terça-feira, 29 de abril de 2008

Uma questão dialética.... chiques or not..

Acredito que vivemos em tempos de praticidade. E tenho sérias razões para crer que não é de hoje, pois, na minha adolescência, um sinal de inteligência era, antes de tudo, falar mal da Globo. A emissora recebia rótulos de manipuladora, tendenciosa, direitista e outros predicados pouco abonadores para um país que saía de 20 anos de ditadura recentemente. Em uma discussão, alguém que falava bem de um programa era visto como um agente conspirador, alienado... Esse cara merecia a exclusão social total.
O tempo passou e caiu a ficha de que todo meio de comunicação é tendencioso. A vilã virou, então, a TV, simplesmente a TV. Admitir que assistia a novelas em um meio intelectual era o mesmo que, a um muçulmano, entrar no meio de uma reunião de fundamentalistas islâmicos e gritar: Eu sou gay!
Eis a aberração das aberrações.
Mas não é que o tempo passa e as pessoas continuam tão cheias de clichês como há 20 anos. Você quer parecer chique e inteligente então decore o discurso:

Uma bebida: vinho - cabernet sauvignon
Uma comida: carpaccio
Uma cantora: Nana Caymmi
Um lugar: um piano bar
Um esporte: squash
Um filósofo: Espinoza
Um programa de TV: não gosto de TV, acho alienante
Um livro: um só? Deixa eu citar 30.

O caminho mais curto para não parecer chique e inteligente é achar vinho enjoativo e preferir Grappete, achar que carpaccio é aquele negócio que fica no pé da porta para a gente limpar os pés, acreditar que Nana Caymmi quietinha é o máximo, pensar que piano bar é sempre um lugar onde tudo é caro pra caramba, supor que squash parece mais uma onomatopéia do que um esporte, surpreender-se ao ver que Espinoza não era só um ex-técnico do Botafogo e admitir que não tem muito que falar sobre os livros da moda já que dormiu enquanto tentava ler e ver televisão em fim de noite nos últimos tempos.
Se de tudo, ainda você acha que é difícil demais fazer isso, cruze os braços durante uma reunião de chiques, balance levemente a cabeça durante o papo, e quando perguntado sorria com ares de concordância ou diga: é uma questão dialética.
O que é uma questão dialética?
Não interessa, fala que impressiona...
P.S.: Eu, pessoalmente, prefiro Grapette.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

A minha doença é bem pior...

Consultório de médico, sala de espera de clínica médica, saguão de hospital... Já viu lugares mais preenchidos de tipos bizarros? Há aqueles que têm uma doença, aqueles que acham que tem uma doença e aqueles que gostariam de ter uma doença. Mas o tipo que mais me encanta é aquele que disputa doença e acha que sua doença é mais séria do que a de qualquer um. Sente-se ultrajado quando alguém relata uma doença pior que a sua, mas o pior é quando ele se vê diante de um colega que se vale da doença de outros para tripudiar sobre sua reputação de “o mais coitado”.
No fundo, todo mundo conhece alguém que se vangloria de uma moléstia quando a apresenta, ou mesmo, jubila-se de conhecer um caso muito pior do que o que lhe relataram.

***

Revistas velhas anunciando coisas como MORRE ULISSES GUIMARÃES, uma recepcionista taciturna com óculos, uma luz artificial indireta, uma música ambiente de rádio, sofás... Está montada a arena.
No canto esquerdo, D. Rosa, 61 anos, 68 Kg, 1, 60 m, duas úlceras pépticas curadas, uma ponte de safena, um infarto e uma bursite incurável;
No canto direito, D. Branca, 64 anos, 65 Kg, 1,63 m, pressão alta, catarata, prisão de ventre crônica, bronquite desde criança e escoliose.

