quarta-feira, 9 de julho de 2008

No próximo desastre sou eu quem vou.

Lembro que meu pai comentava que, certa vez, o meu tio mais novo ficou indignado porque houve um acidente em minha cidade e ele não estava com o meu pai quando passava pelo local, mas sim o seu irmão mais velho. No ápice da indignação, o garotinho soltou:
Tá bom, mas no próximo acidente sou eu quem vou com você.
Só entendi essa indignação anos depois quando despertei para o fato de que as pessoas nutrem um prazer mórbido pela desgraça. Perdi a conta do número de vezes que engastalhei no trânsito porque houve um acidente e, longe de fato afogar a via, o que arrastava o tráfego era o tesão com que as pessoas olhavam pela janelinha e, num espetáculo de horror, comentavam os detalhes. Se havia cabeças esfaceladas, a descrição vinha seguida de espasmos faciais que davam um tom teatral ao ocorrido. Se não havia nada no local ficava, só um carro amassado, nada mais, senti-se um "ahhh" de frustração como se o espetáculo para o qual se preparavam tivesse sido cancelado.... Ahhhh.
Eu, um alienígena por opção, sempre me esquivava desse mórbido prazer. Gatos e cachorros atropelados acabam com meu dia... Certa vez, já fiquei de baixíssimo astral por causa de um cachorro atropelado na Dutra e olha que eu não fui o responsável... eu só passei segundos depois. Tempo suficiente para ver o animal agonizando.
Mas segue o circo dos horrores.
Pessoas sussurram no ônibus. Outras narrativas se mesclam. Histórias de acidentes piores vistos por eles ou por pessoas que eram colegas dos colegas deles. Mais sangue, mais miolos, corpos em ferragens... O ônibus se afasta e o trânsito flui. Os temas cotidianos voltam e a temática do acidente só será retomada durante o telejornal da noite que irá mostrar o desastre e o sujeito vai contar com orgulho de medalhista olímpico que passou ali na hora que aconteceu. Ou que quase pegou aquela van minutos antes... e persiste assim o prazer de quase morrer.
Como é bom!

Em tempo:
Já observaram a quantidade de quase mortos que surgem depois de um acidente. Aquele que ia, mas não foi. Como é bom ser quase morto...! Dá uma sensação de que eu sou alguém especial, ainda que meu cotidiano insista em negar isso.
Penso, blogo, existo.

15 comentários:

Gustavo Ganso disse...

É isso mesmo, no fim, todos parecem competir pelo pior. Confesso que sempre olho quando vejo um acidente, com a pontinha de aflição, mas olho.

E depois dos quase mortos, vêm aqueles que deveriam estar no avião que caiu, como alguns excelentíssimos membros do congresso.

até
Gustavo Ganso

Anônimo disse...

Não me esquivo dessas coisas. Simplesmente não dou atenção. Acidentes na estrada, grandes desastres e coisas desse tipo, passam por mim totalmente despercebidos. Lembro que só fiquei sabendo do Tsunami na Indonésia quase duas semanas depois que aconteceu. Não por ser alienada, mas por falta de interesse.

Por outro lado, também fico arrasada quando se trata de animais. Quer acabar com o meu dia? Faça-me ver um cão sofrendo de qualquer forma. Talvez você não acabe só com o meu dia, mas com a semana inteira, até o mês, o ano...

Paulo Avila disse...

Realmente, é incrível a morbidez de muitas pessoas. Conheço duas pessoas na minha rua que adoram farejar acidentes, desastres e, principalmente, comentar mortes de pessoas conhecidas. Nunca faltam os velórios e fazem cara de piedosos, mas no fundo estão - sinistramente - regozijando. É muito mórbido! Parece algo parecido com necrofilia!

Pessoas assim esquecem que um dia também estarão atuando como protagonistas no último capítulo do filme da vida. E também vai ter gente de camarote para assistir, satisfazendo assim seus desejos mórbidos.

Unknown disse...

Hahahha...Que isso, penso assim também. Parece que em geral a desgraça alheia atrai as pessoas. Ex: Meu pai tem um firma de carvoaria, aí, essa semana é a semana de prevenção de acidentes, aí ele meu entregou um pen drive para poder imprimir umas fotos de acidente de trabalho. Cara, quando abri os arquivos, confesso que de primeira, achei estranho, cada cena mais estranha, de embrulhar o estômago. Acontece que gostei das fotos, fui e copiei no PC e as vezes fico imaginando os acidentes'! É muito legal!! Haahahha, que paia!!

Abraços!!

Lomyne disse...

Vai ver as rédeas soltas do governo acerca das tragédias e da violência são motivadas justamente pela tão antiga e sábia lição romana de panis et circencis...

