Moro na divisa com Minas Gerais, mas minha cidade fica no Estado do Rio de Janeiro, Valença. Por aqui, somos mais mineiros do que fluminenses (aquele que nasce no Estado do Rio), e isso, longe de ser um problema, é uma característica que define nossa identidade cultural de forma bem marcante.
Comemos/fazemos comida mineira, temos uma arquitetura semelhante à de cidades mineiras e sotaque semelhante aos dos vizinhos do outro lado da fronteira. Meu /s/é sibilante, tão sopradinho que, às vezes, parece que a gente sopra vela de aniversário quando está falando. Tive um colega de trabalho que dizia que quando via Valença-RJ, pensava ser incoerente. Ele achava que caía melhor se fosse Valença-MG. Concordo com ele.
Por aqui, quando não queremos identificar alguém que exerce uma ação ou experiencia algum processo, fazemos uso de um recurso semântico previsto na língua, o uso de um termo semanticamente indeterminador. Por exemplo, nego (corruptela da palavra negro) ou caboco (caboclo).
Quando dizemos que "tem caboco que não cresce", não estamos querendo dizer que existem pessoas mestiças de branco com índio de pele de tom acobreado que possuem algum tipo de deficiência de produção de hormônio de crescimento. Não queremos expor nem humilhar uma determinada pessoa de origem étnica da base formadora de nosso país, não queremos discriminá-la ou fazer algum tipo de segregação racial. Quero dizer que há pessoas (de forma indeterminada, no geral) que não amadurecem.
Também usamos a palavra "nego" com bastante frequência, mas "caboco" combina mais com nossa formação cultural e com o nosso sotaque. Eu mesmo uso mais "caboco" do que nego.
No Rio (capital), há muitos anos lido com colegas que não são de zona sul, moram em bairros do subúrbio carioca. Entre eles, percebi que usam o termo "geral" com intenção parecida, entretanto, difere do caboco e do nego por assumir um contexto de maioria que estas palavras não trazem. Por exemplo, "Olha só, geral forçando a barra", ou "Geral inventando historinha". Obviamente, trazem características levemente diferente, mas mantém uma ideia de indeterminação como vemos também nas palavras galera, o pessoal etc.
Enfim, tudo isso foi para dizer que a gente pode enxergar discrimação em tudo. É um direito nosso ver o que queremos, o que nos convém ou o que nosso intelecto nos permite ver. Afinal, o sentido se constrói em quem lê e sobre isso não temos controle. É um direito nosso, mas um pouco de senso crítico é sempre bom na hora de se analisar algumas questões linguísticas que apontam para recursos de expressão previstos na língua e não para condutas sociais que, não se discute sua existência, mas que devem ser procuradas e combatidas onde se manifestam de forma incontestável e clara.
A subjetividade, nesses casos, embaça o julgamento, deturpa os propósitos, empobrece as causas.
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