segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

As coisas têm gosto de quê?

Quando a gente nunca comeu algo, a gente costuma a fazer a célebre pergunta: tem gosto de quê? Ou ainda, parece com o quê?
Na verdade, nada se parece com nada. Rã tem gosto de quê? Putz, sei lá, meio frango, meio peixe, mas não crie expectativas... é diferente dos dois. Gosto é uma percepção intangível para quem não prova e, normalmente, inadequado às palavras de que dispomos no nosso vocabulário.
Pior ainda são os gostos de cheiro. Aquelas coisas que tem o gosto do cheiro de outra. Por exemplo, sempre achei que alguns tipos de maçãs têm gosto de cheiro de Superbonder... vai entender...
Agora há as coisas que tem um gosto tão bom que não encontramos uma palavra que dê conta de tudo que aquilo nos passa. Há sensações que se somam e quando buscamos na memória a cena em si, derretemo-nos na inefável percepção de um mundo sem palavras, mas que guarda significados tatuados na nossa alma.

***
Que tal café com pão fresquinhos, em casa de avó, em período de férias no fim de tarde? Lembre... não consigo encontrar algo que defina o que me vem quando penso nisso.
***

E caderno novo? O cheiro do caderno novo que combina com a sua letra linda dos primeiros dias... até porque, a partir da segunda semana de aula, retomamos o garrancho do ano anterior.
***

Barulho de embalagem de presente em dia de Natal e o cheirinho de plástico do brinquedo novo... Você já sabia há meses o que ia ganhar, mas o culto à espera aumentou sua ansiedade à 10 potência.

***
Primeiro dia de aula em escola que você não conhece ninguém. Falta lugar para você colocar a mão, os bolsos não são suficientes, e você é um peixe fora d’água.

***
Andar de bicicleta. Você sai meio trêmulo, o guidão vira de um lado para o outro. Finalmente, te soltam e você pedala livremente. Sem curvas é claro... isso é uma segunda etapa.

***
A sua primeira caixa de bombom sem restrições ao consumo. Você passou a vida inteira com aquela coisa de não poder comer tudo, aí, um dia, adulto e dono de seu nariz, se vê diante de uma caixa que não lhe oferece restrições. Não aprecie com moderação.
***
A primeira ficada (com beijo) e os pensamentos atordoantes. E seu beijar errado? O frio na barriga e a sensação de proibido. Putz... eu raspei o dente...

***
A lista é grande:

A primeira viagem sozinho (Desafio e, no fundo, um certo cagaço natural);
O primeiro salário (parece uma fortuna);
Cheirinho do (seu) carro novo (dá vontade de passar para a roupa o cheiro);
Arrependimento da 1ª ressaca (Garrafa na TV dá náusea nesse dia);

De que isso tem gosto?


E, finalmente, as palavras acabam antes de servirem para dizer o que eu precisava dizer...

sábado, 23 de fevereiro de 2008

TELELIGADOS - a culpa é da TV


O mundo moderno nos torna escravos dos confortos da tecnologia. Ficamos muito irritados quando, por exemplo, a luz vai embora subitamente e nos deixa sem suas benesses.
Naquela família, o horário da novela era sagrado, ou melhor dizendo, das novelas. Todos se reuniam em frente a mágica caixa de luzes e ficavam extasiados com os dramas mexicanos de Aluísio Rogério, Augusto Fernando, Carla Patrícia, Sílvia Isadora e outros nomes duplos de gostos, sonoridade e combinação duvidosos.
Na novela das seis, a família vibrava entretendo-se com o drama de uma moça rica que sonhava com o verdadeiro amor, mas se via obrigada a casar contra seu gosto com um rapaz escolhido por seu pai. Na das sete, uma moça pobre que se apaixona por um rapaz rico, mas a família do rapaz não deixa e sofre ao descobrir que ele tem uma terrível doença, um castigo de Deus. Na das oito, vemos amores proibidos, arrivismo, terríveis doenças, vingança e o bandido sempre se dando mal no fim da história. Ufa ! Ainda bem !
No último capítulo da novela “Aqui se faz, aqui se paga”, todos já estavam na frente do aparelho. Meus Deus, só faltam alguns comerciais para saber se Eugênia Ricarda vai conseguir se casar com Alex Dagoberto Junqueira Paiva III, o herdeiro do grupo Junqueira Paiva, um imenso complexo industrial que produz laxantes e fraldas descartáveis.
Como a espera me angustia !
Mas o destino é um grande pregador de peças e faz das suas. Quando entra a chamada... a luz vai embora. Imprecações soam pela sala. A família está irada com a situação. Telefonam insistentemente para a companhia de luz, mas de nada adianta o chilique coletivo. A pane foi na cidade toda.
O bom senso surge quando em meio a escuridão alguém acende uma vela. Eles se olham um pouco que assustados um para o outro e descobrem que em muitos anos nunca haviam se visto por ali àquela hora da noite.