Boa tarde!
Boa tarde!
Calor né... ? Tempo maluco. Incerto... calor, frio, calor, frio...
Nossa!
E Para a gente que tem alergia... é muito ruim.
(Soou o gongo - vai começar a disputa)

Eu, quando fica assim o tempo, me ataca uma bursite nesse ombro que eu não consigo nem dormir”, inicia D. Rosa.
E eu? Passo dias sem conseguir deitar por causa da coluna. Uma dor que começa na base das costas e se espalha”, retruca D. Branca.
D. Rosa parte para o contra-ataque.
"Uma vez eu tive uma crise de coluna que me causava uma dor que se espalhou pelos ossos do corpo, eu perdi 15 Kg porque não conseguia abrir a boca por causa da dor. Só tomava líquidos."
D. Branca apela...
"A minha cunhada tinha uma dor que ninguém descobria, foi ver, era um tumor dentro dos ossos que pressionavam as vértebras, ela fica dias deitada sob efeito de morfina.. coisa horrível."
D. Rosa, que nunca havia perdido uma boa disputa de doença, faz uso de suas armas mais letais e ataca.
"A minha prima, coitada, tinha um tipo de tumor maligno que brotava dentro dos ossos dos dedos e ia se espalhando, com quinze anos os ossos estavam ocos e causava dores incríveis. Um dia ela fraturou a perna quando caminhava dentro de casa e nunca mais calcificou." Relatou triunfante. Aquilo era um vazare, um head shot... Mais uma dessas e saía comemorando com a dança do créu.
D. Branca ainda tenta reagir:
"E a minha vizinha da minha prima... huum..."
"Desenvolveu uma doença degenerativa que os órgãos dela ficavam iguais a uma geléia... aí..."

"D. Branca, é a vez da senhora. Dr. Gonçalves está chamando." Avisa a secretaria.

"Bom, deixa eu ir. Um abraço para a senhora." Disse D. Branca.
A porta do consultório fecha e D. Rosa sorri triunfante... Doença degenerativa.. Pensa com desdém...
Mais um nocaute....
Créééééééu...
Ai que vontade de comemorar...

sexta-feira, 28 de março de 2008

Piadas gastam...

Sapatos gastam e piadas também. Não é difícil listar um conjunto de piadas que, dado o seu uso excessivo, sofreram um desgaste imenso e passam do engraçada para o irritante. Sugiro que se vá além e se crie um Oscar da piada gasta. Poderíamos até começar agora com o famoso... and the Oscar goes to....

Categoria pior piada em má hora:
Quando o cara está com uma baita dor de cabeça e vem um engraçadinho e diz: aí, fica debruço que a cabeça passa... Que babaca!

Categoria humor negro:
Aquele pessoa que antes de começar a falar alguma coisa repete a frase, vamos fazer igual a Jack Estripador, vamos por partes... argh!

Categoria trocadilho:
Aquele chato que fica esperando a hora de dizer uma coisa do tipo: um não faço isso, mas a Beth Faria.... hehehe.... Eu só formo ano que vem, mas a Marjorie Estiano... hehehe...Falta uma plaquinha. "inferno a 10 Km, siga em frente"

Categoria Sacra
Aquele em que o cara sempre repete: fulano não é Ave Maria, mas é cheio de graça... Aí você pensa "não é pai nosso, mas bem que poderia estar no céu"

Categoria Pior roteiro:
Aquela do cara que cortou o saco porque a cueca estava apertada... Já ouviu esta piada? Tem gente que estica tanto que daria uma novela. E se fosse do Manoel Carlos o cara teria cortado o saco no Leblon e a mulher dele se chamaria Helena.

Pior ator coadjuvante:
Aquela do português que sai contando vantagem que enganou um brasileiro de que ele era gay, o cara acreditou e veio comendo ele a viagem de avião inteira. O brasileiro tarado da piada entra sem um texto sequer e passa o tempo todo espremido num banheiro de avião. Parece o Rodrigo Santoro no filme "As Panteras"... Vai ver que até era ele mesmo.

Pior atriz coadjuvante:
Aquela da Maria que vai a suruba pensando que era uma festa comum, mas se dá mal. Quem conta a história é o Joaquim que dá graças a Deus que ela foi no lugar dele... Os Mamonas musicaram isso e deram voz a Maria que ainda me deixa suspeita de que, depois do que vi em CARANDIRU, se trata do Rodrigo Santoro também..

Pior trilha sonora
Aquelas musiquinhas como a melô da lêndea (odeio estas melôs): vou me agarrar nos seus cabelos, pra não cair do seu galope" e, em segundo lugar, a melo do absorvente íntimo:" debaixo dos caracóis dos seus cabelos, uma história para contar de um mundo tão distante".

