domingo, 5 de setembro de 2021

Procrastinar é normal, mas...

Essa palavra se divide em 3 partes maiores: pro (movimento a/em direção a, no sentido de), cras (advérbio que significa "amanhã") e demais são afixos formadores de verbo. Ou seja, grosso modo, significa a ação de mover algo que deveria ser feito hoje para amanhã e assim indefinidamente. No dicionário resume-se assim: ato de transferir para outro dia ou deixar para depois; adiar, delongar, postergar, protrair. Para alguns religiosos, chega a ser um pecado associado à preguiça.

Temos que encarar que todos são passiveis desse mal, e, eventualmente, a gente fica adiando para depois e depois uma coisa que inevitavelmente deve ser feita. Normalmente, se trata de algo que não nos dá prazer imediato e, como seres hedonistas (movidos pelo prazer) que somos, adiamos com foco inconsciente no prazer momentâneo de não fazer algo que não dá prazer. Ou seja, o prazer de "não fazer" vence o desconforto de ter que fazer algo que não nos dá prazer imediato. Entendeu?

Mas os efeitos são muito nocivos e o maior deles é o fator cumulativo. Se você não queria fazer algo porque não te dava prazer e adiou, quando você adia outra tarefa, agora, você tem duas coisas que não te dão prazer na lista e, um dia, você vai ter que encarar uma lista bem grande de coisas que não te dão prazer. Você só está adiando o desconforto e acumulando mais coisas desconfortáveis de serem feitas. 

Dessa forma, podemos entender que procrastinar é algo movido pelo prazer imediato. Entretanto, que, como efeito rebote, vai provocar o desprazer a longo prazo. É exatamente essa visão que nos move.

Nesse meio século de vida, aprendi que a melhor a maneira de trabalhar com isso são as listas de tarefas. Sempre no início de semana faço uma lista de tarefas separadas por áreas, trabalho, casa, saúde etc. E, na medida em que as coisas vão andando, vou riscando da lista. No início da outra semana, refaço a lista começando com a cópia das coisas que deixei de fazer e colocando-as em primeiro na nova lista com um ponto de exclamação na frente.

Isso ajuda a visualizar aquelas coisas que não consegui fazer ou que procrastinei mesmo e, na medida em que os pontos de exclamação vão se acumulando, aquilo vai virando uma urgência. Isso, nesses últimos anos, me ajudou a medir o meu PPH, uma sigla que criei para o meu Potencial de Procrastinação Humana. Hoje em dia, o meu desafio é lidar com o PPH dos outros, mas aí já é outra história.

Em tempo: procrastinei algumas semanas para escrever esse texto...rs Afinal, summus homines


sábado, 24 de julho de 2021

Política dos favores

Li certa vez que, um favor, vindo de algumas pessoas, sai mais caro que um serviço pago e me identifiquei com essa ideia já desde cedo. Eu preciso muito confiar no outro para aceitar um favor. Se não confio, prefiro pagar por um serviço, passar um aperto ou me virar, porque sei que a nota daquele "favor" serviço é uma fatura em aberto e sujeita ao que a pessoa acha quanto vale e como (e quando) vai cobrar.

Pessoalmente, acredito que uma das coisas mais feias nos relacionamentos humanos é o jogar na cara. E tem gente que bate no peito e diz: jogo na cara mesmo. Isso para mim é a perda definitiva de crédito afetivo e o caminho para saber que não posso contar com aquela pessoa. Afinal, nada é feito por camaradagem, afeto, amizade, mas simplesmente como sórdida moeda de troca.

O que nos move a fazer algo pelo outro deve ser antes de tudo o afeto e a certeza de saber quando nos doamos, nada perdemos ajudando o outro a crescer. Se isso é uma moeda de troca, segue a ajuda ao outro, mas o crescimento se ofusca no interesse sórdido. E o pior, cai naquela coisa de o que um fez pelo outro para quantificar em quem deve quem. Quantifica-se o inquantificável. 

Gosto mesmo é de gente gratuita porque sempre fui gratuito e, por mais que tivesse feito algo por alguém, jamais joguei, ou jogarei nada cara porque, no fundo, fiz por mim. Fiz porque queria ajudar porque julgava ser o certo naquele momento. Mas essa não é a máxima comum.

