domingo, 25 de abril de 2021

Já fez sua higiene emocional hoje?

A gente acorda, lava o rosto, escova os dentes, penteia o cabelo, toma banho e lava as mãos todos os dias. Isso, de certa forma, garante-nos um corpo sempre limpo, higienizado e livre de doenças, ou pelo menos, com o risco reduzido de doenças já que, obviamente, nem todas elas são causadas por falta de cuidados higiênicos. E com as suas emoções? O que você adota como higiene diária? O descuido com essa higiene emocional também gera doenças, sabia?

Os gregos já preconizavam uma visão de um homem dual, composto por corpo e alma. Quanto ao corpo, é notória a necessidade de manter limpo e bem cuidado para a saúde ficar em dia. E quanto a alma? Quais são os hábitos de higiene que nos fazem mais saudáveis. O que vemos no dia a dia, são pessoas tóxicas e doentes, não do corpo, mas daquilo que não dá para lavar. O fato é que muita gente descuida do que o sabão não dá conta. 

Tive a oportunidade de compartilhar minha experiência pessoal em uma entrevista para a repórter Ana Lourenço, do jornal O Estado de São Paulo sobre meditação. Pratico diariamente esse exercício há mais de um ano e sinto os benefícios que me impactam diariamente. Foi durante a entrevista que usei o termo higiene emocional e me dei conta que incorporei isso no meu dia a dia como quem escova os dentes, toma banho, penteia o cabelo… 

Isso, obviamente, não nos isenta das tensões, pressões, infortúnios do dia a dia, nem nos garante uma postura sábia e resiliente com relação a TUDO, até porque tudo é muita coisa. Meditação não é um título garantidor da elevação espiritual mesmo. Entretanto, ela é capaz de nos imergir numa lucidez de nossas emoções que nos dá tranquilidade para encarar, pensar e agir de forma consciente. Sem sermos dominados pela paixões e contextos que nos levam a ser precipitados, afobados e imprecisos nas situações diárias. Sinto que estou em um caminho longo, mas que a prática diária já me traz benefícios imensos na minha maneira de lidar com o mundo. 

Pois é isso que chamo de minha higiene emocional diária: tirar um momento para olhar para dentro de mim e, no silêncio e fluxo dos meus pensamentos, tentar entender o que sinto, o que quero e atenuar os monstros que vivem dentro de nós. Até porque, matá-los não dá, eles são parte da gente e do que nos trouxe até aqui.

Eu mantenho um horário, no final da noite, 30 min. para prestar atenção ao fluxo da minha respiração e nesse exercício, mergulhar no cenário dos meus pensamentos que passam como uma tela de um smartphone que eu arrasto para o lado sem deixar ninguém criar raiz por ali. Meditar é isso.. Não é não pensar em nada (isso é impossível), é olhar para os pensamentos de forma lúcida dando a cada um o tamanho de não mais que uns segundos.

Dentro da minha higiene emocional encontrei algumas reflexões que ajudam a manter a alma mais leve e compartilho-as com vocês:

  1. As pessoas são o que são. Aprenda lidar com isso. O seu sofrimento decorre das suas expectativas criadas sobre o que você esperava que elas fossem e não do que elas são;
  2. Seus monstros são parte de você. Não adianta rechaçar ou querer esquecer. Isso não vai acontecer. Aprenda a lidar com eles e verá que não são os Godzillas que imagina. Não dê para eles o tamanho que não têm.
  3. A dor é algo do mundo, você não tem controle sobre isso. O sofrimento é seu, você escolhe a dimensão que vai dar a ele.
  4. Não aja em função das pessoas, aja em função do ético, do justo e do correto e saiba que isso é positivo para você. Entretanto, saiba que as pessoas vão formar uma opinião sobre você que elas quiserem e você não tem controle disso. 
  5. Perdoar não é esquecer. Isso é amnésia. Perdoar é excluir a relevância do mal que te fizeram, mas manter a distância da fonte causadora desse mal. Se proteger é um dever seu.
  6. Culpa é um sentimento pouco útil e ineficiente. Os fatos que nos ocorrem na vida devem ser entendidos como um conjunto de evento sobre os quais temos algum nível de responsabilidade nossa. 
  7. Pensar sobre o que deveríamos ter falado é uma das energias mais inúteis. Depois que lançamos a pedra, não podemos mais reverter o processo.
  8. Não barganhe com o universo. Seja bom e justo, mas não espere que ele vai te dar o mesmo de volta. Ele vai te dar o que ele quiser.... o universo não aceita barganha.