“Ué, mãe ! Você por aqui ? “
“Querida ! Eu não te via por aqui desde...”
“Amor proibido, 1968 ?”
“Não. Muito antes. Desde o Direito de ser feliz, 1664”
“Nós nos vimos meio de passagem em A honra de minha filha, 1972”
“Foi tudo tão rápido que pensei ser uma miragem ou algo parecido.”
“O que você faz aqui ?”
“Vejo televisão !”
“Ó ! Eu também.”
Os filhos se olharam, perceberam o clima de namoro entre os dois e discretamente retiraram-se da sala.
“Você não mudou nada estes anos todos. Na verdade está cada vez mais linda.”
Ela respondeu com um sorriso e as duas mãos se tocaram sobre o sofá. Um calor percorreu-lhes o corpo e um arrepio eriçou-lhes os finos pêlos do braço. Uma longa conversa se iniciou e falavam animadamente sobre seus gostos, seus projetos, seus anseios e temores àquela hora da noite.
O doce idílio prolongou-se durante muitos minutos e combinaram se encontrar para saírem ou ficarem por ali mesmo.
“O que você sugere ?”
“Não sei. O que você quiser eu topo. Com você tudo é fantástico.”
E se beijaram à luz das velas.
“Que tal se a gente fosse jantar fora, ao cinema, sei lá qualquer lugar só nosso, hein...” Sorriu fazendo-se entender rápido.
“É ... Quanto tempo ...!” Suspirou ela.
“Ou então, que tal ... a gente... aqui mesmo...” Risadas contidas.
“Seu bobo e as crianças ? Ficou doidinho ?” Mais risadas.
“É... aqui mesmo. A gente até que podia...”
Mas neste meio tempo a luz volta e gritam quase que em uníssono:
“Ver televisão !”
Ligam a TV imediatamente, os filhos voltam pra sala.
“Ufa ! Estava doida pra saber se o rapaz ( como é o nome dele mesmo ? ) ia se casar com aquela moça do comercial de shampoo. “
“Vai. É claro !”
“Como é que você sabe ?”
“Li no jornal.”
“Puxa ! Perdeu a graça.”
“É.. Vamos fazer uma coisa diferente ?” Risinhos marotos novamente.
“Meu filho, troca de canal ?”
E discretamente ele sussura no ouvido da mulher fazendo-a se arrepiar todinha:
“Adoro este sistema de TV a cabo por assinatura”
”Ai, seu bobinho ! Olha as crianças na sala. Comporte-se !”
(LEITE, Marcelo. Ladrão de Histórias e tantas histórias.)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O que seria de nós sem as vogais?

