo e tem um monte de gente que conhecemos bem pessoalmente, mas quando olhamos sua rede social pensamos: gente, será a mesma pessoa? Dá vontade de dizer: olha não quero mais ser seu amigo real, quero ser amigo virtual só do seu perfil na rede social.
Não há mal nenhum postar sua vida nas redes socais e dizer como você é bem sucedido, consciente e do bem. Postar algo que te faz feliz é bem legal. O problema acontece quando as redes sociais se tornam um alter ego seu, aquilo que você queria ser ou ao menos, aquilo que você queria que os outros acreditassem que você é. As postagens se tornam repetitivas e diárias e acabam despertando a inveja dos que não te conhecem bem e, muitas vezes, o sentimento de tentativa engodo para os que te conhecem bem.
Somos humanos, demasiadamente humanos. Lotados de defeitos com respingos de algumas qualidades que nem de longe disfarçam nossa imperfeição inata. O marketing de teclado alivia esse sentimento, mas a realidade nos obriga a conviver com ele. Não sei mesmo até que ponto eu quero conviver com o que queria ser para não ter que conviver o que sou. Acho menos desgastante (mas não menos dolorido) lidar com o que sou do que despender vital energia para manter uma imagem do que queria ser. O fato é que a maioria das pessoas não se dá conta disso. Mas tudo bem também... E la nave va...
Fecho com a Zélia Duncan na música Carne e Osso: "Perfeição demais me agita os instintos / Quem se diz muito perfeito / Na certa encontrou um jeito insosso / Pra não ser de carne e osso, pra não ser." Demorei quase meio século para me habituar a conviver com quem eu sou, embora ainda descubra facetas novas a cada dia e, agora não abro mão disso.
Até porque, nem se quisesse conseguiria abrir mão... O que somos é a única coisa que levamos até para o túmulo.
domingo, 24 de janeiro de 2021
Vai ficar tudo bem
Mas metaforicamente falando, mudamos tanto que vivemos várias vidas dentro de uma vida. Olhar sua história é revisitar moradas dentro de si mesmo.
Nessa última mudança, enquanto arrumava meus livros na estante, consegui ver que cada um deles contava uma história que não estava escrita nas páginas, mas dentro da minha cabeça. Um, eu comprei em 1997, em uma lojinha embaixo da biblioteca Nacional, outro eu comprei para usar um capítulo, outro eu comprei na surpresa quando estava em um congresso, outro para embasar um projeto de pesquisa… Cada um contava uma história que não estava ali no papel, mas em mim.
Nesse momento, percebi que eu carregava dentro de mim, um cemitério de EUs. Em cada momento, cada livro me remetia a um EU completamente diferente do EU de agora, de histórias que pareciam ser de outra pessoa, mas estranhamente, era um amontoados de EUs. Cada um no seu tempo, feito de carne, osso, história e decisões que me fizeram chegar no EU de agora.
Hoje, todos aqueles EUs são um quadro pendurado na parede (como a Itabira de Drummond, só uma fotografia na parede), ou melhor, um livro na estante. E um dia, esse EU de agora vai embora e comigo irão as histórias e os livros voltam a ser só papéis com letras.
Nesse exercício de meditação, revisitei os meus EUs e exercitei a compaixão com cada um deles, entendi os medos, os sonhos, as angústias. Como se, em uma viagem no tempo, eu pudesse abraçar cada um de mim e dizer "vai ficar tudo bem". E como se cada um me olhasse nos olhos e entendesse que é assim que a história flui. E acalmasse o meu coração.
Em um segundo momento, nessa viagem, pude ver um velho, na verdade, vários homens velhos, como em uma fila, de costas para mim. Por alguns instantes, senti a compaixão que deles emanava para mim e a sensação de que, a qualquer momento um deles se viraria e abraçaria o que estava logo atrás na fila dizendo e aliviando toda a ansiedade... "vai ficar tudo bem"..
Revisitar a própria história é um exercício de compaixão consigo mesmo e um passo para a compreensão do que somos e onde estamos. Um exercício para entender que, haja o que houver, esse é um fluxo da história e que, no final das contas, vai ficar tudo bem.
quinta-feira, 12 de novembro de 2020
Essa voz que carregas, a quem pertence?
A princípio, tenho por hábito não emitir opiniões sobre casos que realmente desconheço seus detalhes (acho isso um hábito saudável para a sociedade), mas sinto, cada vez mais, que isso não é prática corrente nas mídias sociais.
Uma pessoa denuncia uma fraude e todos já saem postando coisas indignadas, uma pessoa acusa alguém de um crime, e uma multidão de juízes em seus tribunais de teclado saem propagando memes sobre a situação. Não se preocupam que não houve provas, não se preocupam que na sentença não se tenha usado nenhuma das palavras que viram uma frase de luta e disparam em nome do amor e da justiça o ódio e a maledicência. Tudo porque o seu site noticioso de estimação disse que aquilo era verdade. Isso basta.
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
Sobrando de vítima das circunstâncias
Mas a verdade é que, em algum momento da vida, Todos nós nos beneficiamos de sermos vítimas de alguma coisa deixando vazar aquele canalha que mora lá dentro de nós humanos. Sim... somos humanos, demasiadamente humanos e invocar para si a santidade e negar nossa essência de seres imperfeitos me parece uma das maiores canalhices que podemos demonstrar de nossa humanidade.
Pois então... quem nunca exagerou um sintoma de doença (normalmente dor de barriga) para não ir à aula? Quem nunca contou uma história que omite as razões e foca nas consequências que nos colocam como vítimas? Quem nunca invocou para si um direito ou benefício pela simples razão de ter sido vítima de algo? Quem nunca bateu no peito e disse que, na condição de vítima (sic) só queria o que lhe era de direito esquecendo que direito é um conceito legal e não necessariamente moral.
Se fosse o direito um conceito essencialmente moral e não somente legal, homens como Hitler, Mussolini, Stalin e outros não poderiam ter feito metade das barbaridades que fizeram embasados por um "estado de direito" na época.
Então, existe uma tênue linha em que a vítima de fato migra para a vítima profissional, um gestor de oportunidades, ou seja, o oportunista, obtendo a piedade e benefício de ter sido vítima de algo. Nesse caso, existem dois benefícios, o benefício imediato e o benefício perene. Este constrói uma imagem de alguém quase inimputável, pois é um ser passivo de todo o universo, não se compromete porque não há ações dele, mas sobre ele, aquele porque pode reivindicar um benefício imediato em razão de sua passividade diante dos fatos.
É isso. Ser "vítima" tem um lado lucrativo que algumas pessoas exploram ao limite (ou passam dele) deixando o canalha que habita dentro de cada um nós vir a tona e assumir o controle. Penso que uma sociedade que se propõe a combater tantos -ismos teria que colocar todos na mesa, não só os que lhes interessam ao marketing pessoal.
Atenção, este texto não tem exemplos. Isso fica por conta de cada leitor refletir. Não quis apontar dedos até porque, se tivesse tivesse que apontar começaria por nós dois... afinal, seguimos sendo humanos, demasiadamente humanos. Nada estranho....