Olhar para dentro de si, tirar um momento para isso é essencial para ver com clareza o que sentimos, para entender pessoas e modular o quanto sentimos já que "o que sentimos" é inevitável. E isso a gente só aprende com a prática, a prática da higiene emocional, que eu costumo chamar de atenção plena, mindfulness ou simplesmente meditação.

Ah, sim.. você não tem tempo para isso.

Certo, então, deixe os dentes apodrecerem….  

 

domingo, 18 de abril de 2021

Quem e não o que se diz incomoda, eis o problema

O mundo não possui uma essência, nós é que  atribuímos às coisas uma essência que surge das nossas experiências pessoais e do meio em que vivemos e podemos entender isso como a explicação por que as pessoas se incomodam com o que uns dizem e a mesma fala vinda de outro não causa desconforto algum.

Venho pensando nisso há algum tempo. Primeiramente, considerei hipocrisia, o que se mostrou uma leitura muito superficial das coisas. Quando mergulhei no entendimento da radicalização das ideias comecei a perceber uma coisa: esse processo decorre de se assumir que uma ideologia é 100% digna de ser aderida (o que não é verdade com nenhuma delas no planeta até). A partir dali, o indivíduo passa a "vestir uma roupa" e construir um mundo que se adeque a sua roupa/ideologia. Todos que vestem a mesma roupa são dignos de seu mundo e a eles tudo é lícito porque são representantes do bem e do belo.

Dessa forma, se eles falam uma besteira (um comentário machista ou mesmo racista) há um silêncio de seu grupo. Não há repreensão e, logo, vêm as justificativas de que não se trata disso porque foi colocado fora do contexto, porque as pessoas entenderam errado, porque quem o crítica está fazendo um ataque pessoal… enfim, aos que vestem a mesma roupa que eu, tudo é lícito, uma vez que tudo é justificável pelo contexto, possível distorção ou má fé de quem ouve. 

Entretanto, aquele que não veste a mesma roupa é um inimigo em potencial ao bem e ao belo e contra ele tudo é permitido. Os nazistas pensavam isso com relação aos judeus. Nesse caso, se o cara disse Bom dia, isso é visto como uma alienação contra aqueles que não tem um bom dia, e que vivem assim, assado… "dar bom dia" é um ato opressor e excludente dos que sofrem com um dia ruim. Bom, não chegamos a esse ponto… ainda. Mas estamos caminhando a passos largos.

A questão é que há muito tempo "o que" se diz perdeu a relevância para o "quem diz". Isso gera uma leitura distorcida e partidária do mundo modulando o conceito de certo de pessoa para pessoa de acordo com sua aderência a uma ideologia.

Esse texto nasceu de uma postagem no facebook em que uma pessoa colocou a foto da menina Greta, aquela que o Bolsonaro chamou de pirralha e um mensagem dizendo: Com essa crise toda no mundo (uma crise de gestão também), cadê a menina dizendo que roubaram seu futuro? Logo, alguém postou que era uma exposição desnecessária da menina esquecendo que ela já foi extremamente exposta pelos grupos de interesse politico-partidário anteriomente. Isso ilustra bem a ideia de que não importa o que é feito, mas quem o faz. Agora, era uma exposição desnecessária, antes um ato na luta com a opressão, ainda que fossem o mesmo ato de exposição. Tempos atrás, um famoso ator cuspiu em uma mulher no aeroporto em uma discussão. Ninguém de sua aderência ideológica viu nisso agressão, misogenia ou machismo. Ou se viu optou por não vir as redes sociais pedindo o cancelamento dele…. Afinal, foi um momento de fúria e descontrole que a ele é permitido. Mas e se não fosse ele, mas alguém que diverge ideologicamente dele, que veste outra roupa. Seria assim a interpretação?

Os inteligentinhos de plantão defensores dos transgressores do bem diriam: Não, mas aí é completamente diferente. Sim, sempre é. Eu sei .. Sempre é completamente diferente quando a leitura dos fatos não atende aos nossos propósitos. Somos humanos e é assim que funciona.