No final do século XIX, os lingüistas levantaram a hipótese de que há um princípio de economia expressional nas línguas, ou seja, se pudermos dizer mais com menos, melhor. Um caso interessante são as abreviaturas de palavras como cinemascope (cinema), fotografia (foto), motocicleta (moto) até os bizarros “Xurras casa da Fé” ou o “niver no apê do Lê”... casos com cara de blog teen ou scrap no orkut.
Mas a simplificação não fica por conta dos blogueiros, dos adolescentes ou de outro grupo, mas sim dos baianos. A Bahia..., Bahia de Castro Alves, de Jorge Amado, de Caetano Veloso e de Gilberto Gil entre tantos outros gênios. Pois é de lá que vem o grande evento da nossa língua: a comunicação puramente vocálica.
Veja: ó pai, ó... ( o filme). Disse tudo ainda que eu não tenha entendido nada e só usou uma consoante, um P intrometido. Vamos mais além... o que seria da axé music sem as maravilhosas vogais. Em Salvador, quem dispõe de três vogais, faz uma música... se tem um carro com som, faz um trio elétrico e se tem mais de 10 pessoas, faz um carnaval.
Contemple a obra:

Aê, Aê, Aê, Aê...
Ê, ê, ê, ê, ê, ê,
Ô, ô, ô, ô, ô...

Acrescente a isso frases de efeito como “sai do chão”, “maiiiiinha”, “nojenta”, pronto, reúna três amigos para se pintar e dançar... Já temos o suficiente para fazer sucesso em todo o país.
Seria muito injusto de minha parte excluir os surfistas, que com sua genialidade sintética resumiram a comunicação à arte vocálica: Chegando em casa, o brou mais velho fala para o brou mais novo que levou a galera para fazer uma festinha:

Ô, ó o auê aí, ô.

E precisa dizer mais o quê? O auê cantado pela Rita Lee (Desculpe o auê/eu não queria magoar você....) na década de 80, agora, é visto como o prenúncio do reinado das vogais.
***
Enquanto isso, em uma agência de empregos de Salvador, um surfista sendo entrevistado...

- oi.
- Trouxe os documentos?
- ó... aí.
- Tá faltando um documento...
- ã?
- Ah não, está aqui.
- Aaaa..
- Esse aqui é o seu endereço?
- É.
- Há quanto tempo você não atua na profissão?
- Ihhhhhh...
- Bastante tempo, né..?
- Ó.
- Já morei perto da sua casa. Já foi num bar que fica na esquina dessa rua?
- Ia.
- Vejo que trabalhou em escola de samba...
- e...
- Nada. Já compôs samba?
- É.
- Qual parte?
- Oooooiiii...
- Assina este formulário então.
- ó?
- é.
- aí?
- é.

Consoantes? Pra quê, meu rei?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Com se fazem os bebês... versão atualizada.

As crianças que nascem atualmente não engolem mais a história de cegonha, ou bebês que brotam em abóboras. O papo de “o papai colocou a sementinha na barriga da mamãe” é muito técnico e pode acabar despertando pergunta do tipo: foi intravenosa ou por cirurgia, papai?
Ciente de que é importante manter um tom de fantasia sobre a sua vinda ao mundo (assim como mantemos os mitos de papai Noel e coelhinho da Páscoa) é necessário atualizar tudo que contamos sobre como nascem os bebês e nada melhor do que adequar ao nosso tempo o processo fantasioso de geração humana.

***

Papai liga o 0800-CEGONHA
Tuuuuu, tuuuuu, tuuuu, clique.

- Bom dia, você ligou para Cegonha International Corporation, sua ligação é muito importante para nós. No momento, todos os nossos atendentes estão ocupados, ligue mais tarde ou aguarde na linha.

Desliga.

Papai, pela 5ª vez, liga o 0800-CEGONHA
Tuuuuu, tuuuuu, tuuuu, clique.

- Bom dia, você ligou para Cegonha International Corporation, se você já é cliente, tecle 1, se ainda não se cadastrou, tecle 2.
Tuuuu (toque de tecla)

- 1, pai. Para bebês do sexo masculino, tecle 1, para do feminino, tecle 2, para sexo aleatório, tecle 3.

- Sua ligação estará sendo transferida para um de nossos atendentes. Para sua maior segurança, sua ligação estará sendo gravada.

Tuuu, tuuuu,... atendente, Carlos Cegonha, em que posso ajuda-lo?

- Bom, eu estou tentando fazer a solicitação de um bebê modelo 2008 do sexo masculino para ser entregue no Estado do Rio de Janeiro.

