sábado, 12 de dezembro de 2009

O dono da história

Cada um conta sua história de uma maneira muito particular. Dizem que um autor só conta histórias passadas no Leblon, outro, em São Paulo, já o outro, no Nordeste. O fato é que somos o que escrevemos e escrevemos a realidade em que vivemos. Dessa forma, cada um narra um mesmo evento de seu ponto de vista. É isso que torna o mundo muito menos tedioso. Afinal de contas, tudo que havia para ser dito, já o foi. O que nos resta é dizer de maneira diferente.
Por exemplo, imaginemos a história da Branca de Neve e os sete anões.
Se ela fosse contada pelo Manoel Carlos, com certeza, Branca de neves se chamaria Helena e moraria no Leblon. Se fosse o Silvio de Abreu os sete anões morariam no Brás ou no Bexiga e teriam um sotaque muito esquisito e gesticulariam uma barbaridade quando estivessem falando. Se fosse escrita por Aguinaldo Silva, Branca de Neve teria um romance gay com a bruxa má e um dos anões seria viciado em maçãs envenenadas só para criar polêmica.

Numa novela mexicana, Branca de Neve seria uma menina de rua maltrapilha, mas que, na verdade, seria filha de um grande milionário, teria uma madrasta ruim à beça e um irmão desconhecido por quem se apaixonaria sem saber. No final, morreria antes de qualquer chance de ser feliz.

Mas se a história fosse contada por Nelson Rodrigues, os anões teriam um desejo secreto de ter relações sexuais com a Branca de Neve que se sentia meio mãe deles e sentia culpa por causa disso. Eles trabalhariam na floresta como funcionários públicos, não se chamariam Dunga ou Feliz, mas Almeida, Palhares, Oliveira e teriam uma casinha num bosque próximo para encontros amorosos.

Nas letras de um roteirista de Hollywood, Branca de neve, ao ser vista morta pelo príncipe, teria aos seus pés um homem que jurava vingança. O chefe do príncipe encantado, um homem sisudo e misterioso, olharia para ele e diria: John, fique fora disso. Mas o príncipe não desistiria e descobriria uma conspiração para matar sua parceira e concluiria sua vingança.
Mas e se fosse narrada em Cuba, Fidel mandaria prender a bruxa ianque símbolo do imperialismo e a condenaria por tráfico de maçã, pois, na ilha, não há macieiras. E na Venezuela, com certeza, os anões trabalhariam em um poço de petróleo.

E no Brasil...?
Bem, no Brasil , a Branca de Neve seria levada pelos anões a um posto do SUS. Os anões esperariam horas para serem atendidos e descobririam que ela deveria ser transferida para outro hospital porque ali não tinha leito para atender pacientes intoxicados. A bruxa teria um processo aberto na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por venda de alimento estragado e daria declarações no Fantástico que estava providenciando a substituição do lote. O príncipe chegaria atrasado e ficaria muito frustrado ao saber que o super plano de saúde que ele fez não inclui futuras esposas com as quais viesse a viver feliz para sempre.



35 comentários:

Wander Veroni Maia disse...

Oi, Marcelo!

Puxa vida, que texto bem escrito! Cada autor dá um enfoque diferente para a mesma história, apesar de mostrar estilo, eles correm o risco de cair na mesmice por não saber variar na hora certa.

Pensei agora: se a história da Branca de Neve, fosse contada na Record, pelo autor Tiago Santiago, ela seria uma mutante e teria que salvar a Terra da invasão alienígena....rs. Brincadeira, só para descontrair!

Abraço,

=]
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http://cafecomnoticias.blogspot.com

Magda Cristina Absolon disse...

Nossa a cada dia venho me surpreendendo mais com os blogs. E o seu me deixou morrendo de ri e pensando que realmente isso tudo tem fundamento.Como todos são repetitivos(ou chamamos isso de mesmisse?) mas enfim, o Brasil precisa sair dessa mesmisse, mas é isso já é uma novela que não tem um final feliz a muito tempo.rsrsrs
Vou continuar acompanhando seu blog. Ele é muito bom
Um grande abraço...
fuizzzz....

Magda Cristina Absolon disse...

Correção: MESMICE.
RS

Henrique Hemidio disse...

Na forma esse seu texto destoa de alguns bons escritos que há no blog, mas a saúde no Brasil é realmente algo fodido, e assim deve ser dita, ainda bem que a firma cobre meu plano da unimed...isso me lembra sicko do Michael Moore, filmaço...

sacodefilo disse...

Caro Henrique,

Acredito que a forma a qual você se refere seja o tamanho. Nesse eu extrapolei um pouco e acho isso um erro em um blogue. Mas é que eu escrevi este texto antes de me cair essa ficha. Há mais ou menos uns 11 meses... mas eu gostei dele e decidi colocar aqui.
Agora, dê uma lida no texto todo com atenção.. ele não aborda a questão da saúde no Brasil não.. a questão em discussão é características dos gêneros textuais que acabam caindo em uma mesmice absurda.
Dê uma lida com estes olhos... acho que vai agradar.
Valeu pelo comentário.
Abs

Flávia disse...