Enfim, não há uma essência no mundo, nós a atribuímos às coisas e aos fatos. Por isso, o que opera como desrespeito, aos olhos de outro, pode ser atribuída uma essência bela e nobre por outro. Assim, criamos os escravos das ideologias que seguem cada vez mais enxergando somente a cor que lhes convém, entendo o mundo que reforça o que querem acreditar.

Ainda que os fatos sejam um espelho invertido de sua realidade.


domingo, 11 de abril de 2021

Nosso cérebro é nosso maior cúmplice

Temos na gente nosso maior cúmplice e acusador, nosso cérebro. Quando algo desagradável nos acontece, de imediato, ele vai achar um culpado que, normalmente, tende a não ser você. Outro dia, percebi o quanto, por mais que eu embarque em uma viagem de autoconhecimento há um bom tempo com meditação, leituras e discussões, ele ainda está tão forte e "palpiteiro". Acho que a diferença é que agora eu o "vejo", ouço e reconheço sua voz.

Peguei um pote, a tampa soltou. Ele logo me falou: poxa, fulana tinha que deixar solta a tampa? A culpada é fulana que deixou a tampa solta. Se a tampa estivesse fechada e se soltasse, ele diria: poxa quem fabrica um pote cuja tampa abre tão facilmente? Se a tampa não estivesse com esse "probleminha", ele completaria: se eu não tivesse que fazer tudo com pressa agora.. Enfim, o resultado final é o mesmo: açúcar espalhado sobre a mesa. Mas o responsável nunca somos nós que pegamos o pote e o removemos de sua inércia, é sempre o outro que deixou a tampa frouxa, o fabricante, a pressa que nos impuseram… E esquecemos que, se tivéssemos feito tudo com atenção e foco ao que estávamos fazendo, reduziríamos os danos ou mesmo não haveria dano. Nós fomos o gatilho do evento e abafamos isso focando em dividir a culpa com outros. Fica menos pesado assim.

Isso acontece por duas razões: primeiramente, temos dificuldade em assumir que somos, de uma forma ou de outra, responsáveis (como gatilhos) pelos eventos que são disparados e nos atingem. Enfim, fizemos algo que nos colocou na trajetória dos eventos. Não é o conceito de culpa (acho inócuo esse conceito em grande parte dos eventos), é ser parte do processo, obviamente sem intenção muitas vezes, mas cruzamos as trajetórias com alguma decisão. Buscamos corresponsáveis para alimentar nosso desejo de ser paciente e não agente de histórias com final trágico. Em segundo, lugar, nosso corpo ocupa um tempo no espaço e nossa cabeça outro. Normalmente, esta está à frente daquele. Fazemos as coisas pensando no que vamos fazer ou no que fizemos, ou no que deveríamos ter feito em um evento e não fizemos. Pensar o que deveríamos ter dito e não dissemos em uma discussão é uma das coisas mais inúteis que podemos fazer. Um desperdício de energia vital irreversível.

A melhor conduta para assumir o estágio consciente da sua existência é entender que, de uma forma ou de outra, você, em algum momento, é responsável por uma decisão que lhe coloca em trajetória de colisão com um evento. Nesse momento, você está tomando decisões conscientes ou inconscientes que estão lhe colocando nessa trajetória. E quanto a isso há duas verdades irrefutáveis: não tem como fugir das escolhas, não tem como fugir dos resultados. Até não escolher é uma escolha que gera resultados. Inevitável. Aprenda a lidar com isso.

Povoar a mente de pensamentos de ações passadas que não foram feitas e ações futuras que ainda não foram feitas vai gerar um desgaste imenso para encontrar os responsáveis pelos infortúnios do presente. A melhor ancora existencial que há é o presente. É importante planejar, sonhar, se preparar, mas ter em plena consciência que o resultado disso não existe (ainda) e, apesar de tudo que você vier a fazer, talvez possa nunca existir. 

O que existe, na verdade, é o momento em que você abre o pote. O resto não paga o açúcar derramado que precisa ser limpado da mesa. 


domingo, 4 de abril de 2021

Não estamos no comando de quase nada

Isso para não dizer de nada mesmo e arruinar suas esperanças de uma vez. Estar vivo é não estar no comando de quase nada. Planejar não faz o menor sentido então? A resposta para isso é SIM e NÃO. Nós planejamos para saber onde mudar, mas planejar esperando que todo o universo conspire a seu favor é alimentar a frustração eterna em uma relação de troca que não existe. Você pode planejar tudo perfeitamente, mas um contratempo que acontecerá 1 minuto após ler esse texto mudar tudo. Aliás, mudar toda a sua vida.

