domingo, 22 de novembro de 2015

Diário de um revolucionário de Facebook

Aí o cara liga o computador pela manhã e pensa: qual é a minha desgraça favorita? Os atentados em Paris estão mais atuais, me fazem mais cosmopolita. A bandeirinha da França é um charme. Todos vão olhar e pensar "nossa, como ele é antenado com o mundo.
Descendo a página do Facebook, ele vê o desastre ambiental em Mariana-MG e pensa que seria mais patriota. Um perfil marronzinho ou uma bandeira do Brasil em cor de lama... isso, isso mesmo. Pensa satisfeito.
Mas o maldito facebook não me deixa em paz, bastou descer a página e lá estão fotos de crianças mortas colocadas com a legenda mostrando que os países ocidentais capitalistas do mal estão fazendo com seus bombardeios. Por alguns instantes lhe passa pela cabeça que aquelas fotos sejam as mesmas que apareceram há uns dois mês e atentado foi ontem... Bom, deixa para lá. Isso não interessa. Isso comprova que os malditos capitalistas são tão ruins quanto o Estado Islâmico, o que de certa forma, legitima as ações dos terroristas. Mandaram bem, EI....
Mas Mariana-MG segue em sua timeline como uma tentação. Lembra que fez campanha contra Halloween e manifestação pública a favor do saci pererê. Odeia quem paga pau para americano, mas não perde uma série da NET. Ele tem certeza de que que elas são produzidas em Cuba ou ali perto de Nova Iguaçu. 
Mas Paris.... ah... Paris. Identifico-me mais com essa desgraça.. Mas ah.. Mariana... Eu preciso ser patriota. Meus amigos precisam ver o quanto sou socialmente consciente.
O dedo passeia pelo teclado.. segura o mouse. Curto ou não curto, compartilho ou não? Chega a digitar na foto com as crianças mortas... "Malditos capitalistas, esse é o preço que vocês...." Melhor não, pensa. 
Ele cria então dois perfis. No primeiro, eleva o discurso nacional e só fala de Mariana (e do Saci Pererê ocasionalmente), em outro, só fala de Paris e ataca os malditos capitalistas responsáveis por toda a miséria e desigualdade do mundo em toda a sua história (mesmo antes do capitalismo). O homem era bom e puro até que veio o capital e desvirtuou a sua natureza.... Malditos gringos, tiveram o que mereceram...

Enquanto isso, à dor das perdas, seguem impassível em seu conflito pessoal tanto em Mariana, quanto em Paris, quanto na Síria na foto das crianças bombardeadas. Elas não se anulam nem se medem, são a expressão da dor que serve como bandeira digital da nossa vaidade, de tudo que não somos, mas que mundo precisa "curtir".

Em silêncio, monitora na tela do seu DELL os likes enquanto tecla no Whatsapp de seu iphone... Na tela do tablet, assiste à The Walking Dead enquanto procura o telefone de um Subway mais perto... Ser revolucionário dá uma fome.... meu brother, pensa.

O papel de parede traz uma bandeira americana rasgada com a frase: Death to America, Death to Capitalism... ao fundo reluzem os ícones do Windows 10...

Opa... mais um like. 

Atenção! esse texto não é uma crítica a quem adere a uma causa ou pesar, mas a quem se ocupa de medir qual é o que lhe projeta uma imagem social mais aceitável. Além, obviamente, uma ode à incoerência no mundo atual.  

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