O cara esta conversando com você e diz:


"Igual aquela piado do Português com o pneu furado, conhece?"
"Lá vem mais uma piada sem graça", pensa você. E você diz:
"Pois é, conheço..." para se poupar de ouvir aquela chatura.
"É isso aí, então..." conclui sem contar a piada mais nada.
Dessa vez, você se safou, mas não conte com a sorte eterna... Um dia te contam a piada.

***
E vai por aí... ando num baita mau humor porque a OI TELEMAR está enrolando para resolver um problema na minha conexão de VELOX.

terça-feira, 4 de março de 2008

Os blogs e o fim do mundo parte 1


Certa vez, li na internet um texto que apresentava como cada jornal ou revista anunciaria o fim do mundo. Acentuavam a tendência de um a falar a partir de infográficos (Folha de São Paulo), outros a botar a culpa no governo (VEJA) e vai por aí. Nesse meio de blogosfera, percebi (como já abordei em textos anteriormente aqui) que cada blogueiro daria sua notícia do fim do mundo de seu jeito todo especial e veríamos maneiras diferentes de falar que cada blog se valeria para fazer seu post final.
A nóticia central é:

Mundo acaba com queda de meteoros gigantes

Blog Teen Patricinha
Visual
(fotos de celular de e das amigas - ao fundo um meteoro caindo.)
Texto:
Xurras do niver na casa da Fê, gentix,... ao fundo, o Met, caindo sobre a cidade. Mais ao lado, o Lê caindo na piscina. D+ beijuxx

Blog Teen Depressivo
Visual
(preto com letras pequenas em cores vermelhas, frases faltando palavras e uma foto dele(a) com o cabelo caído sobre olho tirado da câmera de celular por ele(a) mesmo(a))
Texto:
O hoje acordei, já tinha sol no meu quarto, mas estava tudo escuro. Lembrei do papo que tive com a Dri ontem, fiquei pensando nos erros e nos acertos. Por que insistimos tanto em errar, nem sei se vale mais a pena tentar acertar, acho melhor deixar rolar... Hoje tem meteoro caindo sobre o planeta, fim, acabou, nem sei se vou ver, acho que vou ficar por aqui mesmo.

Blog teen auto-ajuda
Visual
: Cores claras aproveitando o template do blogspot. Fotos coloridas e uma foto da blogueira sorrindo de braços abertas. Quando você vai no perfil no orkut encontra coisas do tipo: Tina - Dê bem com a vida.
Texto:
É importante buscar o seu sonho, acredite viver é lindo. Só o amor constrói, o que vale é lutar por um ideal e um sonho feliz, acordei vibrante, hoje, sei lá mil coisas, tipo assim, aqueles dias que vocês tá lá esperando pintar algo e, sei lá, nem pinta, mas rola vontade de sorrir. Poxa! A vida é demais, curta cada instante. Esse tal de meteoro, sei lá, nada a ver... cada minuto vale a pena.

Blog intelectual (ou pelos menos que se acha)
Visual: Ar sombrio, textos bem escritos, imagens cult (um desenho de Magrite, uma gravura de Dali)
Texto:
A dialéctica estóica do fim do mundo. Segundo Lacan, apresentando a percepção do homem face a teoria do espelho, podemos constatar que o homem, diante de sua identificação busca retomar as concepções analiticas antagônicas do elementos complexo da dinâmica do todo... Mas o fato é que o mundo enquanto ente e unidade socio-percepcional é uma falácia, logo, seu fim é, na verdade, a negação de uma busca antropológica de sua própria existência.
Blog intelectual cinéfilo
Visual:
Links do you tube para trechos de filmes antigos e imagens de atores espalhadas em posto para, muitas vezes, você ficar se perguntando o que aquilo tem a ver como texto.
Texto
O lançamento do último filme (ultimo mesmo) de Costa Gravas irá tratar do fim em sua concepção mais lata, ao mesmo tempo, densa e compondo o cenário e a fotografia através de uma estética nouvelle vague. Se o mundo não acabar mesmo, o filme chega ao Brasil no final do ano.
Blog de humor
Visual:
Cores gritantes, textos curtos e montagens que você já viu em outros blogs.
Texto:
Uma charge:
Um cara cantando um mulher: o que você vai fazer depois do fim do mundo?
Uma foto montagem com Jonh Lennon:
Legenda: o sonho acabou... e quem diria, o mundo também.
Blog de um botafoguense
Visual:
Escudo do Botafogo, blog com ofensas ao juiz, ao Flamengo e tudo que não é o botafogo
Texto: Roubados mais uma vez!!! O Botafogo, meteoro prejudicou o Fogão, pois caiu na hora em que o time ia desempatar. Até quando vai ser assim, Roubalheira, não conseguem ganhar e conspiram contra um time de tradição e história. Queremos respeito... buááááááá
Blog de um vascaíno
Visual
: Escudo do Vasco, blog com ofensas ao juiz, ao Flamengo e tudo que não é o Vasco.
Texto
VASCÃO, VASCÃO... Se ferrou, menguinho.
Vice nunca mais... rimos por último.
Blog de tecnologia
Visual
: Completamente lotado de banners de propagandas e no meio um textinho que você encontra mais bem escrito na INFO EXAME.
Texto
Microsoft lança correções para bug do Microsoft IE 7.
Se bem que eu me pergunto, nessa altura do campeonato, pra quê?
A forma de anunciar o fim do mundo não termina aqui... post em expansão. Aguarde.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Espírito de porco - a teoria da emerdificação do mundo