Pronto. Joguei um balde de água fria em toda sua expectativa que os livros de autoajuda conspiraram para formar durante décadas em você como essa de um universo que conspira a nosso favor. Não. O universo não tem um acordo com você. 

Temos aqui o conceito de carma que precisa ser um pouco ajustado não para uma ideia de quem promove uma boa ação gera uma boa ação ou que uma má ação gere resultados nocivos para si. O que ocorre é que o fluxo das coisas no universo segue uma trajetória com vários fatores interveniente que não controlamos. É claro que uma boa ação, uma conduta honrada e digna lhe coloca numa trajetória em que as possibilidades de algo dar muito errado é bem reduzida, mas, lembre-se, isso não o torna jamais imune ao infortúnio. Afinal, ele atinge o ímpio e o justo, não é? O universo não barganha. Entenda sempre isso

Planeje e trace caminhos dignos, mas não espere receber o cordão da imunidade que lhe livrará de todos os males. Não. Não é assim que banda toca e entender isso é assumir que o bem que fazemos ou os planos que traçamos são nossos e não do universo. Quase 100% das boas ações e dos planos que fazemos ocorrem dentro da gente e não fora. E não queira que o mundo faça parte dos seus projetos, uma vez que, por mais que compartilhe com os outros, eles são, no fundo, só seus.

Somos só um humano vivendo dentro de um corpo humano em um universo com mais 7 bilhões de pessoas vivendo dentro de só um corpo humano cada um. Entendeu? Viu como é complicado se todo mundo tiver que ser cooptado pelos projetos alheios. Eu sei... É claro que existem projetos coletivos, mas por trás de todos os projetos coletivos há projetos individuais de existência. E isso não é ruim... isso é humano.

Dessa forma, planejar é uma maneira de gerir a sua existência com uma sensação mais segura (que não pode ser dispensada) de que algo segue sob controle, pois, o sentimento de estar feito pipa ao vento retira-nos a segurança e estabilidade emocional tornando-nos escravos do contexto (ainda vou falar sobre isso aqui). A zona de conforto é o nosso lugar de sonho. Apesar do discurso coach motivacional de que temos que sair da zona de conforto. A verdade é que praticamente ninguém quer largar seu emprego que o remunera justamente e lhe dá segurança para vender artesanato na rua… sem saber se o dinheiro que ganhou hoje paga o almoço de amanhã ou o lugar para dormir. O desconforto existencial, a incerteza absoluta (afinal tudo é de certa forma incerto) causam um desgaste absurdo no ser humano e reduzem a qualidade de vida. Pode ser romântico o largar tudo... mas são pouquíssimos que querem e menos ainda os que conseguem isso.

É claro que há exceções. Sim, elas existem. Mas de quantos estamos falando em 7 bilhões de pessoas? Convenhamos que essas exceções nem de longe configuram um mínimo padrão humano. O fato é que buscamos um certo controle de que nos próximos tempos teremos o que comer, onde dormir, onde ser tratado caso fiquemos doente, enfim, buscamos a zona de conforto para os próximos tempos mesmo sem saber se teremos os próximos tempos. Afinal não estamos no controle de quase nada… Lembra?

O que nos resta então? 

Resta localizarmo-nos no tempo em que estamos. No tempo da respiração, no tempo do batimento cardíaco, na pausa momentânea em que percebemos que estamos vivo. Coisa rara para a maioria das pessoas. Nesse momento, planejamos, desenhamos, avaliamos, mas depois de dada essa concessão, retornamos ao presente que, no final das contas, é a única coisa palpável que temos. Muitas pessoas vivem tanto no futuro que sofrem por coisas que talvez nunca venham a viver. Sofrem por um mundo que talvez nunca exista ou mesmo que nunca exista daquela forma.

Temos para nós, na verdade, um presente efêmero, quase imperceptível, fugaz, mas que verdadeiramente, é a única coisa que a vida nos permite acessar. Então... respire.