segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Sobre a oportunidade de ser vítima


Existe uma diferença entre ser vítima e fazer-se de vítima. O primeiro caso decorre de ser atingido por algo alheio a nossa vontade e estar passível a danos decorrentes disso, o segundo trata de obter situação proveitosa da condição de paciente escondendo a inércia que caracteriza o ser humano no geral. Enfim, não queria ter sido vítima. Claro! Ninguém o quer, mas se gera dividendos aproveitemos o momento.

Toda vítima carece de nosso apoio no momento em que sofre os efeitos do que lhe ocorreu. Esse suporte dura o tempo da recuperação para que se retome o caminho. O tempo deve ser sempre o estritamente necessário para não permitir que do fato se brote o vício. Aquele que se faz de vítima nada mais merece do que o desprezo que se dá aos oportunistas que veem a sua grande virtude no fato de ser atingido por um infortúnio e não poder "fazer nada" (sic). O eterno conforto de atribuir a tudo e todos a responsabilidade de seus azares. Eles se tornam, assim, atores co-adjuvantes de sua própria história. Sempre terceiras pessoas em um discurso que deveria ser em primeira.

Um exemplo simples e curto ilustra bem isso.

Aí, a gente se lembra dos tempos em que se acordava molinho, com o rosto quente, vomitando... Sua mãe preocupada verificava que você estava com febre alta, com a garganta inflamada, com dificuldade de engolir e o pouco que engolia colocava para fora. Ninguém gosta de ficar doente, é claro que não. E ninguém deseja isso para ninguém. Mas sempre havia o lado bom da coisa: atenção total da mamãe, não ir à aula, comidinha feita especialmente para você, iogurte, frutas picadinhas e muito líquido na forma de sucos. Normalmente, do que você mais gostava. É... Até o lado ruim tem seu lado bom. Óbvio que ninguém forçaria em sã consciência um estado desse, mas tiramos um bom proveito da situação.

Ah sim... Só eu devo ter tido esses pensamentos quando criança. Vocês não sabem como é difícil ser o último dos canalhas confessos diante de uma humanidade tão politicamente correta.

A tênue linha que separa a vítima e o oportunista está em todos nós desde o princípio dos tempos. A linha que separa o lástima pelo dano que sofremos dos gozosos benefícios que obtivemos. Todos nós somos, em algum momento ou de alguma forma, oportunistas no sentido mais seco da palavra.

O problema é quando isso vira "ofício" e a sociedade legitima para aplacar seu imenso sentimento de culpa. Como se sua culpa resolvesse todas as coisas.



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