Só o que complica nessa lógica é justamente apertar a Lei Seca em ano de eleição. Se bem que eleição municipal não paga placê...

Petit Petit disse...

Incrível! Eu não entendo o gosto das pessoas pelo horrível! No ônibus as pessoas chegam a mudar de lado, dos bancos da direita para os da esquerda ou vice-versa, só para buscar o melhor ângulo. Os mais contidos dão aquela levantadinha da poltrona e esticam o pescoço só, mas não deixam de ver.

Eu olho logo para o lado oposto. Não é só o fato da cena ser horrível não! Fico pensando que se fosse eu, ali, não ia gostar de que estivessem me observando com cara de urubu! Eu sei, estaria morta. Não tem essa mais de gostar ou não. Ainda assim...

Animais atropelados então... Ando sempre pela RJ-104 e um dia lá estava o bichinho! Fui chorando no ônibus até chegar na faculdade.

Eu realmente não entendo. Não entendo!

Rosangela Ataide disse...

As pessoas realmente tem tendencia a valorizar desgraças, talvez até mesmo por não saberem bem o trauma horrivel que é fazer parte de um. Cara, capotei 3 vezes num carro e posso garantir que não é nada bom ver sua vida por um fio, a sensação e de estar num liquidificador humano, no momento só pensava em segurar meu filho que na época tinha 7 anos, segurar como? Não sei dizer só sei que quando me dei conta meu filho estava fora do carro sem nenhum aranhão, e eu só tive umas contusões, graças a Deus estamos vivos. Hoje tenho pavor de carros do tipo esportivo pois capotam com mais facilidade, prefiro os estilos sedan.
Abraços!

Euzer Lopes disse...

Meu amigo, tem coisa pior nestes acidentes: os que apenas ficam sabendo mas contam que viram tudo, e dão detalhes folhetinescos do ocorrido.

marcela primo disse...

§

Tem uma música da Legião, Metrópole, que mostra bem isso.

O primeiro verso é: "É sangue mesmo, não é mertiolate" e os dois últimos são: "E agora eu vou indo senão perco a novela/E não quero ficar na mão".

O que mais me incomoda é que além de se fazer da morte (em desastres ou não) um espetáculo, perde-se o sentido de tragicidade e transita-se muito facilmente entre ela e os fatos banais, corriqueiros.

Fala-se do acidente ao lado com assombro caricatural e em dois segundos o assunto é o novo corte de cabelo da Fulana de Tal da novela X. É o gosto pela novidade que tem movido as pessoas.

Quanto aos "quase mortos", acho que tem a ver com outra perversão de nossa sociedade: a de que o individual deve sempre se sobrepor ao coletivo. Fato que tem chegado aos extremos da comicidade em quaisquer situações.

O que eu disse pode ser uma generalização e outros tantos fatores devem envolver esse gosto pelo desastre, mas são os pontos que me deixam mais perplexa.

§

Marcos Costa Melo disse...

Marcelo, há um tempinho não passava por aqui pela bagunça que anda minha vida (sábado, depois de mais um mês acho que retorno para casa), mas vejo que a qualidade do seu texto continua irretocável.

Dei boas risadas com a ironia dos posts, mas confesso que me idenfiquei muito com o dos depressivos, já que faço parte do time que se tiver um surto vai cortar o pulso dos outros, afinal de contas, minha vida não é muito boa, mas é a única que eu tenho!

abs

Marcio Sarge disse...

Quase mortos depois de acidentes... isso é verdade. O cara que não pegou aquele avião, o que não entrou naquele ônibus e ai vai, o ser humano senti uma necessidade viceral de sentir-se especial, mostrar que de alguma forma foi o escolhido mesmo que isso seja às custas dos sangue alheio.
Parafraseando um blogueiro que eu gosto de ler "parece que a humanidade não deu certo"

Grupo Saber Viver disse...

Curiosidade morbita, esse qustão incosciênte esta presnte em todas as pessoas, Freud falava no começo de sua obra que duas foraças moviam o ser huma , a pulsão de vida, e a pulsão de de morte, porém no final de sua obra ele descarta a pulsão de vida ficando apenas com a pulsão de morte!
http://gruposaberviver.blogspot.com/

Anônimo disse...

Concordo plenamente com o Grupo Saber Viver.(muito bom tbm esse blog

Kah disse...

As pessoas são assim msm!! Ou ela fica como se tivesse participado de um filme ou faz um contário sádico e mal educado para quem se feriu!
Eu fiko impressionada de ver as pessoas ao redor de um acidente só pra aparecer na filmagem do jornal e dar um thauzinho!

=]

Rodrigo disse...

Mais tanta vontade assim de ir ver a tragedia de outra pessoa?