Enfim, aprendi a lidar com essas situações evitando ao máximo pedir ou viver situações em que se cria alguma dependência de quem quantifica afeto/generosidade/altruísmo. Isso, desde jovem. Reconheço que isso nasceu de várias decepções de ouvir pessoas falando: "nossa, mas eu fiz isso por você" e eu ficar pensando: Putz, eu não imaginei que estava pagando por um serviço… Juro que se soubesse que era um serviço preferiria pagar em dinheiro. Porque, afinal de contas, há favores que saem mais caros dos serviços pagos.

Pode ser radical, mas quando uma pessoa faz isso, algo muda em mim com relação ao que sinto e, certamente, quanto até que ponto posso contar com ela, afinal, se um dia eu não tiver mais moeda de troca, até onde irá a "generosidade alheia".


domingo, 11 de julho de 2021

E la nave va… toca o barco

Dizem, antes dos 20, se não somos revolucionários somos insensíveis e depois dos 40, se o somos, somos insensatos. Isso tem um fundo de verdade. Nesse período de 20 aos 40, a vida se encarrega de nos fornecer um choque de realidade e nos mostrar dia a dia que não é bem assim que a banda toca que as coisas não mudam no atacado, segundo a nossa vontade e nosso tempo. Sim. As coisas mudam, mas isso se dá no tempo das coisas e não no seu.

A verdade é que, nesse período, para a marioria das pessoas, chegam as contas, acumulam-se decepções (essas acumulam-se a vida toda), vemos que muitos rótulos de ideologias são bandeiras úteis para quem, no fundo, quer poder, dinheiro, prestígio e …. mudar o mundo? Não. Nem pensar. Ele não vai querer mudar o mundo logo na hora que conseguir se beneficiar das regras. Ninguém quer eu o bolinho acabe logo na sua vez na fila..

Acabamos depois de certa idade nos acomodando  numa tênue e confortável hipocrisia de saber que aquilo não funciona assim, mas muitos seguem sustentando um discurso que os legitima como alguém consciente, comprometido, engajado com algo nobre. Talvez, queiram mudar o mundo ainda, mas se envolve sair do sofá e do teclado do computador, vai se esperar um pouco. Afinal, em certa fase da vida, sabe-se o mundo vai mudar no fluxo dele e não no seu.

Muito poucas são as pessoas rompem essa inércia quase absoluta para mudar qualquer coisa, esses snao espíritos sui generis, pontos fora da curva. Não é a regra. A miséria do mundo a incomoda, mas os sem teto de sua cidade, seguem nessa miséria, mas essa não incomoda. Só a do mundo. Essa não, essa é culpa do estado opressor capitalista conservador.

As injustiças e desigualdades causam horror, mas se não te toca, tudo bem. É só um cartaz numa passeata eventual contra o sistema ou um discurso cheio de clichês. Voltamos todos para casa e postamos imagens no Facebook e Instagram para que vejam como somos politizados e do bem.

A corrupção enoja até que você ou alguém próximo querido (sua mãe, por exemplo) receba um cargo de um político corrupto e se beneficie disso. Afinal, se você não aceitar, outro vai aceitar. E de dentro do sistema você consegue agir melhor contra ele. Mentira… e não são sinceras. Logo, não me interessam.

Assisti a um filme outro dia chamado Um Bom homem (direção de Vicente Amorim e roteiro de John Wrathall) 2008 que conta a história de um professor que se vê no dilema de usufruir benefícios de um sistema com o qual não concorda (o Nazismo da Alemanha nos anos 30). Não vou dar spoiler, mas é fácil imaginar que rumo essa história leva.

O fato é que não se atenta contra o próprio status quo. Isso é humano. Queremos que o mundo mude, mas não queremos que mexam no nosso queijo. São muito poucos aqueles que se encontram dispostos a abrir mão de algo que afete o seu padrão de vida em nome de igualdade, justiça social etc.

Enfim, a maioria das pessoas quer um mundo melhor mesmo, mas não querem agir no varejo para melhorar esse mundo, querem um mundo mais justo, mas não estão dispostas a comprometer o seu padrão social, querem resumir toda a mudança a uma gritaria eventual, muitas vezes, paga em passeata ou ao clique de uma tecla.

Mas enfim, como dizia Terêncio (163 d.c) Homo sum; humani nil a me alienum puto, ou seja,  Sou humano, nada do que é humano me é estranho.