Sei e concordo que tudo no mundo tem dois lados, mas acho que as pessoas exageram nas tintas quando pretendem se mostrar grandes leitoras do mundo que a cerca. Sempre que aparece alguém com uma notícia muito boa, antes que algum mortal se anime, sempre vêm um MAS... É famosa teoria de emerdificação do mundo, ou seja, independente de o quanto melhore, ainda assim vai ficar uma merda pior do que já era. Os pessimistas acham que se as coisas continuarem como estão ainda vamos acabar comendo merda e os que adotaram a teoria da emerdificação do mundo, acham que não vai haver merda para todo mundo.
Aumentou a produção de biocombustíveis, estamos caminhando para um mundo menos poluído... MAS o ser humano vai usar terra para plantar cana ao invés de comida, além disso irá devastar grandes áreas para gerar combustível... o mundo vai piorar tanto...
O Brasil apresentou crescimento econômico acima da média,.... Oba! MAS, o aumento de riquezas irá aprofundar as desigualdades e tendemos a ser um pais cada vez mais de miseráveis. A riqueza do país não ameniza sua desigualdade.
Bom, mas o melhor de tudo é que podemos pagar nossa dívida externa e ficar de bem com os credores internacionais em definitivo. Já começo a sorrir... MAS o custo da geração desse caixa é a custo de uma forte crise de estagnação nos investimentos e do pagamento de juros altos pelo governo.
Na área de saúde descobriram um remédio capaz de curar alguns tipos de câncer... MAS, de que adianta se o custo é alto e esse medicamento não chegará às classes que precisam mais.
***

- Duas amigas se encontram na rua. Conversa vai, conversa vem:
- Viu de quem o seu EX está noivo?
- Não.
- Da Claudia.
- Não conheço, mas para fica com ele deve ser burra.
- Não. Não é nada, garota. Ela é autora de livros, doutora em literatura comparada e sociologia pela Sorbonne.
-No mínimo, com esse currículo, deve ser horrorosa.
- Bem, todo mundo diz que ela se parece demais com a Angelina Jolie e tem o corpo da Flávia Alessandra, sabe, a da novela...
- Ah, mas uma mulher assim só pode ser uma pobretona que está querendo encostar no dinheiro da família dele...
- Que nada, menina, o pai dela é um dos donos da maior siderúrgica da França e da Alemanha, proprietário de uma companhia de aviação e de uma mineradora na Austrália...
- ...
- ...
- Mulher com essas características normalmente são umas porcas, sofrem de gases e quando ninguém vê tem mania de enfiar o dedo no nariz..
- Ah sim.. isso é verdade, concordo com você amiga... aí que nojo, coitado do seu EX.

***
Mas sempre tem que ter um MAS...

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

As coisas têm gosto de quê?

