O dono da história
Cada um escreve sua novela de um tipo. Dizem que um autor só conta histórias passadas no Leblon, outro, em São Paulo, já o outro, no Nordeste. O fato é que somos o que escrevemos e escrevemos a realidade em que vivemos. Dessa forma, cada um narra um mesmo evento de seu ponto de vista. É isso que torna o mundo muito menos tedioso. Afinal de contas, tudo que havia para ser dito, já o foi. O que nos resta é dizer de maneira diferente.
Por exemplo, imaginemos a história da Branca de Neve e os sete anões.
Se ela fosse contada pelo Manoel Carlos, com certeza, Branca de neves se chamaria Helena e moraria no Leblon. Se fosse o Silvio de Abreu os sete anões morariam no Brás ou no Bexiga e teriam um sotaque muito esquisito. Se fosse escrita por Aguinaldo Silva, Branca de Neve teria um romance gay com a bruxa má e um dos anões seria viciado em maçãs envenenadas só para criar polêmica.
Numa novela mexicana, Branca de Neve seria uma menina de rua maltrapilha, mas que, na verdade, seria filha de um grande milionário, teria uma madrasta ruim à beça e um irmão desconhecido por quem se apaixonaria sem saber. No final, morreria antes de qualquer chance de ser feliz.
Mas se a história fosse contada por Nelson Rodrigues, os anões teriam um desejo secreto de ter relações sexuais com a Branca de Neve que se sentia meio mãe deles e sentia culpa por causa disso. Eles trabalhariam na floresta como funcionários públicos, não se chamariam Dunga ou Feliz, mas Almeida, Palhares, Oliveira e teriam uma casinha num bosque próximo para encontros amorosos.
Nas letras de um roteirista de Hollywood, Branca de neve, ao ser vista morta pelo príncipe, teria aos seus pés um homem que jurava vingança. O chefe do príncipe encantado, um homem sisudo e misterioso, olharia para ele e diria: John, fique fora disso. Mas o príncipe não desistiria e descobriria uma conspiração para matar sua parceira e concluiria sua vingança.
Mas e se fosse narrada em Cuba, Fidel mandaria prender a bruxa ianque símbolo do imperialismo e a condenaria por tráfico de maçã, pois, na ilha, não há macieiras. E na Venezuela, com certeza, os anões trabalhariam em um poço de petróleo.
E no Brasil...?
Bem, no Brasil , a Branca de Neve seria levada pelos anões a um posto do SUS. Os anões esperariam horas para serem atendidos e descobririam que ela deveria ser transferida para outro hospital porque ali não tinha leito para atender pacientes intoxicados. A bruxa teria um processo aberto na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por venda de alimento estragado e daria declarações no Fantástico que estava providenciando a substituição do lote. O príncipe chegaria atrasado e ficaria muito frustrado ao saber que o super plano de saúde que ele fez não inclui futuras esposas com as quais viesse a viver feliz para sempre.
FIM
Cada um escreve sua novela de um tipo. Dizem que um autor só conta histórias passadas no Leblon, outro, em São Paulo, já o outro, no Nordeste. O fato é que somos o que escrevemos e escrevemos a realidade em que vivemos. Dessa forma, cada um narra um mesmo evento de seu ponto de vista. É isso que torna o mundo muito menos tedioso. Afinal de contas, tudo que havia para ser dito, já o foi. O que nos resta é dizer de maneira diferente.
Por exemplo, imaginemos a história da Branca de Neve e os sete anões.
Se ela fosse contada pelo Manoel Carlos, com certeza, Branca de neves se chamaria Helena e moraria no Leblon. Se fosse o Silvio de Abreu os sete anões morariam no Brás ou no Bexiga e teriam um sotaque muito esquisito. Se fosse escrita por Aguinaldo Silva, Branca de Neve teria um romance gay com a bruxa má e um dos anões seria viciado em maçãs envenenadas só para criar polêmica.
Numa novela mexicana, Branca de Neve seria uma menina de rua maltrapilha, mas que, na verdade, seria filha de um grande milionário, teria uma madrasta ruim à beça e um irmão desconhecido por quem se apaixonaria sem saber. No final, morreria antes de qualquer chance de ser feliz.
Mas se a história fosse contada por Nelson Rodrigues, os anões teriam um desejo secreto de ter relações sexuais com a Branca de Neve que se sentia meio mãe deles e sentia culpa por causa disso. Eles trabalhariam na floresta como funcionários públicos, não se chamariam Dunga ou Feliz, mas Almeida, Palhares, Oliveira e teriam uma casinha num bosque próximo para encontros amorosos.
Nas letras de um roteirista de Hollywood, Branca de neve, ao ser vista morta pelo príncipe, teria aos seus pés um homem que jurava vingança. O chefe do príncipe encantado, um homem sisudo e misterioso, olharia para ele e diria: John, fique fora disso. Mas o príncipe não desistiria e descobriria uma conspiração para matar sua parceira e concluiria sua vingança.
Mas e se fosse narrada em Cuba, Fidel mandaria prender a bruxa ianque símbolo do imperialismo e a condenaria por tráfico de maçã, pois, na ilha, não há macieiras. E na Venezuela, com certeza, os anões trabalhariam em um poço de petróleo.
E no Brasil...?
Bem, no Brasil , a Branca de Neve seria levada pelos anões a um posto do SUS. Os anões esperariam horas para serem atendidos e descobririam que ela deveria ser transferida para outro hospital porque ali não tinha leito para atender pacientes intoxicados. A bruxa teria um processo aberto na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por venda de alimento estragado e daria declarações no Fantástico que estava providenciando a substituição do lote. O príncipe chegaria atrasado e ficaria muito frustrado ao saber que o super plano de saúde que ele fez não inclui futuras esposas com as quais viesse a viver feliz para sempre.
FIM
LEITE, Marcelo A. Ladrão de Histórias e tantas histórias. Edições Edocta.com. Rio de janeiro, 2007
2 comentários:
Registrando a passagem por aqui!!!
abraços!!
Tiago F. V.
Eeeeeeeee!!!!
Nem é preciso dizer que está genial né!
uehuehueheuhe...e ainda tem gente capaz de dizer que coisas inteligentes não são tão divertidas!
Quando publicar o livro,quero comprar! ^^
Abraços
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