É interessante o rumo q uma mesma história pode tomar (ai, este verbo me persegue)rs, dependendo d quem a aborda. E essas narrativas foram ótimas! Quanta imaginação!... rsrs

Bem, se fosse a MINHA história... Não... Melhor deixar p/ lá! Eu iria beeeeeem mais "fundo" q Nelson Rodrigues. Com ceteza! rsrs

Bjs!!!

sacodefilo disse...

Flávia... rs

Você é ótima.. rs Quer dizer que você deixaria Nelson Rodrigues encabulado, vermelhinho de vergonha...rs

Ah..., além de top comentarista, você percebeu que você é o comentário de número 3.000 no saco de filó...?
Bjs

All3X disse...

Não, não Marcelo, ainda há muito para ser dito. Temos é que encontrar criatividade.
Sei que para muitas coisas, usamos trechos de outras pessoas, mas não há algo que se crie a partir do nada, mas deve surgir de algum lugar.
Fazer uma interpretação, ou uma releitura diferente sobre um ponto comum a outras pessoas é legal, é o que nos torna diferente, nos individualiza.
Se fosse eu contando a história de Branca de neve, bem.. agora não saberia o que escrever. Mas quando me aproximava perto do final deste texto, pensei que veria seu ponto de vista também sobre a mesma história.
Valeu a pena, são boas reflexões
All3X

[ rod ] ® disse...

Cara cheguei aqui pelo blog da Tati e me surpreendo com tamanha escrita... já pensou em escrever um bom roteiro? r ss

Muito sábio os elos que unem as histórias vistas por cada ângulo.. é como o filme de Woody Allen.. Melinda e Melinda.. já assitiu?

Abçs,


Novo Dogma:
roMance...


dogMas...
dos atos, fatos e mitos...

http://do-gmas.blogspot.com/

Caio Rudá de Oliveira disse...

Muito já foi dito, Marcelo. Mas há muito também ainda para ser contado. A criatividade é uma ferramenta para recontar o velho e inventar o novo. Feliz de quem consegue fazer um dos dois. Problema é quando se tenta e sai merda, como é o caso de muito "artista" por aí.

Anônimo disse...

Genial! Um dos melhores posts que já li no seu blog! Eu prefiro acreditar que ainda existem histórias novas para serem contadas, mas é inegável que a roupagem que se dá ao tema é reveladora do talento de quem escreve.

http://valacomum.wordpress.com/

Anônimo disse...

Marcelo...
Essa sua ironia ultrapassa o extraordinário

muito bommmmmmmmmmmmmmmm!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

e se você me permite complementar, todos os processos pós-mortem da falecida Branca durariam anos para sair, em especial o do INSS que ficariam pros netos da respectiva...

Marcio Sarge disse...

Estilo na verdade cada um facilmente desenvolve o seu mas talento para passear por vários deles ai são outros quinhentos.

Gostaria de ler uma novela escrita por Nelson Rodrigues em que a Branca de Neve se vestisse de noiva e onde sua madrasta, VIÚVA POREM HONESTA, resolvesse por isso mesmo CASTIGAR TODA A NUDEZ, e os sete anões contrariados diriam:
NOSSO DESTINO É PECAR.

Depois Fernando Verissímo faria piada com tudo isso.

Abraço Marcelo

Anônimo disse...

Cada autor escreve sobre o que tem mais domínio, é mais fácil. Para mim, seria difícil escrever sobre a situação do Nordeste, só iria usar os clichês que todos usam: pobreza, fome e tudo mais. Mas não conseguiria ir a fundo, pois não conheço totalmente a verdade de lá.
Agora, se é para falar de música ou situações do meu cotidiano, bem, aí eu consigo um pouco.
Mas o mais engraçado é ver que sempre há as mesmas coisas de diferentes autores. Por exemplo, os citados roteiristas de Hollywood, embora sejam muitos, todos fazem da mesma forma...
É uma falta de inovação...
Embora todos nós temos nossas restrições. Eu não consigo falar de política e economia tão bem...
E não é duvidando da sua capacidade, mas acho que se fosse para você fazer um texto sério, não seria tão genial quanto os outros. É questão de hábito mesmo.
Enfim, este blog continua ótimo;

Anônimo disse...

Olha, de todas essas leituras possíveis , a que mais me agradou foi a rodrigueana. Gostei muito do que você disse. Concordo contigo. tudo que havia para ser dito, já o foi. O que nos resta é dizer de maneira diferente.

E é engraçado também como é fácil pegaro jeitão de cada autor de novela. Não é preciso ir muito longe e ser profundo. Tudo está dado ao telespectador de mão beijada. O serviço de pensar e entender, que seria da audiência, já é feito pelo próprio autor.