E la nave va… toca o barco


domingo, 4 de julho de 2021

O mundo não muda no atacado

Quando somos jovens queremos mudar o mundo no atacado, de uma vez, em um golpe só. Achamos que basta nos unir que tudo vai mudar porque unidos somos mais fortes. Só esquecemos de perguntar se o outro quer se unir a nós e desconsideramos que pessoas possuem interesses diferentes, realidades diferentes e nem todo mundo está disposto a comprar nossa proposta para um mundo melhor. Pessoalmente, tenho muito medo de propostas que apresentam uma supervalorização do coletivo seguida da anulação do indivíduo.. Isso é problemático demais e arriscado demais.

Pois é.. a maturidade nos ensina que o mundo só muda no varejo. No fundo, sabemos disso intuitivamente, mas mudar o mundo começando a mudar a si mesmo é muito complicado e desgastante. Tudo isso implica em mudar condutas, pensamentos, atitudes cotidianas que mudam  efetivamente nosso mundo e, como nosso mundo faz parte de um universo de mundos. Automaticamente, muda o mundo.

Muita gente se pergunta como lidar com aquele que não quer mudar a si a mesmo e sua resistência mantém esse universo de mundos em desarmonia. Primeiramente, tudo se encontra em movimento e de alguma forma, até quem não quer mudar muda sim. Não no ritmo que desejamos, mas muda. E, em segundo lugar, a velocidade dos movimentos em direção às mudanças ocorre no ritmo do livre arbítrio de cada um e não segundo nosso desejo. Respeitar o tempo do outro é parte da nossa evolução também.

As ideologias que pregam as mobilizações e a supremacia do coletivo acreditam de verdade que as coisas mudam na base do tranco. Isso é um engano e gera uma legião de pessoas que assumem para si a missão messiânica de mudar o mundo convencendo o outro a mudar mundo… que irá convencer outros a mudarem o mundo. Isso é inócuo e, olhando de perto não faz o menor sentido. O mundo muda com 1% de ideias e 99% de atitudes. E muita gente não consegue sair do 1%.

Eis a razão pela que se engajar na luta pelas crianças desnutridas da África é mais interessante do que pelas crianças em família que passam por necessidade na periferia de sua cidade. A indignação rende discursos, textos no Facebook, vídeo curtos com o celular na vertical e morre ali. Não demanda ação alguma. Miseráveis de longe são ótimos para a promoção do marketing pessoal nas redes, já os da periferia custam tempo, dinheiro e estão perto demais da nossa realidade, longe demais das redes sociais.

Uma vez conversava com um colega me dizia que essas campanhas de alimento e agasalho, por exemplo, não resolve porque milhões de pessoas ainda seguem sentindo fome e frio (daí ele não ajudar em nada). Era assistencialismo barato da burguesia capitalista. E eu perguntei: Mas não ajuda a reduzir a carência da pessoa beneficiada? E ele respondeu: É... mais o problema ainda está lá no sistema.

Moral da história: se não for para mudar o mundo todo de uma vez, não faço nada. Se não for para beneficiar 100%, não faço nada para ninguém.

Ele não entendeu que o mundo não muda no atacado mesmo… ou entendeu.



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domingo, 27 de junho de 2021

O que vejo e o que as coisas são

Nietzsche dizia que não temos acesso à verdade dos fatos, mas a narrativas. Mesmo aquilo que presenciamos, uma vez registrado no nosso universo de informação se torna uma narrativa e todas as vezes que retomamos o fato presenciado, retomamos a narrativa construída por nós mesmos. Sim.. Estamos diante de uma intangibilidade da verdade pura e uma multiplicidade de narrativas. Coisa doida, né? Pois é.

O fato é que enxergamos o mundo através de lentes que só permitem a visão do que elas filtram. Lentes formadas por nossa experiência pessoal, nossa formação cultural, nossos interesses pessoais e uma infinidade de fatores que me levam a crer que não enxergamos o mundo necessariamente por aquilo que queremos ver (como pensei muito tempo), mas por aquilo que conseguimos ver.

Assim como no livro O mágico de Oz (The Wonderful Wizard of Oz - romance de L. Frank Baum) que virou filme, em que havia a cidade das esmeraldas porque o mágico obrigava que todos usassem óculos de lentes verdes, vejo que, muitas vezes, o que as pessoas veem é aquilo que surge através de óculos verdes e acham que toda cidade é feita de esmeralda mesmo. 