Quando a gente nunca comeu algo, a gente costuma a fazer a célebre pergunta: tem gosto de quê? Ou ainda, parece com o quê?
Na verdade, nada se parece com nada. Rã tem gosto de quê? Putz, sei lá, meio frango, meio peixe, mas não crie expectativas... é diferente dos dois. Gosto é uma percepção intangível para quem não prova e, normalmente, inadequado às palavras de que dispomos no nosso vocabulário.
Pior ainda são os gostos de cheiro. Aquelas coisas que tem o gosto do cheiro de outra. Por exemplo, sempre achei que alguns tipos de maçãs têm gosto de cheiro de Superbonder... vai entender...
Agora há as coisas que tem um gosto tão bom que não encontramos uma palavra que dê conta de tudo que aquilo nos passa. Há sensações que se somam e quando buscamos na memória a cena em si, derretemo-nos na inefável percepção de um mundo sem palavras, mas que guarda significados tatuados na nossa alma.

***
Que tal café com pão fresquinhos, em casa de avó, em período de férias no fim de tarde? Lembre... não consigo encontrar algo que defina o que me vem quando penso nisso.
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E caderno novo? O cheiro do caderno novo que combina com a sua letra linda dos primeiros dias... até porque, a partir da segunda semana de aula, retomamos o garrancho do ano anterior.
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Barulho de embalagem de presente em dia de Natal e o cheirinho de plástico do brinquedo novo... Você já sabia há meses o que ia ganhar, mas o culto à espera aumentou sua ansiedade à 10 potência.

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Primeiro dia de aula em escola que você não conhece ninguém. Falta lugar para você colocar a mão, os bolsos não são suficientes, e você é um peixe fora d’água.

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Andar de bicicleta. Você sai meio trêmulo, o guidão vira de um lado para o outro. Finalmente, te soltam e você pedala livremente. Sem curvas é claro... isso é uma segunda etapa.

***
A sua primeira caixa de bombom sem restrições ao consumo. Você passou a vida inteira com aquela coisa de não poder comer tudo, aí, um dia, adulto e dono de seu nariz, se vê diante de uma caixa que não lhe oferece restrições. Não aprecie com moderação.
***
A primeira ficada (com beijo) e os pensamentos atordoantes. E seu beijar errado? O frio na barriga e a sensação de proibido. Putz... eu raspei o dente...

***
A lista é grande:

A primeira viagem sozinho (Desafio e, no fundo, um certo cagaço natural);
O primeiro salário (parece uma fortuna);
Cheirinho do (seu) carro novo (dá vontade de passar para a roupa o cheiro);
Arrependimento da 1ª ressaca (Garrafa na TV dá náusea nesse dia);

De que isso tem gosto?


E, finalmente, as palavras acabam antes de servirem para dizer o que eu precisava dizer...

sábado, 23 de fevereiro de 2008

TELELIGADOS - a culpa é da TV


O mundo moderno nos torna escravos dos confortos da tecnologia. Ficamos muito irritados quando, por exemplo, a luz vai embora subitamente e nos deixa sem suas benesses.
Naquela família, o horário da novela era sagrado, ou melhor dizendo, das novelas. Todos se reuniam em frente a mágica caixa de luzes e ficavam extasiados com os dramas mexicanos de Aluísio Rogério, Augusto Fernando, Carla Patrícia, Sílvia Isadora e outros nomes duplos de gostos, sonoridade e combinação duvidosos.
Na novela das seis, a família vibrava entretendo-se com o drama de uma moça rica que sonhava com o verdadeiro amor, mas se via obrigada a casar contra seu gosto com um rapaz escolhido por seu pai. Na das sete, uma moça pobre que se apaixona por um rapaz rico, mas a família do rapaz não deixa e sofre ao descobrir que ele tem uma terrível doença, um castigo de Deus. Na das oito, vemos amores proibidos, arrivismo, terríveis doenças, vingança e o bandido sempre se dando mal no fim da história. Ufa ! Ainda bem !
No último capítulo da novela “Aqui se faz, aqui se paga”, todos já estavam na frente do aparelho. Meus Deus, só faltam alguns comerciais para saber se Eugênia Ricarda vai conseguir se casar com Alex Dagoberto Junqueira Paiva III, o herdeiro do grupo Junqueira Paiva, um imenso complexo industrial que produz laxantes e fraldas descartáveis.
Como a espera me angustia !
Mas o destino é um grande pregador de peças e faz das suas. Quando entra a chamada... a luz vai embora. Imprecações soam pela sala. A família está irada com a situação. Telefonam insistentemente para a companhia de luz, mas de nada adianta o chilique coletivo. A pane foi na cidade toda.
O bom senso surge quando em meio a escuridão alguém acende uma vela. Eles se olham um pouco que assustados um para o outro e descobrem que em muitos anos nunca haviam se visto por ali àquela hora da noite.