Um momento senhor, para confirmar sua solicitação vou estar checando alguns dados. O senhor poderia me informar sua data de nascimento...

- 28 de janeiro de 69.

- Ok, qual o endereço para correspondência?

- Rua das Garças, 522/307 – centro

- Ok. Senhor. Qual os três números iniciais do seu CPF?

- 075.

- Obrigado. Um momento, senhor... mais um momento.... um momento, senhor...

Enquanto isso.. Gravação chata...
Sua ligação é muito importante para nós, conheça também o nosso Máster Baby Program, o primeiro programa de milhagem para quem encomenda bebês. Sua maior comodidade aliada a um programa de desconto e serviço jamais vistos. O programa Master baby oferec...

- Obrigado, senhor ,por aguardar.
- O pedido do senhor foi confirmado, com entrega prevista para daqui a nove meses, não endereço fornecido. O senhor poderia anotar o número de protocolo de sua solicitação?
- Tudo bem.
- 0-3-5-6-7-9-1-1-1-2-2-3-4-5. Anotou?
- Já. Tá certinho...

Pronto. Assim nascem os bebês.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Uma breve estória do essencial! - Camisas e calças...

O fato é que, na vida, muitas vezes, o que faz a diferença é uma camisa dentro da calça. Camisa dentro da calça foi a curiosa, mas apropriada maneira de falar a respeito de algumas coisas que fazem uma diferença considerável.
Por que não dizer, muitas vezes, uma estúpida diferença.
Na porta de uma festa, o indivíduo tenta entrar. O porteiro o interpela.
"Convite senhor."
O homem enfia a mão no bolso e tira um papel amarrotado, logo entregando-o ao funcionário.
"Aqui!"
"Desculpe senhor, mas este convite só permite entrada com camisa pra dentro da calça. Camisa pra fora da calça é na porta ao lado" Retrucou o porteiro.
"Mas qual a diferença? Se o problema é colocar a camisa pra dentro, eu coloco."
"Agora não vale. Eu já vi pra fora da calça."
"Ah! Então o problema é você ver?"
"Precisamente!"
“Feche os olhos uns instantes”
“Isto seria omissão, Senhor”
As pessoas na fila se impacientavam. Comentavam a indiscrição daquele que ousava entrar pela porta das camisas para dentro da calça sem camisa pra dentro da calça. “Que falta de politese” comentava uma senhora.
“E agora? Troco de fila? Não posso, né!”
“Não, senhor. Vou chamar o Silveira, responsável pelo departamento de CDC”
“O que é CDC?”
“Camisa Dentro da Calça, senhor”
Minutos depois, chega um senhor todo almofadinha que com ares de autoridade diplomática, apresenta-se e sentencia: não há solução. Botar camisa pra dentro da calça ali era uma afronta as regras.
“Ah é!!!” Irritado, o convidado tem uma atitude drástica!
Todos o olham assustados.
O chefe do CDC e o porteiro cochicham entre si.
Agora o senhor pode entrar. Não há nada que o impeça.” Diz o porteiro com o assentimento do chefe do CDC.
A festa transcorre normalmente e ninguém foi capaz de notar aquele homem de cueca que andava entre os convidados, mas no muro ao lado da mansão seguranças agrediam rapazes que durante o baile afrouxaram a camisa para fora da calça e as pessoas ficavam pasmas como alguém ainda insistia em entrar ali com a camisa pra fora da calça.
Que tempos são estes, que tempos!!! Filosofava uma velhinha do tempo das camisas pra dentro da calça.
LEITE, Marcelo. Ladrão de Histórias e tantas histórias.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Estatística... 1 em cada 3 se preocupa com isso