Isso ajuda muito a entender a cegueira ideológica que temos hoje. Os radicais de esquerda, que, no fundo, são iguais aos radicais de direita, uma vez que são duas faces da mesma moeda, enxergam o mundo através de lentes muito pessoais e constroem narrativas que atendem ao conjunto de verdades que escolheram com base naquele mundo que conseguem enxergar. Aliás, um mundo pleno de uma lógica pessoal, própria e conveniente.

O meu medo é que, no desconhecimento dos óculos que carregam no rosto e que distorcem o mundo para caber nas suas crenças, os limites se esvaiam e as ações passem a ter o fim como justificativa suprema um bem maior. Os nazistas acreditavam nisso, os fascistas acreditavam nisso, Mao Tse tung acreditava nisso, os comunistas acreditavam nisso, todos traziam a certeza de estarem agindo pelo bem comum lutando por um mundo melhor. Os óculos que usavam só permitiam ver isso..

Podemos encerrar a discussão se nazismo é de direita ou de esquerda dizendo que, na verdade, no sentido metafórico da palavra (governo autoritário, opressivo, violento, ditatorial etc) ele é dos radicais de ambos os lados que seguem enxergando o mundo pelas suas lentes e elegendo como inimigos aqueles que não aceitam ver as coisas como eles veem. Isso gera inclusive, hoje em dia, o ódio ao "isentão", que é o nome que dão aquela pessoa que não quer assumir a ideologia dela. Já expliquei isso aqui no blog.

Abrir mão desses óculos de ver o mundo  nu e cru é quase impossível, mas é importante saber usar lentes multifocais e entender que o mundo não é um produto, mas um processo e sendo assim, nunca vemos o como É, mas o como ESTÁ.


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domingo, 20 de junho de 2021

Entre o útero e o túmulo

Costumo dizer que a vida é um trajeto sinuoso (e tortuoso) entre duas proparoxítonas: o útero e o túmulo. Também comparo a uma viagem de avião que sabemos como termina, mas não sabemos onde vai haver escala ou conexão e, só reconhecemos que há um voo que é medido pelo combustível que temos na aeronave e, de verdade, não fazemos ideia de quanta gasolina ainda há. É isso…

Sem manuais de instrução, você vai seguindo viagem e aprendendo a pilotar a aeronave enquanto ela voa. O fato é que quanto mais pilotamos, mais entendemos sobre ela. É claro que sempre será insuficiente para compreender a complexidade disso tudo. E claro também que é um conhecimento muito pessoal e quase intransferível, mas ainda assim, na véspera de completar 50 anos, resolvi compartilhar algumas observações. Vão ajudar a tornar viagens mais fáceis…. creio que não. Mas é mais a catarse mesmo de um homem que hoje está mais perto da proparoxítona final.

1. Não barganhe com a vida. De forma macro, as coisas vão acontecer em um fluxo alheio a sua vontade. Pessoas boas morrem de câncer, canalhas vivem até 100 anos, pessoas boas passam na miséria, canalhas vivem na fartura.. isso vai acontecer. É assim. A lei do retorno beira uma farsa que criamos para nos consolar quando nos ferramos na mão de alguém. Não é assim que a banda toca.

2. O maior beneficiado da sua boa conduta é você mesmo. Não vai haver troféu no fim da corrida ou pódio de chegada e beijo de namorada. Você já ganhou seu prêmio agindo assim e deixando de ser mais um fdp em um mundo com tantos.

3. Amar não é fazer com que o outro tenha uma vida sem dores ou sofrimento. Tipo o pequeno Príncipe colocando uma cúpula em volta da rosa. Isso é frustrante e impossível. Amar mesmo é respeitar o caminho de cada um e, no final, auxiliar se as coisas derem errado sem dizer o "viu, eu te disse" 

4. Se você fez algo por alguém para jogar na cara depois seria melhor não ter feito. Se você pretende jogar na cara algo que fez para obter algum benefício do outro, não faça. Isso é desonesto. Você sabe que está vendendo afeto/atenção. Só o outro é que, às vezes, não sabe que está comprando. 

5. As pessoas são o que elas são. O grande desafio é saber o que elas são. Você vai passar uma vida nessa leitura e, quando entender uma parte, elas mudam e você retorna ao ponto quase zero. É frustrante, mas é assim que rola.