“Ué, mãe ! Você por aqui ? “
“Querida ! Eu não te via por aqui desde...”
“Amor proibido, 1968 ?”
“Não. Muito antes. Desde o Direito de ser feliz, 1664”
“Nós nos vimos meio de passagem em A honra de minha filha, 1972”
“Foi tudo tão rápido que pensei ser uma miragem ou algo parecido.”
“O que você faz aqui ?”
“Vejo televisão !”
“Ó ! Eu também.”
Os filhos se olharam, perceberam o clima de namoro entre os dois e discretamente retiraram-se da sala.
“Você não mudou nada estes anos todos. Na verdade está cada vez mais linda.”
Ela respondeu com um sorriso e as duas mãos se tocaram sobre o sofá. Um calor percorreu-lhes o corpo e um arrepio eriçou-lhes os finos pêlos do braço. Uma longa conversa se iniciou e falavam animadamente sobre seus gostos, seus projetos, seus anseios e temores àquela hora da noite.
O doce idílio prolongou-se durante muitos minutos e combinaram se encontrar para saírem ou ficarem por ali mesmo.
“O que você sugere ?”
“Não sei. O que você quiser eu topo. Com você tudo é fantástico.”
E se beijaram à luz das velas.
“Que tal se a gente fosse jantar fora, ao cinema, sei lá qualquer lugar só nosso, hein...” Sorriu fazendo-se entender rápido.
“É ... Quanto tempo ...!” Suspirou ela.
“Ou então, que tal ... a gente... aqui mesmo...” Risadas contidas.
“Seu bobo e as crianças ? Ficou doidinho ?” Mais risadas.
“É... aqui mesmo. A gente até que podia...”
Mas neste meio tempo a luz volta e gritam quase que em uníssono:
“Ver televisão !”
Ligam a TV imediatamente, os filhos voltam pra sala.
“Ufa ! Estava doida pra saber se o rapaz ( como é o nome dele mesmo ? ) ia se casar com aquela moça do comercial de shampoo. “
“Vai. É claro !”
“Como é que você sabe ?”
“Li no jornal.”
“Puxa ! Perdeu a graça.”
“É.. Vamos fazer uma coisa diferente ?” Risinhos marotos novamente.
“Meu filho, troca de canal ?”
E discretamente ele sussura no ouvido da mulher fazendo-a se arrepiar todinha:
“Adoro este sistema de TV a cabo por assinatura”
”Ai, seu bobinho ! Olha as crianças na sala. Comporte-se !”
(LEITE, Marcelo. Ladrão de Histórias e tantas histórias.)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O que seria de nós sem as vogais?

No final do século XIX, os lingüistas levantaram a hipótese de que há um princípio de economia expressional nas línguas, ou seja, se pudermos dizer mais com menos, melhor. Um caso interessante são as abreviaturas de palavras como cinemascope (cinema), fotografia (foto), motocicleta (moto) até os bizarros “Xurras casa da Fé” ou o “niver no apê do Lê”... casos com cara de blog teen ou scrap no orkut.
Mas a simplificação não fica por conta dos blogueiros, dos adolescentes ou de outro grupo, mas sim dos baianos. A Bahia..., Bahia de Castro Alves, de Jorge Amado, de Caetano Veloso e de Gilberto Gil entre tantos outros gênios. Pois é de lá que vem o grande evento da nossa língua: a comunicação puramente vocálica.
Veja: ó pai, ó... ( o filme). Disse tudo ainda que eu não tenha entendido nada e só usou uma consoante, um P intrometido. Vamos mais além... o que seria da axé music sem as maravilhosas vogais. Em Salvador, quem dispõe de três vogais, faz uma música... se tem um carro com som, faz um trio elétrico e se tem mais de 10 pessoas, faz um carnaval.
Contemple a obra:

Aê, Aê, Aê, Aê...
Ê, ê, ê, ê, ê, ê,
Ô, ô, ô, ô, ô...