Se tem uma coisa que me apavora é estatística. Saber que estamos sujeitos a tirania dos números e seus senhores me deixa em pânico. Abro o jornal e leio de cara as terríveis estatísticas. A possibilidade de chover, de baixar a inflação, de pegar AIDS, de ser atropelado, de ganhar na loteria... Ufa ! Quanta possibilidade!
Acordo de manhã e vejo que há possibilidade de chuvas esparsas no fim do período, o PIB cresceu 5% ano passado, meu time tem 45% de chance de se classificar para a próxima fase do campeonato, o carro que comprei tem uma desvalorização anual de 12% e eu, meu Deus, até eu... tenho 20% de chances de ser assaltado. É claro! Uma em cada cinco pessoas já foram e eu ainda não fui. O próximo, com certeza, sou eu.
Saio tenso pela rua e entro no edifício onde fica o escritório em que trabalho. No elevador tem sete pessoas. Sabe o que significa isto? Um grupo de cinco pessoas formado e se o assaltante lê estatísticas em jornal ele está de olho naquelas cinco, pois uma será sua vítima. Fui olhando de soslaio aquela gente toda e imaginando quem poderia ser entre eles.
Zequinha, o ascensorista, eu descartei. Já o conhecia há muito tempo. Restavam seis, menos eu, cinco. Eu botava a mão no fogo por mim. Nunca assaltara , nem geladeira. Eu sou homem muito direito.
A velhinha que assoava o nariz num lenço bordado. Passei a observar seus atos. Um jeitinho de facínora, mas de acordo com uma nítida observação fui me lembrando da minha tia Gertrude, velhinha de bom coração, e comecei a cogitar a possibilidade de não ser ela. Mas não descartei totalmente. A gente nunca sabe o que nos espera por trás de um doce rostinho senil. É só abrir o jornal e ver como tem velhinhas assaltando, traficando... e sabe lá mais Deus o quê. Também com o salário de pensionista ou aposentado...
É, mas não justifica.
Continuei observando os outros, mas sem deixar de lado a vovó suspeita. Ao lado dela tinha uma mocinha de mais ou menos 22 anos. Não era bonita, nem interessante, na verdade, despertava pouquíssima atenção. Seu ar de apatia a excluía da lista. Era impossível que alguém tão apagada assaltasse quem quer que fosse.
Ah! O boy ... Office boys são sempre criaturas estranhas. Usam radinhos nos ouvidos e poupam o dinheiro do táxi e sempre falam que a fila estava enorme. Aquele boné virado para trás e a blusa larga o denunciava como o bandido que nos observava. Não podia ser, aquele era o Toninho, o boy do departamento pessoal, eu o conhecia há muitos anos. Mas vai que ele fazia um bico de bandido e...

Duvido que ele me assaltaria. Ia pegar mal. Eu sou da casa.
Mas mesmo assim fiquei com um olho nele e outro na velhinha. De vez em quando até dava uma olhada na moça sem graça. Todos estavam sobre vigília e minha observação constante. Eu sou esperto e não os perco de vista.
O negrão que batucava na pastinha despertou minha suspeita, mas tive medo de ser acusado de racismo só por suspeitar e apaguei este pensamento pouco politicamente correto de minha cabeça. É crime inafiançável, sabia? Vi na TV outro dia.
Só restava o senhor com cara de sono. Era ele o tempo todo e eu nem percebia. Estava com sono porque ficou a noite toda fazendo o seu servicinho sujo. Safado! As pessoas do elevador precisavam saber. Tomei coragem e gritei:
“Peguem o ladrão!”
Todos me olharam assustados. Vendo que ninguém reagiu, tomei coragem e voei sobre o canalha. As pessoas custaram a entender o que acontecia e logo vi que me separavam do combate corpo a corpo.
Acho que exagerei.
O cara que eu ataquei era um funcionário novo do 6º andar, diziam ser gente boa, mas eu duvido. As estatísticas não erram.
Eu mesmo estou de licença médica em casa e vejo o jornal dizendo que uma em cada sete pessoas que vive na cidade grande tem uma crise de alucinação causada pelo stress. Olho para os quatro cantos da quarto e não vejo ninguém além de mim. Uma em cada sete, penso.
Ufa! Ainda bem que os outros seis estão longe daqui.
Detesto gente neurótica.