6. Não nutra grandes expectativas com relação aos outros. É melhor receber mãos cheias quando esperávamos vazias do que vazias quando esperávamos cheias. Mas, nunca se esqueça, leve as suas mãos sempre cheias. A essência do outro não pode corromper a sua.

7. Todo mundo é capaz de tudo. O que as pessoas vão avaliar é a relação custo benefício e o momento. O que lidamos é com a relação do TUDO é possível, mas nem tudo é provável... pelo menos não naquele momento, não naquele contexto.  

8. As pessoas não conseguem, no geral, enxergar muito além do que gira em torno de seus interesses pessoais. É assim mesmo. Não cabe julgamento aqui. O exercício de ver além do que nos convém (e interessa) é o trabalho de uma vida. E aprendemos isso em doses homeopáticas.

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Proparoxítonas são chamadas de palavras esdrúxulas e nada mais caprichoso da vida do que se colocar a vida entre as duas. Faz a gente pensar.

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domingo, 13 de junho de 2021

Ódio ao isento... Por quê?

Outro dia, uma pessoa conhecida destilou no Facebook todo seu ódio ao que chamou de isentão, pessoas que não querem tomar posição política publicamente, por exemplo. Ela dizia que pior de todos eram aqueles que não se posicionavam diante das questões. Por trás disso, existe a ideia desconfortavelmente autoritária de que quem não concorda comigo é ruim, mas quem não aceita concordar comigo é pior. Isso, porque se concordar com quem discorda de mim, se torna ruim, logo, só se torna bom aquele que concorda comigo. Entendeu?

Eu acho extremamente abusivas e autoritárias essas falas, já que retiram do indivíduo o direito de escolher não dizer o que pensa sobre um tema e que dá a falsa percepção de que ele não se posicionou quando, na maioria das vezes, ele se posicionou, mas não quer compartilhar com os outros a sua visão. Ou se trata de desinteresse em compartilhar com você, uma pessoa que a despeito da sua autoestima, ele considera alguém com quem não vale a pena compartilhar ideias. Doloroso para o ego imaginar isso, né? Mas acontece...

Pois é, mas nós não somos unanimidades e a maneira como nos veem nem sempre fechar com a maneira como nós pensamos que nos veem. Isso é o ponto de partida para lidar melhor com a ideia de que as pessoas podem ter um conceito não tão positivo a nosso respeito o quanto imaginamos que tenham. Daí, não terem o menor interesse em compartilhar suas opiniões com a gente. O que não quer dizer que elas são isentonas. Elas só não nos prezam o suficiente para investir seu tempo nos expondo suas opiniões. Foi duro entender isso, mas entendi e acho que um exercício de senso crítico ajuda bem nesse processo.

Sei que vivemos em grupo e as decisões de uns acabam afetando outros. Isso, inevitavelmente. Entretanto, antes de sermos grupos somos indivíduos dotados de interesses e escolhas. Isso deve ser respeitado, pois os grupos mudam e se desfazem, mas a individualidade só se dilui com a morte.

Acho preocupante toda ideologia que vise à anulação completa do indivíduo por um ideário comum e coletivo e, principalmente, dos meios que pretende para prevalecer isso. 


domingo, 6 de junho de 2021

Insaciável querer e a frustração

Outro dia eu lia sobre o que é felicidade, uma pergunta que o homem se faz desde sempre. No texto, o autor resumia a felicidade como um estado de paz interior constante, um bem estar prolongado que decorre da lucidez emocional, da capacidade de estar bem com você mesmo a maior parte do tempo. Algo muito longe da busca insaciável por momentos de satisfação que promovem um efeito de prazer momentâneo que se dilui com grande rapidez como se fosse uma droga ingerida.

O problema é que a sociedade alimenta o ideal de felicidade vendido nas novelas e nas propagandas. Felicidade é casar e ter filhos morando numa casa em que a esposa fica abanando a mão para se despedir das crianças que vão para a escola. Isso, depois de um café da manhã harmonioso que termina com um beijo na testa, um sorriso e um "vou indo que estou atrasado, querida".

Resumem felicidade a dinheiro, muito dinheiro e contradizem milhões de pessoas que vivem com pouco, mas trazem consigo uma aura de felicidade legítima. Diriam alguns, são alienados. Mas seriam eles ou nós os alienados?