Anônimo disse...

Gosto de seu jeito irônico, levemente ácido e divertido de escrever, e vc analisou bem os estilos, hem...

Luccannus - Jesum Christum est semper! disse...

É verdade o lance aí. E ainda bem que é assim. Imagina se todos os autores tivessem um mesmo ponto de vista sobre um mesmo tema? Seria chato, não?
.
.
Grande abraço. Fique com Deus, na Paz.
_________
Atualizado, visita lá: http://horateologica.blogspot.com/

Anônimo disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

Adorei as comparações, pior de tudo é que são extremamente verdadeiras...

Beijos !!!

Anônimo disse...

Olá .. me desculpa a demora .. deu tilti aqui .. rsrs

Amei o seu post .. a forma como descreve muito bem e engraçado os autores de novelas ... e tem "Tudo aver" rsrsrs

Gaostei muito mesmo .. parabéns..

Bjs ..

Mayara Celeghini disse...

Olá, Marcelo!
Realmente, muito boa sua colocação (um tanto quanto irônica) sobre esses diversos estilos que temos, não só na dramaturgia, como na literatura, de modo geral.
Esse exemplo que citou da história da Branca de Neve prova que cada um tem uma interpretação diferente da mesma história. Cada autor escreve sobre o que lhe deixa mais a vontade, assuntos que ele geralmente conhece bem.

Muito bom o texto, parabéns!

=D
______
http://mini-mente.blogspot.com

Tiago disse...

Eu comecei a pensar em tanta coisa na minha adaptação da história da Branca de Neve para a realidade tupiniquim que desisti de escrever aqui pra não ocupar todo o espaço de comentários. Acho que vai acabar virando um post.

Alessandra Allegr!a disse...

hahahaha

Se a Branca de neve estivesse no Brasil fatalmente descubriráimos que ela era petista.
Que o Lula na verdade sabia das maçãs envenenandas, que a Bruxa estava recebendo ptopina pra não entregar o esquema e que os anões eram meros laranjas.


A.d.o.r.e.i

GUARACI CELSO PRIMO disse...

Ok Mestre!
Pelo que vi, logo estaremos usufruindo de um belo livro de sua autoria.
Ao iniciar um série sobre Templarios (tema que venho pesquizando há algum tempo) verifiquei a diversidade de enfoques sobre esta ordem Mediaval.
Tua opinião caiu como uma luva.
Como disse Umberto Eco, só loucos se interessam em buscar a verdade sobre alguns assuntos.
Sucesso sempre.

Anônimo disse...

"Se todos fôssemos iguais não haveria progresso".
Muito bom o seu texto! E, como sempre, o Brasil ficou com a pior parte...rs
abraçoss

Wy disse...

Tenho lido seus textos ultimamente e digo que só melhora.
Muito bom as versões da Branca.
Apesar de ser engraçado é real. Ou apesar de real, é engraçado. o_O

Você escreve muito bem, continuarei vindo.

Até mais.

disse...

Não pude deixar de rir imaginando Dunga como Palhares tendo sonhos picantes como Branca de Neve.
Salve Nelson Rodrigues...
Abços

Iêda disse...

O seu post me fez pensar que é preciso exercitar diversas formas de olhar a mesma realidade, e parece que a maioria dos autores ficam 'viciados' em uma forma de olhar.

Adorei o post, aliás, adorei o blog! Voltarei mais vezes.

Obrigada pelo convite no diHITT.

Abraços,
Iêda

Homenzinho de Barba Mal feita disse...

Parabéns você descreveu extamente como cada autor iria contar a história...
eu assisti à duas peças do Nelson Rodriguês e, sempre tem um irmão pederesta que é tarado pela irmã, a cunhada que deseja ter um caso com o cunhado e por ai vai contando A vida como ela é e, não como ela aparenta ser...

Abraços!!!

http://hdebarbamalfeita.blogspot.com/

Daniela Figueiredo disse...

Adorei! A versão Hollywoodiana está ótima, aliás, como todas as outras, que transformaram a pobre-rica princesa Branca de Neve em uma personagem de agradar a todos os gostos.
Beijos.

Anônimo disse...

ASUHSUHASH ainda bem que eu tenho um certo "seguro" contra isso...rsrsrs

Carol Mioni disse...

Fiquei encantada... não, essa era outra... fiquei... não sei, qualquer palavra que eu diga é personagem... rs

em resumo: ótimaaaaaaaaaa visão! Muito bom mesmo!

Mulher de Fases disse...

Marcelo,
Mais um texto leve, divertido e cheio de imaginação!Grata surpresa ter achado seu blog!
abços

Márlon Silva disse...

Muito bom o texto. Parabéns! Me fez rir.

Eduardo Montanari disse...

Oi, tudo em paz?

Te premiei com um selo. Para pegá-lo e saber das regras, visite meu blog Divagações Solitárias e veja o post clicando aqui

Um grande abraço!