(Extraído do meu livro: Ladrão de Histórias e tantas histórias)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Seus problemas se acabaram

O mais gostoso da internet é que, se você prestar a atenção, está sempre a um clique de mudar sua vida, de ficar milionário vendendo perfumes, adquirir um cartão de crédito sem anuidades, sem conta, sem precisar pagar fatura e que ainda lhe permite receber tudo que você "gastou" em dobro. Sempre há um banner nos separando da maravilhosa oportunidade de aumentar o seu pênis, de consquistar a mulher dos seus sonhos, de ficar irresistível, de receber 20.000 visitas por dia em seu site e ganhar um carro que será sorteado em breve, mas do qual jamais ouviremos falar do ganhador. E, finalmente, dar orgasmos a qualquer mulher seguindo uma maravilhosa receita secreta de um guru indiano... Nossa! Vou arrasar!

Tem um produto maravilhoso que emagrece e faz qualquer mulher ficar gostosíssima e a cara da Grazy BBB. Viu, só é feia e gorda quem quer. Tem um produto que vai me dar uma renda mensal de 3 mil reais, basta eu vender 10 unidades por dia em minhas horas vagas.. uau!
Tem também aquele negócio da China em que você liga do seu celular e quanto mais você liga, mais dinheiro você ganha.. e ainda não paga nada por isso. É aí que eu vejo que o mundo é cheio de pessoas boas que querem te ver milionário sem nem ter que gastar nada.
Você é que é preguiçoso e desconfiado!

É só um clique, nada mais que um clique e todos os meus problemas se acabarão.

***

O número de telefone toca:
- Boa tarde, gostaria de estar falando com dono da casa.
- Sou eu.
- Senhor, boa tarde, nós somos da International Problems Solution, e estamos informando que o senhor vai estar recebe(i)ndo totalmente grátis sem nenhum custo adicional o nosso Problem Card Gold, um cartão que lhe dá direito a resolver os seus...
- Peraí...não entendi direito. Cartão de crédito eu já tenho.. não quero, obrigado.
- Mas o seu cartão além de não ter anuidade, resolve seus problemas pessoais totalmente grátis sem nenhum custo adicional e ainda lhe dá a oportunidade de participar do nosso programa de fidelidade...
- Cartão que resolve problemas?
- Sim, senhor... o Problem Card Gold...
- Peraí.. está de sacanagem comigo?
- De modo algum, senhor... o senhor tem problema?
- Tenho. Que tipo de problema?
- Qualquer um, senhor.
- huumm... tenho barriga de cervejeiro...
- pois o Problem Card Gold lhe dá direito a uma cirurgia de lipoaspiração totalmente grátis sem nenhum custo adicional...
- Ah... eu fui demitido.
- Pois então senhor, o Problem Card Gold lhe oferece a oportunidade de participar de várias entrevistas de emprego e ao final um cargo e sálario de seu gosto sem nenhum...
- Minha mulher me corneou... e aí..
- Bem, senhor, temos o programa de infidelidade que cobre despesas de advogados e ainda lhe oferece inscrições em sites de encontros para o senhor estar encontrando uma mulher à altura de suas qualidades...
- Huummm.. Meu time foi rebaixado... te peguei.
- Em absoluto, senhor, temos o Especial. First Division Program para que o senhor auxilie o seu time voltar para primeira divisão...
- Caramba... Estou carente à beça...
- Senhor, o nosso programa não tem carência, o adquirindo o Problem Card Gold você vai estar receb(i)ndo o programa de milhagem cafuné...
- E se eu quiser beijo de língua?
- Senhor, nesse caso, vou estar saindo às 17 horas...
- Nossa... isso é que é marketing!

***
O paraíso tem um nome:
Internet
Telemarketing

Só não é feliz quem não quer.

Vale a pena ler de novo - amor de web

Rapidinhas...
Amor em tempos de internet

Nosso amor começou no orkut.

Um dia passeando por uma comunidade sobre jardinagem, lá estava ela. Sorrindo em um perfil com o nome Dani. Mandei uma pergunta para o fórum, ela respondeu, postei um scrap, ela retribuiu.