A busca pela felicidade momentânea no mundo moderno (e que a mídia tanto divulga, pois, ela quer te convencer que sua felicidade está atrelada ao que querem te vender) promove, na verdade, duas coisas: o cansaço e a frustração. O cansaço, pois seguimos em um insaciável querer em que nunca nada nos satisfaz. Quando conseguimos uma coisa, aquela satisfação dura somente pouco tempo, uma vez que sempre há algo mais a se querer ali na frente que já queremos. Isso provoca um exaurimento de energia vital decorrente de nunca estar satisfeito de verdade. 

O segundo efeito é a frustração. São fornecidos a nós modelos de felicidade como roupa pronta e algumas pessoas realmente conseguem atingir esse modelo (ou algo bem próximo) e, inevitavelmente, nos pegamos nos comparando com fulano tem uma família feliz, com sicrano é bem sucedido e, a partir daí, fazemos uma mensuração do "nosso fracasso". Aí nasce a imensa frustração de não ter tido sucesso algum.

Esse é o problema. A medida do fracasso ou do sucesso nunca é tangível por índices, pois esses conceitos são externos a nós mesmos enquanto o êxito real é o cultivo da vida interior em um estado de paz e lucidez emocional (eu sei o que sinto, de onde vem e entendo a dimensão que permito que isso deve ter na minha vida). É importante entender que a régua que mede meu sucesso não é as postagens do Instagram onde todos são felizes, onde todos são bem sucedidos e, na verdade, onde todos pintam a tela para mostrar aos outros a imagens que querem que eles vejam.

Enquanto muitas vezes, talvez, olhem outras postagens e pensem: como fulano tem uma família feliz, como sicrano é bem sucedido…. preciso, talvez…. quem sabe…. postar mais na praia.


domingo, 30 de maio de 2021

O que "vc" é hoje é o que "vc" sempre quis ser?

Outro dia,  vi essa perguntar em uma comunidade do Facebook e me pus a pensar na resposta. Acho que para ser respondida de forma mais madura a pergunta deveria ser: você está ciente de onde está e de que esse lugar é o resultado direto ou indireto das escolhas que você fez na vida? Aí sim, podemos começar a pensar em refletir mais claramente sobre a resposta. 

Quando mais novos queremos ser tanta coisa. Eu, por exemplo, quando criança, queria ser palhaço ou policial. Achava o máximo essas duas profissões. No início da adolescência, queria ser jornalista. No final dessa fase, a realidade financeira bateu na minha porta e descobri, como na música dos Engenheiros do Hawaii que, somos quem podemos ser. Por sorte, eu gostava muito de ensinar e também me realizava com isso. Daí, para me assumir como futuro professor, foi um pulinho. Eu me encontrei no magistério e a partir disso segui nesse caminho.

Mas mesmo já no magistério, em determinado momento, quiser ser diplomata e pensei seriamente em fazer prova para o Instituto Rio Branco. Depois quis ser empresário. E fui.. aí quis ser gestor. E também fui. Bom, hoje não sou necessariamente nada disso. Só professor mesmo. Aprendi muitas coisas, vivi muitas experiências e a pergunta se me tornei o que sempre quis não me soa adequada porque quis tantas coisas que não sei com o que alinhar o que sou com o que quis. Talvez se fizermos um recorte de o que quis quando, eu possa te responder que não.. Não consegui ser palhaço nem policial, o que queria quando criança, mas que consegui se professor, o que quis depois.

É aí que está. Comparar o que somos com o que os outros são ou com o que queríamos em determinados recortes de percepção da vida nos induz a um erro de análise e uma resposta que talvez não reflita bem nossa evolução pessoal.

O que você queria ser? Rico, famoso, reconhecido... Essas são respostas muito óbvias para temas tão complexos porque se a resposta é não aos quereres citados é porque em algum momento optamos por caminhos que nos levaram a ser outra coisa. A vida é feita de escolhas e preços que estamos dispostos a pagar ou não e queira ou não, somos nesse instante, o resultado das nossas escolhas que fizemos e preços por que pagamos.

Então, a resposta a pergunta é SIM. Eu sou mais do que o que sempre quis, sou o resultado do que escolhi em cada encruzilhada da vida e produto de cada preço por que paguei para chegar aqui. Sem pieguismo, mas produto de uma constatação óbvia, eu sou cada dia a melhor versão de mim mesmo. E, no fundo, sem verbalizar, sem teorizar, e de verdade, foi o que sempre quis mesmo.