Quando era pequeno, talvez uns 8 anos, minha avó me levava eventualmente para visitar um compadre e uma comadre dela. É assim que nos referimos na minha terra mesmo quando não existe um apadrinhamento, mas uma relação de carinho e família.
Seu Tião, homem que outrora era forte, bravo, altivo, daquele que batia o pau na mesa e fazia valer sua vontade. Em tempos de mais novo fazia o gênero macho alfa dos anos 50. Mas que eu o conheci quase no final dos anos 70 e depois de um derrame que o tinha incapacitado deixando-o em uma daquelas cadeiras higiênicas vestido com uma roupa como uma camisola. Sua esposa mantinha um penico embaixo e limpava sempre que saiam excreções. Por mais que limpasse, havia um odor de urina no ar que não ia embora.
Sempre sentado reagia com quase espasmos que eram um arremedo de um sorriso ou algo assim com a língua quase o tempo todo para fora. Aquilo me impressionou e me impactou... foi a primeira vez que me defrontei com a vulnerabilidade de um homem e, nos meus 7 ou 8 anos, aquilo não fazia muito sentido. Seu Tião morreu alguns anos depois dentro de um corpo que definhava dia após dia, acompanhado da esposa que dava comida em sua boca e o limpava. Como não havia muitos recursos na época, seu definhamento deve ter sido muito mais doloroso. Estar com uma consciência presa dentro daquele corpo vegetal morrendo devagar por anos.
Aonde eu quero chegar?
Muito anos depois, me vi em uma disputa como diretor em uma instituição que me desgastava demais e, durante alguns segundos, tudo aquilo me pareceu completamente dispensável. Veio-me à mente a imagem do Seu Tião, seu definhamento, o cheio de urina, seu sorriso com a língua para fora e seus olhos desorbitados... Nesse momento, deixei a disputa para a incompreensão de todos, pois até ali eu era parte do processo, só que tive uma dimensão do essencial que nunca havia tido antes.
O fato é que a gente perde completamente o que é essencial da vida mesmo e se envolve em lides que, muitas vezes, vão nos trazer desgaste de energia e benefícios pífios. Uma energia que se perde e um benefício que não compensa.
Ainda vejo no meu trabalho, colegas mais novos, queimando sua energia vital para nada, aderindo a grupos em busca de legitimação quando já são bons profissionais, mas não se dão conta disso. Travando imensas lutas com moinhos de ventos. Morrendo aos poucos por causas perdidas...
Lembro da música do Lupicínio Rodrigues "esses moços, pobres moços, ah se soubesse o que eu sei..." e penso quanta coisa EU ainda não sei. Só que a diferença é que, hoje, eu sei MESMO que não sei e isso me faz baixar muito a bola. Eles não sabem, mas acham que sabem e sustentam um discurso de falsa humildade de "nada sei", mas quero o melhor... Melhor para quem?
É tão confuso que eles não sabem, dizem que "sabem que não sabem" (para expressar pretensa humildade e nível de conhecimento pessoal elevado sobre si mesmos), mas não sabem nem isso "que eles não sabem". Então... entendeu? Sei.. é difícil.
Ah, esses moços, pobres moços... que um dia Seu Tião os visite na metáfora que me visitou.