segunda-feira, 20 de junho de 2016

Meu adorável pleonasmo

(Escrevi este texto tempos atrás e vale a pena ser relido)

As pessoas se horrorizam com expressões como subir para cima, descer para baixo, entrar para dentro e vai por aí. Eu, sinceramente, não me assusto mais com nada. Nada do que é língua, me é estranho, parodio o filósofo.

Outro dia vi um homem furioso que gritava:
- Sai para fora.
Enquanto o outro, escondido dentro de um bar, a última coisa que pensava era no pleonasmo empregado. Ele gostaria até mesmo de ser paradoxal e sai para dentro.

Entretanto, o que ninguém vê é o nosso pleonasmo de cada dia. Aquele que entra e sai de nossas frases sem que a gente se dê conta e dão até uma sensação de que está tudo bem. Vocês já viram estudos sobre o meio ambiente, preservar o meio ambiente, cuidar do meio ambiente... Peraí. E existe algum ambiente que não é meio? Ou um meio que não é ambiente?

No bar, anunciam água mineral com gás ou sem gás. Isso nos faz pensar se não seria viável uma água animal ou mesmo vegetal. Água não é por natureza e essência mineral?
No interior do Brasil, muitas senhoras são conhecidas como a viúva do falecido Fulano. “Viúva do falecido”?? Ainda que tentem me convencer que há viúvas de marido vivo, fico com a pulga atrás da orelha.
Outro dia, na TV, um homem falava sobre as dunas de areia do Maranhão. Achei estranho e corri ao Aurélio. Como eu suspeitava. Dunas são montanhas de areia movidas pelo vento. Até onde se sabe, não conheço dunas de outras coisas senão areia.
Mas deixemos de besteiras puristas.
Que saiam para fora, que subam para cima, não me importo com as viúvas dos falecidos. Não estou nem aí para as águas minerais (mas desconfio das águas animais) e pouco me incomodam do que são feitas suas dunas, se de areia, ou de palavras.
Gosto desta redudância, gosto de ver o que a língua de Camões, de Pessoa, de Veloso, de Drummond, de Vinicius, de Suassuna, de Antunes, ou mesmo, pura e simplesmente, a minha e a sua, é capaz de fazer. Gosto de ouvir e ver as reentrâncias do idioma e seus caprichos.
Guardemos os pleonasmos para que seu excesso não nos faça ficar empanturrados e os usemos com a parcimônia do poetas. Vamos subir e, quando a subida for longa, vamos subir lá em cima com a pronúncia arrastada e alongada das sílabas.
Não nos preocupemos com as idéias que se repetem, mas com as idéias que faltam.

7 comentários:

blog disse...

Discordo de vc, camarada.
Acredito que ter cuidado com a língua nunca é demais. Quanto à expressão "meio ambiente", acredito que essa "redundância" seja até necessária, já que existem termos como "meio social", "meio político" e assim por diante.

Abraço

sacodefilo disse...

Sim... mas qual é o limite do cuidado com a linguagem e o purismo elitista da língua? (pergunta retórica.. óbvio) O que separa o erro do estilo. Minha preocupação é que muitos que chamam para si o título de guardiões da língua assustam a todos com um mundo de perfeição e impecabilidade. Vide Aldo Rebelo e sua lei de estrangeirismos...
Desconfio de todo zelo em excesso. Não sei, mas ainda me assustam as idéias que faltam e pouco me tocam as que sobram.

Axel Pliopas disse...

Muito bom o texto!

Quanto à minha inserção nessa discussão toda, eu sou mais aberto e acho que as pessoas usam a língua como quiserem mesmo, que não seja lerdo o ouvinte e capte a mensagem e julgue o estilo, mas sem censuras dadas a pressupor superioridade. Não sei se é verdade, mas soube que os sambistas do Rio certa feita criticaram as letras de Adoniran Barbosa dizendo que estava acabando com o samba, que aquilo era só um festival de erros. Ao que foi retrucado por Adoniran: "Mas é difícil errar certo!" Acho que é por aí...

Gostei do blog como um todo, parabéns!

magia disse...

Dei boas risadas com seu texto. Lingüisticamente falando, é "correto" todo uso lingüístico que obtém efeito comunicativo. Purismos não passam de preconceito na verdade.
E expressões como "água mineral" e "meio ambiente" acabam se cristalizando na língua porque há uma necessidade de uso para elas: a água mineral é aquela de garrafinha que a gente compra, meio ambiente refere-se à natureza de algum lugar em certo tipo de discurso e assim por diante. Melhor usar pleonasmos do que palavras estrangeiras...

PS: Gostei tanto de teu blog que coloquei um libk para ele no meu!

magia disse...

libk = link

Flávio Cruz disse...

Água mineral é a que vem da mina e não tem nada a ver com a ultrapassada forma de classificação em reinos mineral, animal e vegetal

sacodefilo disse...

Caro Bean, eu sei.
Foi só um trocadilho. Mas pensa bem... Toda água tem origem em uma mina interna ou externa. Até mesmo as águas de um rio se originam em uma mina..
Persiste o pleonasmo. Todas são minerais.
Abs