Logo, atualizei meu perfil de acordo com o dela. Solteiro, sem filhos, morando com os pais, adoro meus animais de estimação, estilo casual, quem sou: nem eu mesmo sei... Surtiu efeito. Vi seu nome na minha página inicial. Fui na dela, ela foi na minha. Marcamos um encontro no MSN, ela preferiu o Google talk. Topei e instalei na minha máquina.

Ela estava linda, trocou a foto do perfil só para aquele encontro e vestia trajes floridos com uma paisagem de praia ao fundo. A partir daí, foi scrap para cá, scrap para lá, bom fds, só passei para deixar um bom fds... Que lindo!

Depois de mais de 500 horas on line, decidimos nos casar. Ela, na foto do orkut, de branco, eu de terno e os nossos amigos amontoando nossa página de recados. Foi o dia mais lindo que meu monitor de LCD já viu. Ganhamos muitos recados e depoimentos em nosso perfil.

Vivíamos felizes em um site instalado num provedor de linux que nos permitia ter vários bancos de dados onde guardávamos nossas coisinhas, nossos arquivos de powerpoint e nossas lembranças. Já sonhávamos em ter filhos que ilustrariam nossas fotos no álbum de foto quando ela começou a ter a visita de um perfil fake. No início, o tal do Jack Sparrow não dizia nada, só entrava e deixava um bom fds, às vezes, deixava um “visite meu flog”. Eu me ruía de ciúmes e não a deixava sair do nosso site sem mim.

Até que um dia, em um blog de relacionamentos eu a encontrei com o tal Jack Sparrow. O ódio me consumiu, pensei em atolar sua caixa de mensagens com ofensas, mas me contive e, simplesmente, eu a deletei no meu perfil, mudei de site de relacionamento, agora, estou no myspace, e não quis mais saber das leviandades do mundo virtual.

Nossas coisas... levei comigo e leiloei uma parte no mercado livre e outra no e-bay.
FIM

LEITE, Marcelo A. Ladrão de Histórias e tantas histórias. Edições Edocta.com. Rio de janeiro, 2007

Em tempo: Que tal comentários? Vou postar mais se agradar. Abraços

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Blogs e Blogueiros... e você?

Gostei desse universo de blogosfera, aliás, acho este neologismo o máximo, mas ainda engatinho e não pude deixar de notar que há tipos e temas que são recorrentes. Há vários tipos de blogs e blogueiros. Comecemos pelos blogueiros e deixemos os blogs para uma outra oportunidade:

O adolescente revoltado
Adota uma postura rebelde fala com ares de "o mundo me odeia e eu odeio o mundo, os outros não me entendem e eu sou alguém desolcado no mundo". No geral, usa um monte de imagens e faz referência a um monte de bandas que eu (um velho de 36 anos) nunca ouvi falar. O blog tem cores forte e imagens que, muitas vezes, repetem-se em inúmeros blogs e sites da internet. Adotam nomes do tipo: palavrasesangue, gritodeliberdade, solidaoemletras...

Se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia, mas aí vai um grátis...
O mundo não te odeia, as pessoas te entendem sim, você não está deslocado no mundo.. é só impressão sua. E deixa de frescura e vai estudar que tem prova na semana que vem. Ah... e quando você passar dos 30 vai achar o título do seu blog e bandas com títulos como fucking cops coisas patéticas.

O Cronista Teen
Postura barbie, blog com fotos das "miguxas", "dos Xurras". Uso intenso de abreviaturas do tipo "niver"... Fala do próprio cotidiano e aborda o tédio existencial. Normalmente, o tema só interessa a ela mesma e tem um monte de link de foto de coisas como Niver da Fê (é surpreendente como existem pessoas com nomes do tipo Paty, Fê, Va, Su... proliferam os monossilabos de maneira assutadora). Adotam nomes do tipo: blogdafe, diariodaju...

Se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia, mas aí vai um grátis...
Seu cotidiano é um tédio mesmo, tente fazer de seu um diário uma piada e não um drama.. senão piora.

