domingo, 18 de abril de 2021

Quem e não o que se diz incomoda, eis o problema

O mundo não possui uma essência, nós é que  atribuímos às coisas uma essência que surge das nossas experiências pessoais e do meio em que vivemos e podemos entender isso como a explicação por que as pessoas se incomodam com o que uns dizem e a mesma fala vinda de outro não causa desconforto algum.

Venho pensando nisso há algum tempo. Primeiramente, considerei hipocrisia, o que se mostrou uma leitura muito superficial das coisas. Quando mergulhei no entendimento da radicalização das ideias comecei a perceber uma coisa: esse processo decorre de se assumir que uma ideologia é 100% digna de ser aderida (o que não é verdade com nenhuma delas no planeta até). A partir dali, o indivíduo passa a "vestir uma roupa" e construir um mundo que se adeque a sua roupa/ideologia. Todos que vestem a mesma roupa são dignos de seu mundo e a eles tudo é lícito porque são representantes do bem e do belo.

Dessa forma, se eles falam uma besteira (um comentário machista ou mesmo racista) há um silêncio de seu grupo. Não há repreensão e, logo, vêm as justificativas de que não se trata disso porque foi colocado fora do contexto, porque as pessoas entenderam errado, porque quem o crítica está fazendo um ataque pessoal… enfim, aos que vestem a mesma roupa que eu, tudo é lícito, uma vez que tudo é justificável pelo contexto, possível distorção ou má fé de quem ouve. 

Entretanto, aquele que não veste a mesma roupa é um inimigo em potencial ao bem e ao belo e contra ele tudo é permitido. Os nazistas pensavam isso com relação aos judeus. Nesse caso, se o cara disse Bom dia, isso é visto como uma alienação contra aqueles que não tem um bom dia, e que vivem assim, assado… "dar bom dia" é um ato opressor e excludente dos que sofrem com um dia ruim. Bom, não chegamos a esse ponto… ainda. Mas estamos caminhando a passos largos.

A questão é que há muito tempo "o que" se diz perdeu a relevância para o "quem diz". Isso gera uma leitura distorcida e partidária do mundo modulando o conceito de certo de pessoa para pessoa de acordo com sua aderência a uma ideologia.

Esse texto nasceu de uma postagem no facebook em que uma pessoa colocou a foto da menina Greta, aquela que o Bolsonaro chamou de pirralha e um mensagem dizendo: Com essa crise toda no mundo (uma crise de gestão também), cadê a menina dizendo que roubaram seu futuro? Logo, alguém postou que era uma exposição desnecessária da menina esquecendo que ela já foi extremamente exposta pelos grupos de interesse politico-partidário anteriomente. Isso ilustra bem a ideia de que não importa o que é feito, mas quem o faz. Agora, era uma exposição desnecessária, antes um ato na luta com a opressão, ainda que fossem o mesmo ato de exposição. Tempos atrás, um famoso ator cuspiu em uma mulher no aeroporto em uma discussão. Ninguém de sua aderência ideológica viu nisso agressão, misogenia ou machismo. Ou se viu optou por não vir as redes sociais pedindo o cancelamento dele…. Afinal, foi um momento de fúria e descontrole que a ele é permitido. Mas e se não fosse ele, mas alguém que diverge ideologicamente dele, que veste outra roupa. Seria assim a interpretação?

Os inteligentinhos de plantão defensores dos transgressores do bem diriam: Não, mas aí é completamente diferente. Sim, sempre é. Eu sei .. Sempre é completamente diferente quando a leitura dos fatos não atende aos nossos propósitos. Somos humanos e é assim que funciona.

Enfim, não há uma essência no mundo, nós a atribuímos às coisas e aos fatos. Por isso, o que opera como desrespeito, aos olhos de outro, pode ser atribuída uma essência bela e nobre por outro. Assim, criamos os escravos das ideologias que seguem cada vez mais enxergando somente a cor que lhes convém, entendo o mundo que reforça o que querem acreditar.

Ainda que os fatos sejam um espelho invertido de sua realidade.