Acrescente a isso frases de efeito como “sai do chão”, “maiiiiinha”, “nojenta”, pronto, reúna três amigos para se pintar e dançar... Já temos o suficiente para fazer sucesso em todo o país.
Seria muito injusto de minha parte excluir os surfistas, que com sua genialidade sintética resumiram a comunicação à arte vocálica: Chegando em casa, o brou mais velho fala para o brou mais novo que levou a galera para fazer uma festinha:

Ô, ó o auê aí, ô.

E precisa dizer mais o quê? O auê cantado pela Rita Lee (Desculpe o auê/eu não queria magoar você....) na década de 80, agora, é visto como o prenúncio do reinado das vogais.
***
Enquanto isso, em uma agência de empregos de Salvador, um surfista sendo entrevistado...

- oi.
- Trouxe os documentos?
- ó... aí.
- Tá faltando um documento...
- ã?
- Ah não, está aqui.
- Aaaa..
- Esse aqui é o seu endereço?
- É.
- Há quanto tempo você não atua na profissão?
- Ihhhhhh...
- Bastante tempo, né..?
- Ó.
- Já morei perto da sua casa. Já foi num bar que fica na esquina dessa rua?
- Ia.
- Vejo que trabalhou em escola de samba...
- e...
- Nada. Já compôs samba?
- É.
- Qual parte?
- Oooooiiii...
- Assina este formulário então.
- ó?
- é.
- aí?
- é.

Consoantes? Pra quê, meu rei?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Com se fazem os bebês... versão atualizada.

As crianças que nascem atualmente não engolem mais a história de cegonha, ou bebês que brotam em abóboras. O papo de “o papai colocou a sementinha na barriga da mamãe” é muito técnico e pode acabar despertando pergunta do tipo: foi intravenosa ou por cirurgia, papai?
Ciente de que é importante manter um tom de fantasia sobre a sua vinda ao mundo (assim como mantemos os mitos de papai Noel e coelhinho da Páscoa) é necessário atualizar tudo que contamos sobre como nascem os bebês e nada melhor do que adequar ao nosso tempo o processo fantasioso de geração humana.

***

Papai liga o 0800-CEGONHA
Tuuuuu, tuuuuu, tuuuu, clique.

- Bom dia, você ligou para Cegonha International Corporation, sua ligação é muito importante para nós. No momento, todos os nossos atendentes estão ocupados, ligue mais tarde ou aguarde na linha.

Desliga.

Papai, pela 5ª vez, liga o 0800-CEGONHA
Tuuuuu, tuuuuu, tuuuu, clique.

- Bom dia, você ligou para Cegonha International Corporation, se você já é cliente, tecle 1, se ainda não se cadastrou, tecle 2.
Tuuuu (toque de tecla)

- 1, pai. Para bebês do sexo masculino, tecle 1, para do feminino, tecle 2, para sexo aleatório, tecle 3.

- Sua ligação estará sendo transferida para um de nossos atendentes. Para sua maior segurança, sua ligação estará sendo gravada.

Tuuu, tuuuu,... atendente, Carlos Cegonha, em que posso ajuda-lo?

- Bom, eu estou tentando fazer a solicitação de um bebê modelo 2008 do sexo masculino para ser entregue no Estado do Rio de Janeiro.

Um momento senhor, para confirmar sua solicitação vou estar checando alguns dados. O senhor poderia me informar sua data de nascimento...

- 28 de janeiro de 69.

- Ok, qual o endereço para correspondência?

- Rua das Garças, 522/307 – centro

- Ok. Senhor. Qual os três números iniciais do seu CPF?

- 075.

- Obrigado. Um momento, senhor... mais um momento.... um momento, senhor...

Enquanto isso.. Gravação chata...
Sua ligação é muito importante para nós, conheça também o nosso Máster Baby Program, o primeiro programa de milhagem para quem encomenda bebês. Sua maior comodidade aliada a um programa de desconto e serviço jamais vistos. O programa Master baby oferec...

- Obrigado, senhor ,por aguardar.
- O pedido do senhor foi confirmado, com entrega prevista para daqui a nove meses, não endereço fornecido. O senhor poderia anotar o número de protocolo de sua solicitação?
- Tudo bem.
- 0-3-5-6-7-9-1-1-1-2-2-3-4-5. Anotou?
- Já. Tá certinho...

Pronto. Assim nascem os bebês.