Educadores são masoquistas por natureza. |
Na maioria das vezes, eu queria ser só professor. Sabe, como aquele cara que é de outro ofício e dá aulas por bico, para completar a renda. Mas a vida é assim. Muitas vezes, é impositiva nos seus caminhos. A gente nasce e se forma professor, mas tem gente que teima em ser educador. Ser educador é ruim, porque educador apanha, se frustra, sofre, e lima e sua e teima... e cansa.. Não. Aí é que está o problema, apanha, mas não cansa. Fica doendo e a alma nem acabou de doer da pancada anterior e lá vem outra.
Para ser só professor, basta 3 ou 4 anos de faculdade e pronto. Somos professores. Com diploma e licença para auxiliar os alunos no processo de construção conhecimento por uns 25 a 30 anos, até a aposentadoria pelo menos. Preparar aulas, dar aulas, aplicar provas, avaliar resultados, voltar para casa. Eis um serviço quase mecânico que se concretiza na assinatura do ponto e finaliza na sineta quando o assunto é lidar com gente. No mais, são as provas, diários e livros, mas nada de gente. Só ele e os papéis. Os papéis nos amam. Temos muitos em nossa casa. Mas quer saber mesmo, eu queria ser só professor burocrático e de carreira com livro de ponto e contracheque como marcos de minha vida profissional, ponto final. Final da aula. Tocou ao sineta.
Entretanto, a vida prega peças e torna professor quem nasceu educador. Digo isso, pois educar é ofício que nasce na alma. Se justa fosse a existência e nos quisesse poupar de tanto dissabor, manteria longe do ofício de professor as almas de educadores (mas quem dirá que não é a alma que escolhe a despeito de nossa vontade em carne?).
Atualmente, deixaria tal destino para os burocratas cujas maneiras de atingir os números desejados e índices oficiais são atrozes e, nesse intento, não medem esforços para ter seu objetivo.
Uma vez, em uma palestra para mais de 400 professores da rede pública, eu disse que salário incompatível é frustrante, mas quem se frustra mais com isso é o lado professor. O Educador não, ele sofre com coisas mais intangíveis (condições de trabalho, falta de apoio de gestores, falta de interesse do aluno, políticas educacionais equivocadas...). O educador sofre quando se empenha em preparar aulas e ainda assim lida com um aluno que se importa pouco, pois o sistema, em busca de números favoráveis, coloca as estatísticas antes das aprendizagens e premia como excelente o professor que obteve 100% de notas máximas em sua classe. Como ele conseguiu? Não interessa, ele conseguiu, ele registrou no diário e ponto final. Não se fala mais nisso.
Há uma estrutura de silogismo tortuoso e bizarro de que a escola boa é a escola que aprova, afinal, hospital bom é o que cura (Aprovar=curar). Será? Será que podemos comparar doença com ignorância (no sentido de não saber algo)? Acho que não.
Mais se ainda seguíssemos assim, deveríamos considerar que um hospital que aparece com 30 pacientes dentre eles 10 casos avançados de uma doença contagiosa e morrem, a culpa é do hospital e não da doença, das condições em que chegaram, dos organismos e de suas reações ao tratamento. Se eram 30 pacientes e 10 morreram, temos uma incidência de 33% de óbitos. Alta não? Então a culpa é do hospital? E se a infecção fosse mais terrível e morressem os 30... que fracasso de hospital! Que merda de médicos! Acredite. Isso é uma possibilidade bem razoável.
Alguns diriam que essa afirmativa é absurda, pois deve ser considerado que o hospital não tem culpa já que cada organismo reage de um jeito, que cada um chegou de um jeito, que precisavam de ser considerados em sua individualidade e capacidade de reação a todos os tratamentos. Pois é... Numa sala de aula não existe essa benevolência. Parte-se do princípio que todos são idênticos, chegaram do mesmo jeito, manifestaram o mesmo interesse, tinham a mesma bagagem cultural e aptidão cognitiva.. tudo idêntico. Logo, a culpa é do professor quando alguém é reprovado.
Será que estamos preparando as gerações para a vida, para o mercado de trabalho, para a reflexão consciente, para formamos efetivamente pessoas capazes de produzir e representar um diferencial em seu meio social? Até que ponto não estamos correndo mais atrás de números positivos e ignorando que a vida é um escola crudelíssima que primeiro aplica a prova, depois dá aula?
O educador fica triste quando é obrigado a lidar com essas perguntas. O professor (só professor) não, segue a cartilha e endossa o discurso, afinal, para que bater de frente? Realmente, nisso o só professor tem razão, mas esse é o sapo que o educador engole no seu dia a dia.
Bom mesmo é ser só professor. Eu queria ser só professor. Assinar meu ponto, aguardar a sineta final, voltar para casa e contar os dias para me aposentar.
Mas a vida não me deu escolha. Não se sei se para o bem ou para o mal, afinal, educadores não escolhem, são escolhidos.
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