O tecnológico
Repete as notícias já encontradas em portais sobre tecnologias e faz algumas adpatações para dar um ar de novidade. Dentre os citados ainda é o mais interessante, mas por repetir o que já foi escrito na internet recebe comentários do tipo : legal, vou comprar um... Muitas vezes, vem com uma dúzia de banners que mandam a gente clicar, oferecem serviços, apresentam selos de concursos de blogs. No geral, eles querem é que você visite e aumente a pontuação dele. Adotam nomes do tipo: tecnomundo, infotecno, universodigital, digitoetal...

Se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia, mas aí vai um grátis...
Desista! Não vou clicar nas suas propagandas. Ah sim... prefiro o site da INFO.

O Intelectual
Fala de cinema, teatro, dança, livros, música (normalmente jazz e blues), cita autores e faz relações intertextuais que mostram suas leituras-cabeça. Escreve textos grandes e em letras pequenas. No geral, são legaizinhos, mas no fundo são uns chatos. Sempre lembram que os comentários feitos no seu blog devem ser a altura de sua geniallidade (não dizem isso, mas deixam insinuado nas entrelinhas). Adotam nomes do tipo: dialeticabrutal, onusvital, verbavana,...

Se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia, mas aí vai um grátis...
O pessoal anda falando que você é fresco. Eu defendo dizendo que é só o seu jeitão. Você não é gay, é só chato pra cacete. A gente já sabe que você é culto, agora, aja naturalmente.

O comediante
Enche o Blog de video do YOU TUBE que todo mundo já cansou de ver, coloca foto montagens e faz control+C e control+V em piadinhas de sites de humor. Costuma vir cheio de banner e dá a impressão que tem milhões de visitas/dia. Adotam nomes do tipo: batataoca, ovochoco, sapocareca... ou outro nome engraçadinho...

Se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia, mas aí vai um grátis...
Se quero vídeo do you tube, vou lá... não gosto das fotomontagens pois já vi umas 10 dessas na web... ah e se insistir, paro de rir por educação...

O umbigocentrico
Gosta de temas exóticos do tipo um herói de mangá com aquelas historias estranhas que envolvem demônios, vida em outra dimensão e coisas do gênero. Pede em comunidades de blogueiros que façamos comentários. Caramba.. Comentar o quê? Adotam nomes do tipo: dimensaokakuto, kakutomundo, kakataluta.... Normalmente, vigiam quem diz que comenta e não comenta, precisam que comentem.

Se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia, mas aí vai um grátis...
Aquele herói japonês é curtição sua e dos colegas de sala. A maioria das pessoas não entende nada...

Os estéticos
Colocam flash, recursos de banner, inserem imagens, cheio de banner é um verdadeiro circo. Selo de concursos de blogs, links.... Normalmente, o conteúdo é inversamente proporcional a quantidade de papagaiada. Para não dizer que não tem nada, sai colando link do you tube, piadinhas e escreve umas linhas (umas duas mesmo, no máximo)

Se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia, mas aí vai um grátis...
Tá legal.. no meio dessa piscação de banner, eu tenho que comentar o quê? Ah.. também não vou clicar nos seus baners... desista

O Escritor frustrado
Coloca capítulos de um livro que escreveu e que aborda de maneira teatral coisas banais (acha isso genial e sempre tem um séquito fiel que também faz o mesmo). Este se parece muito com o intelectual, mas é mais insistente e acha que todo mundo que entrar no seu blog vai ler aquele post imenso que ele publicou. Divide post em capítulos e acha que tem maluco que acompanha. Um dia pretende publicar (Deus nos proteja), mas ainda está buscando parcerias (Deus os proteja)...

Se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia, mas aí vai um grátis...
Kafka foi genial com a Metamorfose, você não está sendo nem original, nem genial... pára com isso, rapaz.

Ah, e tem os cronistas chatos (e implicantes assumidos), como eu, que escrevem sobre os blogs que visita e acha graça em tudo que lê.
Isso é rir do cotidiano e torna as coisas mais leves.

Qual tipo é você? A lista encontra-se aberta para acréscimos....